quarta-feira, 24 de março de 2010

Onde estamos?

Hoje sabemos que não há centro no Universo. Todos os pontos se afastam uns dos outros, devido à expansão cósmica: cada ponto vê os outros a afastarem-se como se estivesse no centro. Num Universo tão grande, somos tão pequeninos que passamos facilmente despercebidos. Vou aqui deixar algumas imagens que nos dão uma ideia da nossa insignificância e nos ajudam a perceber onde estamos.


Esta visão nocturna da Terra é uma fotomontagem de milhares de imagens tiradas pelos satélites DMSP. (Defense Meteorological Satellites Program), lançados pela Força Aérea dos Estados Unidos desde de meados dos anos 60.
Apesar de obtidas a uma altitude de 450 milhas náuticas (1 852 m), este somatório de imageens mostra as profundas desigualdades em que está dividido o nosso planeta: os ricos, aqui indicados pela intensidade luminosa das suas cidades, e os pobres, mergulhados na escuridão da luz, da fome, do desespero e da falta de esperança. Tantas descobertas científicas e tecnológicas, tanta exploração de recursos e, mesmo asssim, tanta gente a viver na pobreza: cerca de um tercço da humanidade vive com menos de 1,5 euro por dia.



E quando se esperava que a globalização trouxesse uma solução mais humana, afinal aconteceu o contrário, aumentando o fosso entre os dois "mundos". Porque, como diz Bento XVI, na sua última encíclica, "a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. A razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade" (Deus é Amor, 19).


Vista de longe, a Terra parece um "paraíso" com lindas cores. Olhada assim é impossível não perceber que temos apenas uma casa comum . Aqui não distinguimos povos nem países, não distinguimos ricos nem pobres. Esta imagem ajudou-nos, quando foi vista a primeira vez, a ganhar uma consciência planetária. Mas foi sol de pouca dura. Rapidamente retomámos os nossos conflitos, as nossas ambições desmedidas e lesivas dos outros, as guerras, a ganância. Porque o que nós vemos é apenas o que nos rodeia, a nossa pequena aldeia e não conseguimos uma vista de conjunto, a da aldeia global.


Esta imagem mostra-nos que afinal não passamos de uma Lua, maior que o nosso satélite, mas não temos grande diferença, quando vistos de longe: a Lua, que nem se quer tem vida, como a imagem de baixo mostra num "cair de tarde" com as sombras a alongarem-se nas crateras. E lá longe, lá estamos nós, tão minusculamente insignificantes.


Espreitando de mais longe, agora através da sonda Cassini, que sobrevoava os anéis de saturmno, lá estamos nós um grão de poeira quase invisível. Que coisa tão pequenina e tão solitária num ambiente frio e escuro! Quem diria que ali se chocam 6 mil milhões de vontades, que ali vivem 6 mil milhões de pessoas, com rosto, com inteligência, com sentimentos e emoções!


Iluminados pela nossa estrela, o Sol, ficámos bem situados para que a vida aqui aparecesse, se desenvolvesse, se complexificasse e se tornasse consciência. Bastava ter ficado mais perto ou mais longe do Sol e essa possibilidade gorava-se e não estaríamos aqui a viver, com as nossas alegrias e tristezas, esperanças e angústias, vítórias e fracassos.



Afinal fazemos parte de uma família maior com sete irmãos crescidos e uma meia dúzia de miúdos, tudo numa aparente harmonia, mas cuja história envolveu muito "suor, sofrimento e lágrimas". Mas acabámos por nos acomodar, arranjando espaço para todos, para os "grandes" e para os "pequenos".


E continuando a olhar cada vez para mais longe, descobrimos que há muitas outras estrelas. Terão planetas como a nossa Terra? Terão sequer vida nas suas formas mais elementares?





Perdidos num dos braços da Via Láctea, o braço do Orion, lá está o nosso Sol, uma das 200 mil milhões de estrelas que constituem a nossa galáxia.



Agora o nosso Sol desapareceu do mapa, como a maior parte das estrelas. O que passa a contar são as galáxias. O Sol gira em torno da Via Láctea à velocidade de cerca de 250 Km/s.


A Via Láctea está incluída no nosso "Grupo Local", que contém cerca de 50 galáxias e está a ser atraido, à velocidade de 250 Km/s, pelo Aglomerado da Virgem, que contém cerca de 2000 galáxias. O nosso Grupo Local e o Aglomerado da Virgem fazem parte do Superaglomerado da Virgem, chamado também de Superaglomerado Local, formado por uma centena de grupos e aglomerados de galáxias. Supõe-se que o Universo visível tenha uns 10 milhões de Superaglomerados.



