domingo, 18 de novembro de 2012

Duas dificuldades

Sumário dos posts



Como vimos, na década de 40 do século passado havia dois modelos disponíveis para explicar a expansão e a história do Universo. Não havia era suficientes argumentos para escolher um deles. Um bom teste seria ver a distribuição das galáxias bebés no Universo. O modelo estacionário previa que estas galáxias estivessem espalhadas em todo o espectro do tempo. Mas se essas galáxias só existissem em tempos mais antigos, então a explicação estava de acordo com o modelo do Big Bang. Na altura, porém, não havia telescópios suficientemente aperfeiçoados para fazer tais observações.

A sua luz demorou 13,2 Ga a chegar até nós. O que significa que galáxia já existia quando o Universo tinha apenas 500 Ma.

Havia que esperar. Entretanto, ambos os modelos se deparavam com dificuldades. Segundo o modelo do Big Bang, o Universo tinha uma idade inferior à da Terra. Já mostrei anteriormente que a partir da lei de Hubble se obtinha uma idade para o Universo de 1,8 Ga (mil milhões de anos). Entretanto, a idade da Terra, determinada por métodos radioactivos, ultrapassava os 3 Ga. Alguma determinação estava mal. O Estado Estacionário tinha também um problema, como aliás o Big Bang: como explicar a formação dos vários elementos pesados. Já vimos que Fred Hoyle conseguira estabelecer os vários processos que conduziam à formação de todos os elementos existentes no Universo a partir do Carbono. Mas, faltava o passo inicial: como passar do Hélio ao Carbono? Tendo o Carbono, tudo estava resolvido. Mas como surgira o Carbono?

Vamos por partes.

IDADE DO UNIVERSO
Era evidente que se alguma idade estava errada seria a idade do Universo, pois a Terra não podia ser mais velha e a sua datação assentava em observações bastante fiáveis. Quanto ao Universo sabia-se das limitações dos instrumentos e das dificuldades em observar galáxias a grandes distâncias.
Esta discrepância de idades, chamado problema das escalas de tempo, parecia, pois, só poder ser resolvido pela descoberta de um erro na medição das distâncias astronómicas.
Essa era a grande esperança.

A História da nossa Terra
Mas antes quero recordar a odisseia que foi saber a verdadeira idade da Terra.
Durante muitos anos foram os relatos bíblicos que fundamentaram a primeira informação que se teve sobre a idade da Terra. E foi o bispo irlandês James Ussher (1581-1656), quem, depois de um elaborado estudo da Bíblia e doutras fontes históricas, concluiu, num pesado volume a que chamou Annales veteris Testamenti a prima mundi origine deducti, que a Terra fora criada às 9 horas da manhã do dia 23 de Outubro de 4004 aC. Esta data não foi levada muito a sério. Até o reverendo Buckland declarou que não havia nenhuma passagem da Bíblia que dissesse que Deus criou o céu e a terra no primeiro dia, mas apenas “no princípio”. E este princípio pode ter demorado “milhões e milhões de anos” (1*). Todos concordavam que a Terra era antiga. Mas quanto?  

É linda a nossa casa (APOD.30.Jan.2012)
   
No século XVIII, começaram as tentativas científicas.
E. Halley sugeriu, em 1715, que se poderia saber a idade da Terra se dividíssemos a quantidade de sal nos oceanos pelo sal que cada ano lhe é acrescentado. Mas ninguém sabia quanto sal havia no mar!

G.-F. Leclerc, conde de Buffon, na década de 1770, determinou, partindo da irradiação de calor da Terra, que esta teria 75 mil anos. O seu método estava baseado no facto do interior da Terra ter uma temperatura muito elevada e pressupunha que o nosso planeta era inicialmente uma massa em fusão. Utilizou uma dada taxa de arrefecimento e pode chegar a este resultado (2*).
John Phillips (1800-1874) fez a primeira tentativa séria para calcular a idade da Terra a partir da sucessão dos estratos geológicos.  Para ele, o melhor processo era medir a espessura acumulada de cada estrato, supondo que o ritmo dos depósitos era constante. Aplicando este método na bacia do Ganges chegou a um valor de 96 Ma (milhões de anos).

