sábado, 11 de junho de 2011

Medição da distância real de uma estrela

Sumário para o blogonauta 

1. Big Bang (Sumário)
2. História milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos, filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6. Descobrimentos e a "ciência" (1)
7. Descobrimentos e a "ciência" (2)
8. Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os Lusíadas: significado da epopeia
10. As "contra-epopeias"
11. A caminho do modelo heliocêntrico
12. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
12A. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
13. O génio do "modelo experimental" (Galileu) – Descobertas
14. Caso Galileu (1)
15. Caso Galileu (2)
16. A caminho das estrelas
17. Primeiras medições astronómicas
18. Medição das distâncias astronómicas (Cefeidas)
19. Medição das velocidades das galáxias (Efeito de Doppler)
21. Lei de Hubble, que apresenta provas experimentais da expansão do Universo
22. Modelos teóricos, que partem todos da Teoria da Relatividade
23. Modelo de Einstein
24. Modelo de Friedmann-Lemaître.

Imagem por post

Normalmente o Space Shuttle fotografa a Estação Espacial e vice-versa. Desta vez foram fotografadas em conjunto (repare-se nos tamanhos relativos) pelo "navio de abastecimento" russo Soyuz TMA-20.
             



1. CATALOGAÇÃO DOS CORPOS CELESTES
Já eram conhecidos vários “catálogos” de corpos celestes, que vinham sendo feitos ao longo de séculos.
O primeiro Catálogo de Constelações, o MulApin,  surgiu na Mesopotâmia, há uns quatro mil anos. Tudo indica que eram utilizadas como orientação nas actividades agrícolas e náuticas.
O primeiro grande catálogo de estrelas deve-se a Hiparco (190-120 aC), que catalogou mais de mil estrelas. Ptolomeu (127-145 dC), baseando-se neste Catálogo, referiu, no Almagesto, 1022 estrelas de 48 constelações, às quais se foram acrescentadas algumas mais até ao século XVIII.

Também foram feitos vários Catálogos de Cometas que se multiplicavam certamente porque o seu aparecimento estava associado, na mentalidade das várias épocas, a terramotos, epidemias de peste, guerras e outras catástrofes, pelo que os esqueletos eram imagens frequentes na sua ilustração.
De qualquer modo, o que era preciso era dar-lhes rigor, pois não se pode “fazer ciência” sem dados fiáveis.

Johannes Hevelius (1611-1687)
De seu verdadeiro nome Johann Höwelke, este alemão, que latinizou o seu nome, procurou melhorar os catálogos anteriores. Para isso, construiu em Dantzig, em 1641, um Observatório, no telhado das suas três casas geminadas, equipando-o com os melhores instrumentos da época, incluindo um enorme telescópio de 45 m de distância focal, com um tubo de madeira e arame que ele próprio construira. Há alguns posts atrás, quando falei dos primeiros telescópios, apresentei uma gravura desse monstro.
Apesar deste seu telescópio e da insistência de Halley e outros para utilizar o telescópio nas suas observações, ele considerava que podia obter os mesmos resultados apenas com sextantes, quadrantes e alidades. Por isso, é considerado o último astrónomo importante a trabalhar sem telescópio.
Foi muito ajudado pela sua segunda esposa,  Koopmann Elisabeh, que pblicou os seus trabalhos após a sua morte. É considerada a primeira astrónoma.           
Observou as manchas solares, passou quatro anos a mapear a Lua tendo descoberto o fenómeno de libração em longitude da Lua (também deste fenómeno já tratei no post em que falei da Lua: Sistema Solar), publicou os seus resultados no Selenographia descriptio sive Lunae (1647), obra que lhe confere o direito de ser chamado "o fundador da topografia lunar". Nela reflecte sobre as divergências entre o seu trabalho e o de Galileu.
Descobriu quatro cometas (1652, 1661, 1672 e 1677) e avançou com a tese de que as suas órbitas eram parabólicas.
Em 1683, em comemoração da vitória das cristãos liderados pelo rei polaco Jan III Sobieski (Batalha de Viena), chamou a uma constelação, que acabara de descobrir, Sobiescianum Escutum (Escudo de Sobieski), agora chamada Escudo. Esta constelação foi publicada pela primeira vez no seu atlas de estrelas, o Firmamentum Sobiescianum, que imprimiu na sua própria casa suportando os elevados custos.