Aqui vêem-se várias galáxias muito brilhantes:
Olhos de Markarian, à esquerda em cima;
M86, acima do centro, M84, no meio à direita e
a espiral NGC 4388, em baixo à direita






Eu Sou do Tamanho do que Vejo

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos - Poema VII

Museu Grão Vasco, Viseu

quarta-feira, 17 de março de 2010

Galáxias ou Nebulosas?

 
M57
Fonte: Ciel&Space nº 411(Agosto.2004), p. 42

Uma das mais brilhantes nebulosas planetárias formada pela nuvem de gás emittida
por uma estrela semelhante ao Sol no estado final da sua existência.
Este gás, que se expande a 40 Km/s, é uma mistura de Hidrogénio (avermelhado: 656,3 nm),
Azoto (avermelhado: 654,8 e 658,3 nm) e Oxigénio (azul-esverdeado: 495,7 e 500,7 nm)

Voltemos ao debate de há 90 anos sobre as "nebulosas".
O seu contexto pode situar-se no século XVIII, quando o astrónomo francês Charles Messier começou a catalogar as tais "nebulosas" classificando-as por M seguido de um número (M1 até M110), criando assim o Catálogo de Messier.
Muitos catálogos de estrelas foram compilados por quase todos os povos antigos, nomeadamente os Babilónicos, os Gregos, os Chineses, os Persas e os Árabes. Os mais recentes estão disponíveis em suporte informático e podem ser "descarregados" da NASA's Astronomical Data Center.
Um outro catálogo famoso é o NGC (New General Catalog) que, na primeira versão, de 1888, continha 7.840 objetos, com um mesmo sistema de classificação (NGC1 a NGC7840).
Hoje ainda se utilizam indiferentemente. Por exemplo a M110, a última de Messier. é a NGC 205: uma galáxia elíptica localizada a cerca 3 milhões de anos-luz na direção da constelação de Andrômeda, de que é satélite.


Mas voltando a Messier: "O que me motivou a elaborar o catálogo foi a nebulosa que descobri logo acima do chifre mais austral da constelação Taurus, em 12 de Setembro de 1758, enquanto procurava observar o cometa daquele ano... Esta nebulosa tinha uma tal semelhança com um cometa, na sua forma  e brilho, que procurei esforçar-me por encontrar outras de modo que os astrónomos não confundissem estas mesmas nebulosas com cometas que começassem a brilhar". O itálico é meu.

A primeira "nebulosa", M1, é a  Nebulosa do Caranguejo, que, se sabe hoje, é o "remanescente", o que resta, da supernova (a fase final apoteótica de um estrela que explode violentamente) que está a expandir-se à velocidade de 1 500 Km/s.
    
Nebulosa do Caranguejo - M1 (APOD 25.Out.2009)

Nebulosa do Caranguejo vista em diferentes comprimentos de onda:
Raios X, UV, IV próximo, IV médio, IV longínquo e Rádio.
Fonte: Dossier pour la Science nº 62 (Jan.2009), p. 45

Esta supernova ocorreu no ano 1054 dC e foi tal a sua intensidade que era visível a olho nu, tendo sido registado por astrónomos árabes e chineses:


E já que falamos em "astrónomos" chineses, aqui está o mais antigo registo de uma supernova do século XIV aC, gravado sobre a carapaça de uma tartaruga:


com a seguinte notícia:


"No sétimo dia do mês, um dia Ji-Si, apareceu uma
notável estrela nova na vizinhança de Antares"
Fonte: La Recherche, 18 (nº 193 - Nov.1987) p.1416

Fechado o parêntese e voltando ao Catálogo de Messier, a "nebulosa" mais conhecida é a galáxia da Andrómeda, nossa vizinha, a cerca de 2,5 milhões de anos-luz. "Estamos" a aproximarmo-nos à velocidade de 120 Km/s. Mais à frente, explicarei por que, estando o Universo em expansão, estas duas galáxias se atraem em vez de se afastarem.