Darwin escreveu, no seu livro “Origem das Espécies” (1859), que os processos geológicos, que tinham dado origem à região de Wead (SE da Inglaterra), tinham levado a formar-se cerca de 300 Ma.
Lord Kelvin (1824-1907), plurifacetado cientista, também procurou calcular a idade da Terra, questão a que dedicou a maior parte da segunda parte da sua carreira. Estava convencido que podia calcular a idade do nosso planeta partindo da repartição do calor no seu interior.  Numa primeira publicação apontava para 98 Ma, mas acrescentava que podia variar entre 20 e 400 Ma, pois os seus cálculos podiam estar errados se “fontes desconhecidas para nós neste momento estiverem entretanto a ser preparadas no grande armazém da criação”. Fez novos cálculos e baixou o máximo para 100 Ma, depois para 50 Ma para finalizar em 24 Ma.
Mas os fósseis, entretanto descobertos, punham em causa este número: como poderiam aparecer tantas espécies num tempo geológico tão curto?

As Libelinhas são muito mais antigas que nós

Samuel Haugton (1821-1927), reputado geólogo, estimou a idade da Terra em 2 Ga (mil milhões de anos). Quando lhe chamaram a atenção para o exagero de tal número, foi rever os cálculos e baixou para 153 Ma.
Jean Jolly (1857-1933), retomando a ideia de Halley, partiu do teor em sódio actualmente existente no mar. E, supondo que inicialmente o oceano não teria sal e que os rios transportavam o sal a um ritmo mais ou menos uniforme, obteve uma idade de 89 Ma.
A confusão estava instalada e até o físico nuclear E. Rutherford (1871-1937) apresentou provas, que considerava irrefutáveis, de que a Terra tinha, no mínimo, muitas centenas de milhões de anos ou mesmo muito mais.
Até que chegaram os métodos radioactivos.
A radioactivade fora descoberta em 1896 por A. H. Becquerel (1852-1908), pelo que ganhou o Prémio Nobel da Física em 1903. Há alguns elementos, chamados radioactivos, que se desintegram espontaneamente noutros: o elemento radiactivo-pai transforma-se a um determinado ritmo, próprio para cada elemento, no elemento-filho. Este ritmo tem uma característica interessante. Suponhamos o Carbono 14, que tem um tempo de semi-vida de 40 000 anos. Isto significa que passados 40 000 anos, a amostra de Carbono 14 inicial fica reduzida a metade, devido à desintegração: se havia 1,0 g passa a haver apenas 0,5 g. Passados mais 40 000 anos passa de novo a metade: 0,5 g a 0,25 g. Mais 40 000 anos e teremos 0,125 g. E assim sucessivamente: passados 200 000 anos haverá apenas 0,03175 g. A estes 40 000 anos, tempo que o Carbono 14 demora a transformar-se em metade, chama-se tempo de semi-vida, t1/2. O decaimento radioactivo representa-se por esta curva matemática. Trata-se de um processo estatístico. Sabe-se quantos átomos vão decair mas não se sabe quais.É como, por exemplo, na sociedade humana: sabe-se que morrem tantas pessoas num dado período de tempo, mas não se sabe quem são.
N é o número de átomos ao longo do tempo; 

Né o número inicial de átomos 
t1/2 é o tempo de meia vida.

Portanto, fazendo agora o raciocínio ao contrário, conhecido o tempo de semi-vida, datar um mineral ou uma rocha consiste em medir as quantidades de um elemento-pai, existente nesta rocha, e do elemento-filho em que ele se transforma, ou saber quanto existe do elemento-pai sabendo a quantidade inicial deste elemento.

O grande “cronómetro” natural é o U238 que se desintegra, após uma série de reacções intermédias, em Pb206 que é estável. O tempo de semi-vida do  U238  é de 4,468 Ga.

O longo trajecto do decaimento do Urânio até se transformar em Chumbo. 

O grande impulsionador deste método para determinar a idade da Terra foi o inglês Arthur Holmes (1890-1965), considerado um dos maiores geólogos do século XX, pois deu contributos significativos na petrologia, geomorfologia e geocronologia. Mas o seu principal contributo reside na aplicação à Terra da radioactividade como método de datação. Assim alterou radicalmente os valores estimados para a idade da Terra. Numa série de artigos publicados a partir de 1915, estimou, seguindo um raciocínio semelhante ao de Lord Kelvin, que a Terra precisaria de 1,6 Ga para arrefecer. este valor enorme resultava do facto de os processos radioactivos retardarem o arrefecimento da Terra. Claro que Kelvin não pode apelar a radioactividade, porque só foi descoberta nos últimos anos do século XIX.