John Flamsteed (1646-1719)
Um dos grandes contributos para a melhoria das medições ficou a dever-se à construção do Observatório Real de Greewich por decreto de Carlos II, em 1675.
Flamsteed foi o astrónomo nomeado para o construir e nele trabalhou longos anos, catalogando inúmeras estrelas e publicando vários artigos, notas e cartas. A sua primeira tarefa foi fazer um levantamento exacto do céu boreal, utilizando as novas observações telescópicas para melhorar os velhos catálogos ainda feitos à “vista desarmada”.
Calculou com precisão os eclipses de 1666 e 1668. Observou 16 "nebulosas", entre as quais se destaca a descoberta do aglomerado NGC 2244.
Contudo recusava-se a publicar as suas descobertas, aduzindo que os instrumentos eram seus e não tinha nada que partilhá-las com ninguém. Halley, ignorando esta paranóia de Flamsteed, propôs-se publicá-los contando com o mecenato do príncipe George de Dinamarca, o que conseguiu, em 1712, apesar da morte do príncipe (1708) e das constantes objecções de Flamsteed. Esta primeira versão do catálogo, Historia Coelestis Britannica, continha cerca de 3000 estrelas medidas com uma precisão de 10". A tiragem foi de 400 exemplares, dos quais Flamsteed conseguiu obter 300, com a generosa ajuda de Lord Chamberlain, para depois … simplesmente os queimar!!!
Por isso, foi apenas, em 1725, já depois da sua morte, que a esposa Margaret publicou a versão definitiva, que foi considerada a primeira contribuição significativa do Observatório de Greenwich. Muitas das denominações de que se serviu ainda estão hoje em uso.
Em 1729, foi publicado o seu Atlas coelestis com 27 mapas das várias constelações, reproduzidas com precisão meticulosa: 15 vezes maior que a dos melhores atlas anteriores.
- apesar de ter feito as primeiras observações do planeta Úrano (a primeira, a 23.Dez.1690), confundiu-o com uma estrela e catalogou-a como 34 Tauri; aliás, não foi o único a enganar-se, pois já antes dele outros o tinham feito;
- em 16.Agosto.1680, catalogou uma estrela como 3 Cassiopeiae, da qual hoje não se encontram vestígios: ou se tratou de um erro de medição ou de uma Supernova, cujo remanescente se situa num ponto muito próximo e cuja idade estimada corresponde a meados da segunda metade do séc. XVII.

Edmond Halley (1656-1742)
Após troca de correspondência com Flamsteed, decidiu fazer um grande levantamento dos céus austrais, deslocando-se para a ilha de Santa Helena. Aí observou um trânsito de Mercúrio em frente ao Sol, o que lhe deu uma ideia para medir a distância da Terra ao Sol substituindo o método da paralaxe (ver mais abaixo).
Ficou célebre por ter demonstrado que três cometas periódicos eram o mesmo, ao qual foi atribuído o seu nome (ver post sobre Cometas: Sistema Solar).
Halley, ao comparar o catálogo de Flamsteed com os de Hiparcos (séc. II aC), verificou que a maior parte das estrelas ocupavam as mesmas posições, apesar de as medições terem sido feitas com dois milénios de diferença. Havia, no entanto, algumas, como Arcturo, que estava afastada o correspondente a duas larguras da Lua cheia (1º de arco). A única conclusão era a de que tais estrelas se tinham movido independentemente através dos céus. Esta foi a primeira prova directa observada de que a noção das estrelas como sendo luzeiros presos na “esfera das estrelas fixas” não correspondia à verdade.

Esta "distorção" futura deve-se ao facto de as estrelas não estarem a igual distância de nós

            

Em Londres observou três eclipses lunares, o que lhe granjeou a estima de Flamsteed que o considerou “um jovem talentoso de Oxford”. Em 1676, publicou três artigos importantes: um, sobre órbitas planetárias; outro, sobre uma ocultação de Marte pela Lua; e um terceiro, sobre uma grande mancha solar observada nesse Verão.
Este fenómeno foi um verdadeiro acontecimento já que muito poucas manchas solares foram observadas na segunda metade do século dezassete. Deu origem a um período frio na Europa, conhecido como Pequena Idade do Gelo ou o “Mínimo de Maunder” (Maunder Minimum, entre 1645 e1715), que se provou estar sincronizado com o ciclo magnético solar


A temperatura baixou tanto que o Tamisa gelou de tal maneira que foi possível montar sobre ele várias tendas comerciais, no que ficou conhecido como as "Feiras do Gelo".