Compare esta imagem com a da M110 apresentada mais acima

Messier pensava, como Kant, que as nebulosas, ou algumas delas, eram aglomerados de estrelas semelhantes à nossa Galáxia, não detectáveis por falta de instrumentos apropriados. Aliás, como vimos pelas suas palavras, o objectivo de Messier não era distinguir galáxias e nebulosas, mas distinguir os cometas de todos os outros corpos celestes.
Nos finais do século XIX, começaram a aparecer dados experimentais mais detalhados: as "nebulosas" apresentavam diferentes espectros ópticos, o que significava que eram de natureza diferente, mas desconhecida. Em 1908 já tinham sido catalogado umas 15 mil "nebulosas", mas não se conheciam as distâncias, um dado fulcral para determinar se eram objectos da nossa Galáxia ou galáxias "independentes".

E foi neste contexto que ocorreu o debate a que fiz referência. Os principais intervenientes eram cientistas de peso: Shapley, director do Observatório Monte Wilson, e Curtis, do Observatório Lick. Para o primeiro, as nebulosas não passavam de objectos da nossa Galáxia; para Curtis eram galáxias como a nossa Via Láctea.

Um dos exemplos mais interessante é o da belíssima "galáxia remoinho" M51. Messier, ao descobri-la, a 13.Out.1773, chamou-lhe "uma fraca nebulosa". Em 1845, Lord Rosse desceveu a sua estrutura espiral ("a primeira nebulosa espiral"). E, só passados 150 anos, é que Hubble, em 1924, verificou que se tratava de ua galáxia. Na realidade ela é composta de duas galáxias em colisão com  massas muito diferentes: a maior é muito rica em gás, e portanto, geradora de estrelas; a mais pequena é estéril.


Mas o debate não foi conclusivo, porque a solução passava por dados experimentais e não por meras especulações, mesmo bem fundamentadas. O problema só foi resolvido, 3 anos depois, por Hubble, mas antes há alguns aspectos que gostaria de considerar.
Note-se, no entanto, que as Nuvens de Magalhães (Grande e Pequena), que são efectivamente duas galáxias anãs, satélites da Via Láctea, ainda mantêm o nome de "Nuvem", vestígio dessa dúvida antiga.

Subjacente a esta questão cientifica estava, pelo menos inconscientemente uma questão antropológica: qual é a nossa posição no Universo? Nós, os únicos seres pensantes, somos "demasiados importantes" para ocupar um lugar qualquer. Temos de estar no centro. Por isso, começámos por "colocar" o Sol em volta da Terra: a Terra no centro. Depois o centro passou a ser o Sol, como se fosse a estrela mais importante. Admitir que havia outras galáxias, então, ainda era complicado.
Esta centralidade foi-se perdendo: afinal o Sol não passa de um estrela insignificante perdida entre milhares de milhões de estrelas que formam a nossa Galáxia, também ela uma entre milhares de milhões de outras galáxias.



E, entretanto, fomos esquecendo as várias revoluções que nos deviam tornar mais "humildes" e menos auto-convencidos: Copérnico, com a revolução cósmica (a terra não está no centro); Marx, com a revolução social (o homem não é um ilha isolada mas tem uma natureza social); Freud, com a revolução psicológica (a nossa libido influencia profundamente as nossas acções e decisões).
Para já não falar nas versões modernas e requintadas do etnocentrismo (a minha cultura é o critério de avaliação das outras) ou do (neo-)colonialismo (os teus costumes e ideias devem ser cópias exactas dos meus).
De qualquer modo, ficam sempre as perguntas: Quem é o Homem? Que lugar ocupa? Que importância tem?


Estas perguntas têm baralhado os limites entre a (astro)física e a metafísca, sobretudo com o debate em torno do creacionismo ou evoluciosnismo, ou, de um modo mais geral, sobre a validade ou não do princípio antrópico. Mas vamos com calma, porque há ainda vários pressupostos a considerar.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Um acalorado debate

Vai fazer, em Abril, 90 anos que aconteceu um aceso debate sobre a natureza de uns objectos celestes conhecidos, na altura, por "nebulosas": seriam objectos da nossa Galáxia ou tratava-se de galáxias, portanto exteriores à nossa.
Mas antes de passar ao debate, convém esclarecer alguns conceitos que todos conhecem mas sem sempre entenderem bem o seu conteúdo.

CONSTELAÇÃO
É um grupo de estrelas que, quando as olhamos, nos parecem próximas entre si mas geralmente não estão. Nesses grupos os Antigos descobriam uma forma de um animal ou de um qualquer objecto.