Pequena cronologia da nossa Terra (3*).
Mas Holmes também descobriu um mecanismo plausível para explicar a deriva dos continentes, proposta pela nova teoria da tectónica de placas de Wegener (1880-1930), que fora tão mal recebida pela comunidade científica. Tomando como analogia a circulação atmosférica, introduziu os movimentos de convecção. E continuando a analogia com os ventos, considerava sistemas ciclónicos e anticiclónicos que se sobrepunham à circulação geral. Estes sistemas secundários nasciam do aquecimento diferencial, devido às variações no teor de elementos radioactivos na crusta terrestre. Chegou a esta conclusão mostrando que as forças gravitacionais não podiam só por si explicar a deriva dos continentes, pelo que as forças dominantes implicadas no movimento da crusta deviam necessariamente ter a sua origem no interior da Terra. Desenvolveu então hipóteses nas quais os processos térmicos jogavam o papel principal e apresentou a sua ideia de convecção mantélica, movimentos de convecção no Manto da Terra.
Assim, a Terra está em contínua transformação pelo facto de ter o Manto fundido a elevadas temperaturas  que, devido aos seus movimentos de convecção, vai desgastando as placas ou continentes na periferia para depois criar cordilheiras de lava no centro formando novas placas ou continentes. Era este o "dínamo" da Terra.

À esquerda: Esquema geral onde se vêem bacias oceânicas nas quais se vão abrindo fendas por acção do magma que o dínamo da convecção "atira" para cima. Este material gerador das novas placas é arrancado aos continentes.
À direita: Esquema mais pormenorizado do "motor"; a vermelho, o núcleo da Terra. 


Apesar da Terra estar continuamente a "mudar de cara", vou, ao longo desta pequena história que se segue, intercalando algumas "fotos" de várias fontes.


4,57 Ga - Uma nuvem interestelar de gás e poeiras colapsa sobre si própria, devido à explosão de uma Supernova. No centro, forma-se o Sol. Na periferia, as partículas sólidas “colam-se” e os gases condensam-se aumentando o seu volume por colisões até formarem os planetas. Este processo de acreção origina a Terra, que atinge a sua forma actual há 4,45 Ga.

4,4 a 3,8 Ga - A Terra é bombardeada por enorme quantidade de asteróides, segundo dois cenários: um bombardeamento intenso que depois decresce entre 4,3 e 3,9 Ga ou um bombardeamento ligeiro antes de sofrer um aumento de violência entre 4 e 3,8 Ga.
4,4 Ga - Beneficiando da água fornecida pelos meteoritos e do arrefecimento do planeta, que permite a formação de uma crusta continental, nascem os primeiros oceanos por condensação do vapor de água à superfície da Terra, estabilizando-se por volta de 3,9 Ga.
3,8 Ga - Forma-se a primeira crusta continental, ainda hoje preservada: são as rochas de Isua (Gronelândia) ou os gneisses de Acasta (Canadá). Mas o mais antigo "pedaço" de Terra é dos cristais microscópicos conhecidos por zircão, cujo mais antigo se supõe datar de 4,38 Ga.
Surgem os primeiros microorganismos sobre a Terra.

Estromatólitos: primeiros vestígios da vida no nosso planeta.

2,45 a 1Ga - Surgem os primeiros supercontinentes que é possível definir.
Não é fácil encontrar "fotografias" da Terra ao longo da sua vida, porque ela está sempre em mudança e os vestígios de cada época são tanto mais escassos quanto mais antigos. Contudo, vou aqui deixar  informações de várias fontes. Os primeiros supercontinentes seriam



2,4 a 1,8 Ga - A atmosfera, até aí redutora, enriquece-se progressivamente em Oxigénio, o que conduz à formação de um escudo de Ozono. Sabe-se isso pelo estudo das BIFs (Banded Iron Formations), estruturas em camadas  de óxidos de Ferro (magnetite ou hematite), avermelhadas, alternadas com bandas de xisto ou sílex. Resultam da oxidação do Ferro (pelo Oxigénio). Quando o Ferro se esgota surge uma banda clara até que nova oxidação do Ferro, entretanto transportado para o mar, origine nova banda, camada, vermelha. Quando o Ferro já não é suficiente para gastar todo o Oxigénio, este sobe para a atmosfera. Não esquecer que o Ferro é transportado para o mar a um ritmo constante, enquanto o Oxigénio é produzido em enormes quantidades pelas bactérias fotossintécticas a um ritmo superior à da chegada do Ferro aos oceanos.

Banded Iron Formation (Formação de Ferro em Bandas)
Na Esquerda ao alto, BIF proveniente do Ontário (Canadá)
Na direita , BIF enrrugada proveniente da Austrália Ocidental. Ambos com cerca de 3 Ga. 
Na Esquerda em baixo, processo da formação das bandas (BIF).