Muito se tem discutido, incluindo um famoso teste na Radio 3 da BBC, em 1977, entre especialistas envolvendo testes “cegos”, sobre a qualidade de som dos Stradivarius construídos, por Antonio Stradivari, com madeira desse tempo e segundo técnicas e ingredientes ainda hoje desconhecidos em parte.
Uma das teorias aponta para o facto de esse tempo frio ter tornado a madeira menos densa, acompanhada de uma mudança relativamente pequena na velocidade do som. Estas diferenças na densidade entre bons violinos clássicos e modernos podem reflectir mudanças semelhantes na distribuição da rigidez, o que pode ter um impacto directo na vibração ou indirectamente na radiação do som devido a alterações nas características de amortecimento. Qualquer um desses mecanismos que pode ajudar a explicar as diferenças acústicas entre os violinos clássicos e modernos. Finalmente, decorrem experiências em que por meio de fungos se procura alterar as características das madeiras modernas de modo a reproduzir a madeira dos finais do século XVII, o que parece ter sido feito com sucesso, segundo um artigo publicado na New Pythologist de 28.Junh.2008.


Paralaxe de Marte
O primeiro cálculo correcto do valor da UA (Unidade Astronómica = distância Terra-Sol) ocorreu em 1672, quando o planeta Marte, no ponto da órbita em oposição à Terra, estava muito próximo da estrela ψ2 Aquarii.
Então foram feitas medições simultâneas, em Cayenne, Guiana francesa, por Jean Richer, e em Paris, por Jean Picard e Olaus Rømer. Com esses dados, Cassini (1625-1712) estimou a paralaxe de Marte como 25" entre Cayenne e Paris (8800 km de distância) e, portanto a sua distância da Terra. E, sabendo-se pela 3ª lei de Kepler que Marte estava a 1,52 UA do Sol, foi-lhe possível fazer um cálculo do valor da UA: 140 milhões de km. 


Sabendo a distância da Terra a Marte e que, pela 3ª lei de Kepler, Marte estava a 1,52 UA do Sol, foi-lhe possível determinar o valor da UA: 140 milhões de km.


Trânsito de Vénus
Halley verificou que havia um problema com o método seguido por Cassini: era necessário fazer duas medições exactamente ao mesmo tempo. Ora era muito difícil manter este sincronismo em lugares da Terra muito distantes. Concluiu que devia seguir-se outro caminho. Então imaginou que o processo devia ser iniciado a partir de um fenómeno físico universal e unívoco: o Trânsito de Vénus (passagem do planeta diante do Sol). Este fenómeno era fácil de detectar a partir da Terra e, além disso, acontece, em média, cada 110 anos, com repetição de 8 em 8 anos. Halley previu que o próximo Trânsito seria em 1761 (e 1769).
Foi, em 1716, que publicou um artigo, em que descrevia exactamente como os trânsitos poderiam ser usados para medir a distância ao Sol e, a partir daí, obter uma escala absoluta de distâncias no Sistema Solar com recurso à terceira lei de Kepler, substituindo a triangulação e a paralaxe. Em 1761 e 1769, foram feitas expedições astronómicas para observar os trânsitos de Vénus e os astrónomos participantes obtiveram as primeiras medições com qualidade para o valor da distância da Terra ao Sol.
Feitos os cálculos, o valor obtido foi de 150 milhões de quilómetros, praticamente coincidente com o valor hoje conhecido.
Esta determinação teve duas consequências importantes:
- psicológica: afinal o Universo (ainda só estamos no Sistema Solar) é muito maior do que se imaginava;
- astronómica: a partir de agora, dispunha-se de uma distância absoluta que iria permitir, pelo método da paralaxe, medir distâncias das estrelas.