Já que se trata de uma observação popular, a mesma constelação pode ter nomes diferentes conformes os povos. Por exemplo a Ursa Maior, que, segundo a mitologia grega, resultara de um castigo aplicado por Zeus a Calisto, tinha muitos nomes. C. Sagan mostra em seis esquemas os nomes dados por diversas culturas:
- na América do Norte: A Grande Colher;
- na França: A Caçarola;
- na Inglaterra: O Arado;
- na China antiga: O Burocrata Celestial;
- na Grécia antiga e os nativos da América viam-na como a cauda da Ursa Maior
- na Europa medieval: A Carruagem ou A Carroça de Carlos;
- no Egipto antigo: representavam-na, num grupo maior de estrelas, como um Touro a puxar um homem.

Fonte: Carl SAGAN, Cosmos, pp.46 e 47

Muito curiosa é a designação de Os Sete Sábios que lhe é dada na Índia.

Para os astrónomos, a constelação não passa de uma região do espaço. Há 88 constelações registadas.


GALÁXIA
É formada por um conjunto de milhares de milhões de estrelas e nebulosas ligadas pela força gravitacional que as faz orbitar em torno do seu centro. Portanto todos os corpos estão próximos uns dos outros, o que não acontece na constelação.
Há vários tipos de Galáxias: as Espirais (S) que se caracterizam por ter braços em forma de espiral e as Elípticas (E) que apresentam uma forma esférica ou elipsoidal., com vários sub-tipos: a, b e c. Algumas das Espirais são barradas, isto é, têm um estrtura do tipo de um barra a atravessar o núcleo.


Este grupo local apresenta três galáxias de diferentes tipos: a da esquerda é uma espiral vista de lado, a NGC 5981, depois vem uma elíptica, a NGC 5982 e, fnalmente, uma espiral "vista de cima, a NGC 5985.

Há ainda um outro tipo de galáxias - as Irregulares - que engloba todas as que não cabem nas Espirais nem nas Elípticas.


Etimologicamente a palavra vem do grego galaxia, “leitoso”, de gala, “leite”. É por isso que a nossa galáxia se chama Via Láctea, pois, segundo a mitologia grega, Zeus pôs o seu filho Hércules, que tivera de uma mulher mortal, Alcmena, a mamar no seio de Hera, enquanto esta dormia, para o tornar imortal. Hera, ao acordar e ver ali um estranho, afastou-o bruscamente e um jacto de leite saiu disparado pelo céu fora.


Descobriu-se recentemente que a nossa é uma galáxia espiral barrada, isto é, com uma estrutura em barra no núcleo:


Deixo aqui uma curiosidade que mistura galáxias ligadas gravitacionalmente e uma outra que nada tem a ver com o grupo:


Deste sexteto nem todas estão ligadas gravitacionalmente, isto é, na mesma vizinhança. A galáxia espiral, no centro, não tem nada a ver com o conjunto, "foi apanhada" na fotografia. Sabe-se isso, através da medição das "velocidade de afastamento" das várias galáxias: enquanto a das "cinco companheiras" oscila entre 4000 a 4500 km/s, a galáxia espiral está a fastar-se a 20 000 km/s. Mais à frente veremos como se medem as velocidades de afastamento ou de aproximação. Rigorosamente falando, não se trata de um sexteto mas de um quinteto, pois, a "galáxia" do lado direito não passa de um conjunto de estrelas projectadas para o espaço pelos "efeitos de maré" violentíssimos das quatro galáxias.

Mais “claro” é o caso do Quinteto de Stephan, o primeiro grupo de galáxias descoberto, em 1877, e também o mais estudado. Também aqui só quatro galáxias estão próximas umas das outras, isto é, unidas gravitacionalmente, e, portanto, a aproximarem-se entre si; algumas até já entraram em colisão. Este quarteto está a 300 milhões de anos-luz (Ma.l.) de nós, enquanto a espiral azul, que parece também ir chocar com as outras, está muito afastada, pois encontra-se sete vezes mais próxima de nos, a apenas 40 Ma.l..



Outra curiosidade: Não parece mesmo uma baleia?


Para conhecer os váriso tipode galáxias foi criado um Projecto Galaxy Zoo




NEBULOSA
Formada por nuvens de poeira, Hidrogénio e gases ionizados, são regiões propícias à formação de estrelas.
A mais famosa é a M16, a Nebulosa da Águia, mundialmente conhecida por esta fotografia divulgada pela NASA. como "Os Pilares da Criação":


Trata-se de glóbulos gasosos (EGGs) que se evaporam de pilares formados por Hidrogénio molecular e poeira. Estes pilares gigantes têm um comprimento de vários anos-luz e são tão densos que o gás interior se contrai gravitacionalmente e origina estrelas. 

