A cosmologia como ciência começou apenas na segunda década do século passado com a primeira lei obtida a partir de dados experimentais: a lei de Hubble.
Até aí havia já uma boa mão cheia de dados e católogos celestes, mas pouco se sabia.
O céu estrelado foi sempre um objecto de admiração (e também de terror, perante alguns fenómenos) por parte todos os povos, de tal modo que os mais antigos divinizaram, entre muitas outras coisas, o sol e a lua. Basta recordar o poema egípcio "Hino ao Sol" ou "Hino a Aton":
"Apareces belo no horizonte do céu,
ó Aton vivo, criador da vida!
Quando te ergueste no horizonte oriental
encheste toda a terra com a tua beleza.
És gracioso, grande, resplandecente
e estás acima de todas as terras.
Os teus raios iluminam as terras
até ao limite de tudo o que criaste.
És como Ré, chegas ao limite de todos os países,
que unes para o teu filho que amas.
Embora estejas longe, os teus raios chegam à terra.
Embora todos te vejam, ninguém conhece o teu percurso
...
És tu que amadureces a semente na mulher,
que produzes o sémen no homem,
que dás vida ao filho no ventre da mãe
e o acalmas para não chorar mais.
...
Quão numerosas são as tuas obras
e quão escondidas do entendimento humano.
Ó deus único, fora doqual não há nenhum!
Criaste a terra, de acordo com o teu desejo, só tu,
com homens, gado e animais selvagens,
com tudo o que na terra existe e anda sobre os pés,
com tudo o que há no ar e voa com as suas asas.
...
Todos os olhos te vêem lá em cima
pois tu és Aton do dia sobre a terra.
Mesmo depois de te teres posto,
permaneces no meu coração.
...
Tudo se move desde que criaste a terra
e a ergueste para teu filho, que saiu do teu corpo,
o rei que vive pela meat, senhor da Duas Terras".
(L.M. ARAUJO, Mitos e Lendas do Antigo Egipto, LivroseLivros, 2005, pp. 97-100)
Meat pertence ao campo semântico que compreende a justiça, a harmonia, a verdade, a rectidão, a ordem cósmica e universal (ID., p. 44).
Muitas observações astronómicas foram feitas, de tal modo que os Antigos conseguiam até prever eclipses e os Egípcios calcular a época das cheias do Nilo.
Mas só com a luneta de Galileu é que começou a abrir-se uma brecha para esse mundo desconhecido.
©BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON
Há exactamente 400 anos Galileu descobriu as suas quatro “luas” de Júpiter.
Os nomes destas luas foram sugeridos por Simon Marius, que escolheu quatro amores de Zeus segundo a mitologia grega. Não deixa de ser curiosa esta referência à mitologia, que no fundo era uma forma de religiosidade, própria de um tempo de transição na maneira de compreender a ciência.
Vejamos agora cada um das quatro luas descobertas por Galileu
IO: não apresenta crateras, mas tem muitos vulcões, alguns activos; é mesmo a lua mais activa de todo o Sistema Solar. Repare-se no ponto brilhante quase no "polo norte" que mostra a existência mas sobretudo a violência de um vulcão activo: o vulcão Tvashtar.
Filha de um deus-rio despertou a atenção de Zeus / Júpiter que, para iludir os ciúmes terríveis de sua mulher, se transformou numa nuvem. Mas Hera / Juno desconfiou, o que obrigou Zeus a transformar IO numa novilha. Mesmo assim, Hera mandou Argos guardá-la. Argos tinha a particularidade de, enquanto dormia, manter sempre cinquenta dos seus cem olhos abertos. Zeus mandou Hermes / Mercúrio libertá-la. Servindo-se da flauta de Pã, Hermes adormeceu os cinquenta olhos "acordados" e cortou-lhe a cabeça. Hera, em sua homenagem, colocou os olhos de Argos na cauda do pavão. Mas, nem mesmo assim, IO se livrou de Hera, que mandou um mosquito picá-la constantemente. O seu tormento só acabou quando Zeus e Hera chegaram a acordo e restituiram a IO à sua condição humana.