3. APERFEIÇOAMENTO DOS TELESCÓPIOS
Mesmo o conhecimento da distância da Terra ao Sol (UA) pouco adiantava para conhecer a distância da maior parte das estrelas,pois elas deviam estar muito afastadas da Terra, pois não se conseguia obter uma paralaxe mensurável com os aparelhos da época.
Por isso, foram feitas várias tentativas para obter uma estimativa aproximada, a partir da estrela Sirius, a mais brilhante do céu (1*).

                    Sirius no Hexágono de Inverno                                       Triângulo e Hexágono de Inverno
As seis estrelas, que formam o Hexágono de Inverno, são Sirius, Procyon, Pollux (e Castor), Capella, Aldebaran e Rigel. Nesta imagem, a Via Láctea “passa” pelo meio do Hexágono. São ainda visíveis as Pleíades, por cima de Aldebaran, e o Orion, de que fazem parte Rigel e Betelgeuse.

Uma das primeiras tentativas deve-se a Christiaan Huygens (Haia: 1629-1695). Tentou determinar a distância de Sirius comparando-a com o brilho do Sol, na suposição que ambas teriam o mesmo brilho absoluto. Concluiu que Sirius estaria 27 664 vezes mais afastada que o Sol (realmente está 565 000, ou seja, a 565 000 UA).
O escocês James Gregory (1638-1675) melhorou a técnica comparando o brilho de Sirus, não com o Sol que era demasiado brilhante, mas com o dos planetas, que tinham um brilho mais aproximados. Em 1668, obteve um valor de 83 190 UA. 
Newton (1643-1727), utilizando estimativas melhoradas das distâncias dos planetas, obteve 1 milhão de UA.
Como se vê era necessário melhorar os telescópios para alcançar maiores distâncias e com maior precisão.


WILLIAM HERSCHELL (1738-1822)
Depois de Galileu, o grande construtor de telescópio foi o alemão Friederick Wilhelm Herschell, tendo-se depois nacionalizado britânico e adaptado o nome. Era um excelente músico, mas com o passar do tempo apaixonou-se pela astronomia, de tal modo que foi considerado o maior astrónomo do séc. XVIII. Com a ajuda dos irmãos Carolina e Alexandre, construiu, em sua casa, um excelente telescópio, tendo ele próprio polido o espelho.
A colaboração da irmã Carolina não se resumia à ajuda astronómica: a ela se devem a descoberta de oito cometas. Mas também na construção dos telescópios que lhe inutilizaram muitas rendas dos seus vestidos salpicadas pelo pez fundido com que poliam os espelhos. Além disso, “cheguei a ter de o alimentar, pondo bocados de comida na sua boca”, pois ele nem para comer parava.
Herschell descobriu que não bastava aumentar a ampliação do telescópio, o que era importante. Mas mais importante era a sua capacidade de captar luz: não só aumentando a sua abertura, isto é, o diâmetro do espelho principal, mas também o tempo de exposição, o que aumentava a quantidade de luz recebida, podendo assim tornar visível o invisível.
Em 1789, construi um verdadeiro monstro: tinha um espelho de 1,2m, 12m de comprimento o que exigia um esforço titânico para o manobrar, perdendo demasiado tempo a apontá-lo na direcção correcta.
Acabou por abandoná-lo em 1815 e contentar-se com um mais pequeno: 0,475m de abertura e 6m de comprimento.

Principais Descobertas
Do planeta Úrano
Com este telescópio, que aumentava 6 450 vezes, identificou, a 13.Março.1781, um objecto na constelação dos Gémeos, que se movia lentamente. Percebendo que não era uma estrela como as outras, pensou num cometa desconhecido. Mas, como não tinha cauda, concluiu que se tratava de um planeta novo. Esta descoberta tornou-o famoso bem como ao seu telescópio pois ninguém esperava um planeta, além dos seis conhecidos desde a antiguidade. Chamou-lhe Georgium Sirius (Estrela de George, em honra de Jorge III), mas os colegas francesas preferiram chamar-lhe Herschell. Mas a mitologia grega voltou a impor-se e continuar a família: Úrano, pai de Saturno e avô de Júpiter.
O céu começava a revelar os seus inúmeros mistérios.