NEBULOSA PLANETÁRIA
É um invólucro brilhante de gases, restos da “morte” violenta de estrelas. Nada tem a ver com os planetas: o seu nome resulta do facto de se assemelhar a planetas gigantes.São geralmente objectos ténues, têm uma vida curta (dezenas de milhares de anos) e nenhuma é visível a olho nu. Na nossa Galáxia há cerca de 1500.
A primeira foi descoberta por Messier, em 1764, que a classificou como M 27.




Esta nebulosa planetária foi criada pela brilhante estrela envelhecida (aging) visível no meio da fotografia. Esta fotografia com imagens "falsas" mostra um gás de Hidrogénio (verde) e uns glóbulos enigmáticos de um denso gás molecular e poeira (vermelho).

sexta-feira, 5 de março de 2010

Um longo caminho

A cosmologia como ciência começou apenas na segunda década do século passado com a primeira lei obtida a partir de dados experimentais: a lei de Hubble.
Até aí havia já uma boa mão cheia de dados e católogos celestes, mas pouco se sabia.

O céu estrelado foi sempre um objecto de admiração (e também de terror, perante alguns fenómenos) por parte todos os povos, de tal modo que os mais antigos divinizaram, entre muitas outras coisas, o sol e a lua. Basta recordar o poema egípcio "Hino ao Sol" ou "Hino a Aton":


"Apareces belo no horizonte do céu,
ó Aton vivo, criador da vida!
Quando te ergueste no horizonte oriental
encheste toda a terra com a tua beleza.
És gracioso, grande, resplandecente
e estás acima de todas as terras.
Os teus raios iluminam as terras
até ao limite de tudo o que criaste.
És como Ré, chegas ao limite de todos os países,
que unes para o teu filho que amas.
Embora estejas longe, os teus raios chegam à terra.
Embora todos te vejam, ninguém conhece o teu percurso
...
És tu que amadureces a semente na mulher,
que produzes o sémen no homem,
que dás vida ao filho no ventre da mãe
e o acalmas para não chorar mais.
...
Quão numerosas são as tuas obras
e quão escondidas do entendimento humano.
Ó deus único, fora doqual não há nenhum!
Criaste a terra, de acordo com o teu desejo, só tu,
com homens, gado e animais selvagens,
com tudo o que na terra existe e anda sobre os pés,
com tudo o que há no ar e voa com as suas asas.
...
Todos os olhos te vêem lá em cima
pois tu és Aton do dia sobre a terra.
Mesmo depois de te teres posto,
permaneces no meu coração.
...
Tudo se move desde que criaste a  terra
e a ergueste para teu filho, que saiu do teu corpo,
o rei que vive pela meat, senhor da Duas Terras".
(L.M. ARAUJO, Mitos e Lendas do Antigo Egipto, LivroseLivros, 2005, pp. 97-100)
Meat pertence ao campo semântico que compreende a justiça, a harmonia, a verdade, a rectidão, a ordem cósmica e universal (ID., p. 44).

Muitas observações astronómicas foram feitas, de tal modo que os Antigos conseguiam até prever eclipses e os Egípcios calcular a época das cheias do Nilo.

Mas só com a luneta de Galileu é que começou a abrir-se uma brecha para esse mundo desconhecido.

©BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON

Há exactamente 400 anos Galileu descobriu as suas quatro “luas” de Júpiter.  


Os nomes destas luas foram sugeridos por Simon Marius, que escolheu quatro amores de Zeus segundo a mitologia grega. Não deixa de ser curiosa esta referência à mitologia, que no fundo era uma forma de religiosidade, própria de um tempo de transição na maneira de compreender a ciência.
Vejamos agora cada um das quatro luas descobertas por Galileu

IO: não apresenta crateras, mas tem muitos vulcões, alguns activos; é mesmo a lua mais activa de todo o Sistema Solar. Repare-se no ponto brilhante quase no "polo norte" que mostra a existência mas sobretudo a violência de um vulcão activo: o vulcão Tvashtar.


Filha de um deus-rio despertou a atenção de Zeus / Júpiter que, para iludir os ciúmes terríveis de sua mulher, se transformou numa nuvem. Mas Hera / Juno desconfiou, o que obrigou Zeus a transformar IO numa novilha. Mesmo assim, Hera mandou Argos guardá-la. Argos tinha a particularidade de, enquanto dormia, manter sempre cinquenta dos seus cem olhos abertos. Zeus mandou Hermes / Mercúrio libertá-la. Servindo-se da flauta de Pã, Hermes adormeceu os cinquenta olhos "acordados" e cortou-lhe a cabeça. Hera, em sua homenagem, colocou os olhos de Argos na cauda do pavão. Mas, nem mesmo assim, IO se livrou de Hera, que mandou um mosquito picá-la constantemente. O seu tormento só acabou quando Zeus e Hera chegaram a acordo e restituiram a IO à sua condição humana.