1 Ga - O supercontinente Rodinia começa a fragmentar-se

Várias reconstituições do Rodínia
Do lado esquerdo: de Hoffmann (F. Anguita (4*)).
As duas do lado direito: de Torsvik.

730 a 590 Ma - A Terra foi várias vezes totalmente coberta de neve, como tendem a provar a presença de depósitos glaciares existentes nos trópicos. Depois da última, deu-se uma proliferação de formas novas de estruturas dos seres vivos, a chamada Explosão Cambriana, cujas causas são muito discutidas. Uma das teorias - a teoria da Bola de Neve - responsabiliza por esta explosão a total cobertura da Terra pela neve (5*).


450 Ma - Os seres vivos instalam-se em terra firme.
345 Ma - Sob um clima quente e húmido, desenvolvem-se grandes florestas de árvores e fetos nos pântanos, lagunas e deltas de rios. As plantas, imersas, decompostas por bactérias anaeróbicas e, depois, comprimidas nos depósitos sedimentares, vão dar origem aos grandes filões de hulha dos nossos dias.

250 Ma - A maior parte das espécies que povoam o oceano desaparece: é a maior hecatombe da história da vida. A sua causa foi a sucessão excepcional de fenómenos geológicos: alterações do nível do mar, reviravolta das correntes oceânicas, duas gigantescas erupções vulcânicas, a ruptura de um imenso continente, a Pangeia.


180 Ma - O continente Gondwana começa a romper-se: nasce o Oceano Atlântico entre a América do Norte e a África do NW.
120 a 84 Ma - Os oceanos Atlântico Sul e Índico abrem-se e o mar de Tétis fecha-se gradualmente na sequência dos movimentos de muitas placas: a América do Sul liga-se à América do Norte, enquanto o conjunto das placas África e Indo-australiana avançam para NE.
65 Ma - Os dinossauros e cerca de 65% das espécies vivas desaparecem da superfície da Terra. Uma crise que poderia explicar-se pelo impacto de um enorme meteorito mas também pelas importantes erupções vulcânicas.
40 Ma - Depois de aproximação das placas África e Eurásia, o mar de Tétis fecha-se para formar o Mar Mediterrâneo. A colisão das duas placas dá origem aos Alpes. Ao mesmo tempo, a Índia choca com a Eurásia, originando a cadeia dos Himalaias.

A verdadeira idade do Universo
Vejamos agora o que se passou com a idade do Universo.
Como disse atrás, a grande esperança era encontrar um erro na determinação da idade do Universo.
Foi o que tentou Walter Baade (1893-1960), um astrónomo alemão que emigrou para os Estados Unidos em 1931. O facto de ser emigrado e, além do mais, da Alemanha, foi a "sorte grande que lhe saiu", pois, durante a II guerra mundial, os cientistas americanos foram desviados para o Projecto Manhattan de modo a poderem construir o mais rapidamente possível a primeira bomba atómica. Baade, como era alemão, e portanto suspeito, não foi mobilizado o que o tornou o único usuário do prestigiado telescópio Hoocker, de 2,5 m, do Monte Wilson. Além disso, também por causa da guerra, havia a obrigatoriedade de apagar as luzes de noite, o que deixava o telescópio livre da poluição luminosa.
Baade passou os anos da guerra a investigar as estrelas RR Lyrae, assim chamadas porque a primeira a ser estudada foi a estrela RR da constelação de Lira.
Quando falei da medição das distâncias às galáxias, referi H. Leavitt, que descobriu uma relação importante entre o período de variação das estrelas variáveis Cefeidas e o seu brilho absoluto. Leavitt e a sua companheira W. Fleming mostraram também que as RR Lyrae poderiam ser usadas como vela-padrão. A diferença relativamente às Cefeidas é que tinham um período muito mais curto, geralmente inferior a 1 dia, e uma amplitude de variação de brilho muito menor.
Até então a sua observação fora tentada apenas na Via Láctea, como, por exemplo no aglomerado globular M 15, a 35 mil anos-luz de nós 
Por isso Baade tentou encontrar RR Lyrae na galáxia de Andrómeda, para poder recalcular a sua distância, por esta nova metodologia, e assim verificar a fiabilidade da medição de Hubble. Mas Baade rapidamente percebeu que estas estrelas variáveis estavam fora do alcance do telescópio de 2,5 metros. Este facto de facto de não ser possível detectar estrelas RR Lyrae na galáxia de Andrómeda era, para si, um claro indício de que esta galáxia se encontrava muito mais longe do que se pensava até então.
Assim, Baade teve de esperar pelo novo telescópio de 5 m que estava a ser construído em Monte Palomar e que foi inaugurado a 3.Junho.1948. Nesta altura já tinha a concorrência de mais astrónomos, mas a sua experiência era maior. Durante um mês tentou, com o novo telescópio, encontrar RR Lyrae na Andrómeda, mas sem êxito. Contudo, ele estava convencido de que devia encontrá-las, a não ser que a distância desta galáxia fosse muito maior que a determinada por E. Habble.
Na década de 40 começara a compreender-se que a maior parte das estrelas se podiam associar em dois grupos, chamados populações: as estrelas mais antigas, com cerca de 10 Ga e pobres em metais (cerca de 1%), constituíam a população II, que, uma vez esgotadas, davam origem a estrelas mais novas, a população I, com menos de 5 Ga (idade aproximada do nosso Sol) e mais ricas em metais (cerca de 3%). Estas são mais quentes, mais brilhantes e mais azuis. Baade, ao estudar a Andrómeda, notou que podia distinguir claramente estrelas azuis nos braços espirais da galáxia (População I) e estrelas vermelha no núcleo (População II) e propôs que também as Cefeidas deviam  dividir-se em duas populações e que as da população I eram muito mais brilhantes que as da população II.