Em 1800, dando provas de uma criatividade notável, descobriu os raios IV. Pensava que as cores resultantes da decomposição da luz pelo prisma de Newton poderiam ter diferentes temperaturas e quis medi-las, para o que desenvolveu uma experiência bastante original.
Para medir as temperaturas de cada cor utilizou um termómetro tendo colocando dois de controlo fora do espectro visível. Medindo as temperaturas individuais do violeta, azul, verde, laranja, amarelo e vermelho, apercebeu-se de que as temperaturas das cores aumentavam a partir do violeta para a parte vermelha do espectro. Depois decidiu medir a temperatura ambiente mesmo para lá da extremidade vermelha do espectro numa zona onde não havia luz visível. Foi com enorme surpresa que verificou que nessa região a temperatura era maior do que a de todas as outras cores. Assim descobriu uns “novos raios”: a radiação infravermelha.
Medição das distâncias relativas das estrelas
Foi com o seu último telescópio que se abalançou ao seu grande projecto: medir a distância das estrelas.
Para tal, fez algumas suposições, algumas manifestamente incorrectas. Ele sabia disso, mas confiava em que, mesmo assim, poderia cartografar as estrelas do céu. Além disso, precisava de alguns suportes para poder avançar:
- todas as estrelas emitiam a mesma quantidade de luz;
- a intensidade luminosa satisfazia à lei dos quadrados: a sua intensidade diminuía com o quadrado da distância (o que estava certo);
- tomou como referência, a estrela mais brilhante do céu, a Sirius, definindo como unidade de medida o siriómetro: assim uma estrela que tivesse 1/9 do brilho de Sirius estaria 3 vezes mais afastada.

Via Láctea
Os dados de Herschel sugeriam fortemente que as estrelas não estavam uniformemente distribuídas mas acumulavam-se numa espécie de disco, ou melhor, de crepe, com mil siriómetros de comprimento e 100 de espessura. Como via mais ou menos o mesmo número de estrelas em qualquer direcção concluiu que o Sol estaria próximo do centro. Contudo continuava sem se saber quanto valia um siriómetro.
        
A paralaxe estelar é muito pequena e, portanto, muito difícil de medir. 
Inicialmente os astrónomos pensavam que todas as estrelas eram semelhante e, por isso, as mais brilhantes presumia-se que estavam mais próximas. Mas, essa ideia tinha começado a perder força no século XVIII.
Então voltaram-se para outra característica: o seu movimento próprio. Como vimos, foi E. Halley que, comparando catálogos antigos com os do seu tempo, verificou que algumas estrelas mudaram de posição ao longo dos tempos. Portanto, as estrelas não são fixas umas em relação às outras. Este deslocamento aparente das estrelas, como as vemos da Terra, é o que se chama movimento próprio da estrela.
Realmente as distâncias entre estrelas eram “incrivelmente grandes”. Mas até onde ia esse “incrivelmente”?
Assim, começou a caça às distâncias absolutas estelares. Vários astrónomos se envolveram avidamente, nomeadamente Thomas Henderson, na África do Sul, e Friedrick Wilhelm Struve e Friedrick Wilhelm Bessel, na Europa. 
Pode dizer-se que a resposta começou a ser dada, em 1810, quando Frederico Guilherme da Prússia, convidou Friederich Bessel (1784-1846) para construir um novo observatório em Könisberg, com os melhores instrumentos da época. Na base desta decisão, esteve um daqueles erros dos políticos que só pensam nos números: o primeiro ministro inglês, William Pitt, resolveu impor uma taxa sobre a indústria vidreira (window tax), o que permitiu aos alemães tornarem-se os construtores das melhores lentes.

Estrela 61 Cygni (61 do Cisne)
Bessel, que ficou muito conhecido pela sua descoberta das “funções de Bessel, com larga aplicação na física clássica e na física quântica, apesar de não ter formação universitária, dedicou-se longos anos ao seu Observatório. Durante quase trinta anos, definiu a posição de mais de 50 000 estrelas. Foi esse trabalho persistente que lhe permitiu ser considerado o primeiro a usar a paralaxe na determinação de uma estrela.
Bessell tinha adquirido um instrumento muito preciso e adequado a esta tarefa. G. Pazzi sugerira-lhe a estrela 61 Cygni por ter um movimento próprio muito grande: o maior da altura, pelo que a estrela era conhecida por “estrela voadora”. Mas Bessel não a considerava suficientemente brilhante e atrasou o seu estudo. Só quando Struve, em 1837, anunciou que medira a paralaxe da estrela Vega, é que Bessel entrou numa actividade febril. Durante um ano, em todas as noites claras, ele fez até uma dúzia de medições. Assim, com centenas de posições determinadas através de milhares de medições individuais, pode concluir que, de seis em seis meses (posição A e B do esquema abaixo), a estrela 61 Cygni mudava de posição segundo um ângulo de 0,6272’’ (segundos de grau) = 0,0001742º.