EUROPA: um pouco menor que a Lua, está coberta de gelo e tem muitas marcas de "bombardeamentos", como esta cratera concêntrica, do tamanho da ilha do Havai, que deve ter sido produzida por um cometa ou um asteroide do "tamanho de uma montanha".


Europa era uma princesa fenícia por quem Zeus se apaixonou. Raptou-a disfarçado de touro para iludir a esposa.


Foi "esta" Europa mitológica que deu o nome ao nosso continente.

Já gora aproveito para falar um pouco dos outros continentes, pois alguns também têm origem mitológica:
Oceania veio de Oceano, o deus dos rios, cuja filha, a ninfa Ásia, era mãe das fontes e rios.
O nome dos outros continentes têm origem "pagã": América, as terras descobertas por Américo Vespúcio e para a África, há etimologias para todos os gostos, das quais destaco duas ou três: os antigos romanos chamavam Africa, "terra (do sufixo ca, "país, território") dos afri", ao  território em torno de Cartago": afer (singular de afri) derivaria do fenício afar, “pó, poeira”; do latim aprica, “radiante, ensolarado”; a mais simbólica para mim é a explicação de Massey: do egípcio af-rui-ka, "virado para a abertura do Ka". A "abertura do Ka" remete para o útero ou berço. Ora, é hoje mais ou menos consensual que a África é "o berço da humanidade".

GANIMEDES: o maior de todos os satélites de Júpiter e do Sistema Solar. Muito castigado por bombardeamentos, um dos quais, mostrado na imagem, foi durante muito tempo um mistério. De qualquer modo, estes impactos sequenciais ("crateras em cadeia") aparecem noutros lados e são semelhantes aos causados pelos cometas nos primeiros tempos do sistema solar.


A explicação do mistério foi recentemente revelada pelo cometa Shoemaker-Levy 9, que, em 1992, chocou com Júpiter fragmentado, deixando uma sequência de crateras semelhante à de Ganimedes:


O seu nome vem do jovem de extraordinaria beleza por quem Júpiter se apaixonou, tendo-se transformado em águia para o raptar. Hera, apesar de ter ficado furiosa, foi mais benevolente, de tal modo que até permitiu que o jovem ficasse no Olimpo a servir a comida (ambrósia) aos deuses, substituindo Hebe, a deusa da juventude.


CALISTO: com o tamanho de Mercúrio, apresenta várias falésias (a falésia foografada é tão elevada que origina uma longa sombra, a grande mancha escura na imagem) e muitas crateras, entre as quais a de Valhalla, uma das maiores do Sistema solar. Perdeu toda a actividade vulcânica: Parece ser constituído por rochas internas e por uma superfície de gelo. A radioactividade das rochas internas produz calor suficiente para evitar que a água congele sob a sua superfície gelada.


O seu nome vem de mais uma ninfa de quem Júpiter se apaixonou.


Os nomes mitológicos continuaram a ser utilizados para outros satélites de Júpiter. Refiro apenas a lua Amalteia, uma das mais pequenas (cerca de 200 Km de diâmetro), mas cuja história mitológica é muito interessante.

Cronos (Saturno), deus do tempo, tendo sabido por um oráculo que um dos seus filhos o castraria e lhe tiraria o poder, como ele fizera a seu pai, Urano, resolveu comer todos os filhos que tinha de Reia (a Terra). Quando Júpiter nasceu, Reia iludiu-o, dando-lhe a comer um calhau embrulhado em panos, e mandou o filho para uma caverna em Creta onde foi tratado por ninfas e amamentado pela cabra Amalteia. Um dia, na brincadeira, partiu um corno à cabra. Então para a compensar, prometeu-lhe que esse corno despejaria, em abundância, flores e frutos. Daí vem a palavra Cornucópia, o corno da abundãncia. Etimologicamente, vem do latim cornu-, "corno" e copia, "abundância", que, por sua vez, vem do prefixo cum-, "com, juntamente com" e ops, is, "recursos, riqueza".


Depois desta longa incursão, quero apenas recordar o essencial: a descoberta, há exactamente 400 anos, da luneta por Galileu foi um grande passo para a humanidade.