EUROPA: um pouco menor que a Lua, está coberta de gelo e tem muitas marcas de "bombardeamentos", como esta cratera concêntrica, do tamanho da ilha do Havai, que deve ter sido produzida por um cometa ou um asteroide do "tamanho de uma montanha".
Europa era uma princesa fenícia por quem Zeus se apaixonou. Raptou-a disfarçado de touro para iludir a esposa.
Foi "esta" Europa mitológica que deu o nome ao nosso continente.
Já gora aproveito para falar um pouco dos outros continentes, pois alguns também têm origem mitológica:
Oceania veio de Oceano, o deus dos rios, cuja filha, a ninfa Ásia, era mãe das fontes e rios.
O nome dos outros continentes têm origem "pagã": América, as terras descobertas por Américo Vespúcio e para a África, há etimologias para todos os gostos, das quais destaco duas ou três: os antigos romanos chamavam Africa, "terra (do sufixo ca, "país, território") dos afri", ao território em torno de Cartago": afer (singular de afri) derivaria do fenício afar, “pó, poeira”; do latim aprica, “radiante, ensolarado”; a mais simbólica para mim é a explicação de Massey: do egípcio af-rui-ka, "virado para a abertura do Ka". A "abertura do Ka" remete para o útero ou berço. Ora, é hoje mais ou menos consensual que a África é "o berço da humanidade".
GANIMEDES: o maior de todos os satélites de Júpiter e do Sistema Solar. Muito castigado por bombardeamentos, um dos quais, mostrado na imagem, foi durante muito tempo um mistério. De qualquer modo, estes impactos sequenciais ("crateras em cadeia") aparecem noutros lados e são semelhantes aos causados pelos cometas nos primeiros tempos do sistema solar.
A explicação do mistério foi recentemente revelada pelo cometa Shoemaker-Levy 9, que, em 1992, chocou com Júpiter fragmentado, deixando uma sequência de crateras semelhante à de Ganimedes:
O seu nome vem do jovem de extraordinaria beleza por quem Júpiter se apaixonou, tendo-se transformado em águia para o raptar. Hera, apesar de ter ficado furiosa, foi mais benevolente, de tal modo que até permitiu que o jovem ficasse no Olimpo a servir a comida (ambrósia) aos deuses, substituindo Hebe, a deusa da juventude.
CALISTO: com o tamanho de Mercúrio, apresenta várias falésias (a falésia foografada é tão elevada que origina uma longa sombra, a grande mancha escura na imagem) e muitas crateras, entre as quais a de Valhalla, uma das maiores do Sistema solar. Perdeu toda a actividade vulcânica: Parece ser constituído por rochas internas e por uma superfície de gelo. A radioactividade das rochas internas produz calor suficiente para evitar que a água congele sob a sua superfície gelada.
O seu nome vem de mais uma ninfa de quem Júpiter se apaixonou.
Os nomes mitológicos continuaram a ser utilizados para outros satélites de Júpiter. Refiro apenas a lua Amalteia, uma das mais pequenas (cerca de 200 Km de diâmetro), mas cuja história mitológica é muito interessante.
Cronos (Saturno), deus do tempo, tendo sabido por um oráculo que um dos seus filhos o castraria e lhe tiraria o poder, como ele fizera a seu pai, Urano, resolveu comer todos os filhos que tinha de Reia (a Terra). Quando Júpiter nasceu, Reia iludiu-o, dando-lhe a comer um calhau embrulhado em panos, e mandou o filho para uma caverna em Creta onde foi tratado por ninfas e amamentado pela cabra Amalteia. Um dia, na brincadeira, partiu um corno à cabra. Então para a compensar, prometeu-lhe que esse corno despejaria, em abundância, flores e frutos. Daí vem a palavra Cornucópia, o corno da abundãncia. Etimologicamente, vem do latim cornu-, "corno" e copia, "abundância", que, por sua vez, vem do prefixo cum-, "com, juntamente com" e ops, is, "recursos, riqueza".
Depois desta longa incursão, quero apenas recordar o essencial: a descoberta, há exactamente 400 anos, da luneta por Galileu foi um grande passo para a humanidade.
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