Paralaxe da estrela 61Cisne
Fonte: BIG BANG, p.201

Dado que este esquema, que aliás aparece também noutro local, me parece pouco claro, vou simplificá-lo e indicar os cálculos extremamente simples que bastou fazer, depois de muitos anos a tentar medir com rigor a paralaxe da estrela (este sim é que foi o grande trabalho de Bessel; não foram os cálculos!!!)


Portanto, o triângulo rectângulo formado pela Terra, o Sol e a estrela tem os seguintes valores dos ângulos: no Sol, 90,0º; em A, 89,9999129º e, sabendo-se que a soma dos ângulos interno de um triângulo medem exactamente 180º, na Estrela tem de ser 0, 0000871º. Este é o valor da paralaxe da estrela. Agora um simples cálculo trigonométrico permite calcular a distância do centro do Sol à estrela.
Assim, pode finalmente anunciar, em 1838, que a estrela se encontrava a 1014 km, ou seja, a 10,4 anos-luz de distância (o valor actual é de 11,4). 
Curiosamente, estas medições permitiram a Bessel perceber desvios nos movimentos de Sirius e de Procyon, que ele atribuiu à atracção gravitacional de potenciais companheiros invisíveis e que comunicou numa carta de 10.Agosto.1844. O anúncio de um "companheiro invisível" de Sirius, em 1844, foi a primeira afirmação correcta da existência de um companheiro não observado, e que, eventualmente, levou à descoberta de Sirius B. Isto é, a estrela Sirius é um sistema binário, aliás, o mais habitual, pelo que o nosso solitário Sol é a excepção e não a regra.
A Sirius é a estrela mais brilhante do céu, pelo que é conhecida desde toda a Antiguidade.  A primeira referência escrita aparece em “Os Trabalho e os Dias” de Hesíodo (séc. VII aC), que a caracteriza pelo seu brilho, dizendo, por exemplo, poíkilos Seirios (ποίκιλος Σείριος), «Sírio, a que brilha em muitas cores». Com a descoberta da sua pequenina companheira (do tamanho da Terra, embora com a massa do Sol), Sirius B, o “cachorinho”, “passou” a ser um sistema binário com as estrelas separadas por 8 anos-luz.
Mas apresenta uma característica interessante: quando é vista no Visível, a Sirius A é muito maior que a Sirius B; mas, ao RX, acontece o contrário.

      Sirius vista no Visível pelo Hubble                                      Sirius vista no Raios X pelo Chandra
Repare-se que, enquanto  no Visível a Sirius A é muito mais brilhante que a Sirius B (ponto branco à esquerda abaixo da A); no RX, é o contrário.

A verdade é que a primeira determinação da paralaxe de uma estrela não foi a de Bessel; esta foi “apenas” a primeira a ser publicada.
Efectivamente o primeiro foi o escocês Thomas Henderson (1798-1874), que estudou a Alfa de Centauro. Começou até antes dos outros. Foi trabalhar como astrónomo na cidade do Cabo (África do Sul), entre Abril.1832 e Maio.1833, na elaboração um catálogo das posições das estrelas do hemisfério sul, nas estimativas da distância do Sol e da Lua e nas observações de cometas. Apesar de um colega lhe sugerir que estudasse a Alfa de Centauro porque tinha um “movimento próprio” elevado, tal como fizera Bessel, o seu critério de escolha foi, antes, o brilho: é a terceira estrela mais brilhante do céu. Tinha feito apenas 19 medições, muito poucas para estar certo ou considerar conclusivas as suas descobertas. Mass problemas de saúde e outros forçaram-no a voltar a Edimburgo, subsistindo de uma pequena pensão da sua empresa legal. Apesar de ter aplicado meticulosamente correcções às medições feitas, receou que os outros astrónomos pusessem em questão as suas descobertas. Mais: ao analisá-los, ele próprio não confiava neles.  Decidiu, então, esperar por melhores medições feitas com um outro instrumento pelo seu sucessor no observatório africano. Afinal tudo foi confirmado, mas ele é que, de tão longe, não soube a tempo. Por isso, não publicou os seus dados… correctos. Tinha inicialmente concluído que a paralaxe da Alpha Centauri era de 1 segundo de arco (”). Mais tarde com novas observações afinou-a para 0,75’’, o que foi corresponde a cerca de 4,5 anos-luz. Só em 1839, é que publicou os seus resultados.
A Alpha Centauri (AC) trata-se, na verdade, de um sistema triplo, no qual AC-A e AC-B giram em torno de um centro comum, gastando quase 80 anos para completar uma órbita, enquanto a AC-C, também chamada Próxima de Centauro, demora mais de um milhão de anos para completar a sua órbita em torno das componentes principais: esta é a estrela mais próxima do Sol, a 4,2 anos-luz, enquanto o sistema AB está um pouco mais distante a 4,4 anos-luz.

Vega (Alpha Lirae)
Efectivamente a primeira pessoa a publicar o valor da paralaxe de uma estrela foi Friedrich von Struve (1793-1864) quando, em 1837, anunciou que a paralaxe da estrela Vega era de 0,125". No entanto, depois da publicação de Bessel, foi refazer os cálculos e corrigiu o valor para quase o dobro. E assim Bessel ficou como o primeiro. Ironicamente, o resultado incial de Struve é que estava certo, pois o valor actual é de 0,129”!!!
Vega é uma estrela nova, com pouco mais de 1 milhão de anos, pouco maior que o Sol mas um brilho cinquenta vezes maior. Está rodeada por um anel de poeira e gases a sua volta, o que na época da sua descoberta, nos anos 80, levou a pensar que se tratava de um viveiro de planetas. Afinal o mais provável é que se trate de detritos de corpos celestes, devido à sua juventude


mostra duas grandes zonas brilhantes, de maior densidade
 de poeira: a amarelo e a vermelho. A estrela, pouco visível,
está indicada por um asterisco no centro da imagem,
e o planeta tipo Neptuno por uma cruz. 
A poeira, confinada a uma região relativamente longe da estrela 
(mais de duas vezes a distância do Sol a Neptuno),
 é muito fria (-180°C) e está a orbitar a estrela
         
É uma das estrelas mais utilizadas em livros de ficção científica. Um dos mais famosos é o Contacto de Carl Sagan, que faz dela o ponto de encontro da nossa civilização com outra muito mais avançada. Jodie Foster participou na versão cinematográfica.


Struve foi um dos grandes estudiosos das estrelas duplas: entre 1824 e 1837 fez medições micrométricas de 2714 estrelas duplas que publicou na sua obra Stellarum duplicium et multiplicium mensurae micrometricaeOutros falam de 3 112. Estes seus trabalhos sobre estrelas binárias provaram:
- que a lei da gravitação de Newton é uma lei realmente universal e
- que os sistemas de estrelas múltiplas são muito mais frequentes do que se pensava.

Também se interessou pelo levantamento geodésico. Foi ele que iniciou o Struve Geodetic Arc, uma cadeia de triangulações pesquisa que se estende de Hammerfest, na Noruega, até ao Mar Negro, através de dez países,com mais de 2 820 km.  Representou a primeira medição precisa de um longo segmento de meridiano. Isso ajudou a estabelecer o tamanho exacto e a forma do planeta e marcou um passo importante no desenvolvimento das ciências da terra e do mapeamento topográfico. É um extraordinário exemplo de colaboração científica entre cientistas de diferentes países, e de colaboração entre os monarcas para uma causa científica. O arco original é constituído de 258 triângulos com 265 marcos geodésicos principais.  Em 2005, foi considerado património mundial pela UNESCO.


Referência
(1*) JOHN GRIBBIN, História da Ciência de 1543 até ao presente, Europa-América, Mem Martins 2005, p. 543.