Repare-se RR Lyrae têm não só um período mais curto, como a sua variação de brilho é também muito menor. 

E deu mais um passo. Possivelmente os astrónomos observaram Cefeidas I na galáxia de Andrómeda, mas tinham calibrado a distância a partir das Cefeidas II observadas na Via Láctea. Como as Cefeidas I eram cerca de quatro vezes mais brilhantes que as da população II, a galáxia de Andrómeda devia estar a uma distância dupla, como era exigido pela lei do "inverso do quadrado". Então se a distância era o dobro, a velocidade de afastamento (recessão) era também o dobro (lei de Hubble) e, consequentemente, a idade do Universo também duplicaria, passando de 1,8 Ga para 3,6 Ga. O que eram boas notícias para os defensores do modelo do Big Bang.
Como se vê é bom não ficar obcecado pelo "argumento de autoridade" ou magisterdixismo. Tudo deve ser revisto. Exige mais tempo e trabalho, mas a carneirada nunca foi boa conselheira. Baade, perante os resultados inesperados, atreveu-se a pôr em causa a precisão das medidas de Hubble.  

Fiel à sua cultura da dúvida metódica, pediu ao seu colaborador Allan Sandage (1926-2010) que verificasse as suas próprias observações. Baade pretendia que Sandage mostrasse a fiabilidade dos seus resultados, mas Sandage foi mais longe. Como as Cefeidas não podiam ser utilizadas como velas-padrão para as galáxias mais longínquas, fez uso de uma técnica de medição totalmente diferente. Este novo método  partia da suposição de que o brilho intrínseco da estrela mais brilhante da galáxia de Andrómeda era igual ao brilho intrínseca da estrela mais brilhante de qualquer outra galáxia. Por exemplo, se a  estrela mais brilhante de uma galáxia fosse um centésimo do da estrela mais brilhante da galáxia de Andrómeda, então a galáxia deveria estar afastada de nós 10 vezes mais do que Andrómeda, porque o brilho varia na razão inversa do quadrado da distância (lei do "inverso do quadrado").
Enquanto procedia às suas observações, Sandage apercebeu-se de que o que julgara ser a estrela mais brilhante não era uma estrela, mas grandes nuvens de Hidrogénio (H) chamadas HII. Trata-se de nuvens de gás brilhante formadas por H atómico ionizado, em oposição à região HI formada por H atómico neutro e H molecular (H2). As regiões HII absorvem energia das estrelas, podendo atingir temperaturas de 10 000 K, pelo que o seu brilho se torna mais intenso que o da maior parte das estrelas. As regiões HII são berçários de milhares de estrelas. No final, explosões de supernova e ventos estelares irão dispersar os gases da região HII, deixando para trás um enxame, como o das Plêiades.

Aglomerado estelar Plêiades ou As Sete Irmãs
As sete irmãs estão do lado direito. As duas estrelas à esquerda são o pai Atlas e a mãe Pleione.
Este aglomerado tem mais de 3000 estrelas e está a cerca de 400 anos-luz.

Sandage refez o cálculo da idade do Universo a partir destes dados e verificou que devia multiplicar-se por um factor de 1,5. Assim 15, x 3,6 Ga dá 5,5 Ga.
Resumindo: as galáxias longínquas tiveram um papel fundamental na determinação da idade do Universo: em 1952, Baade, ao descobrir dois tipos de Cefeidas, "aumentou" a idade do Universo para 3,6 Ga; em  1954, Sandage, ao interpretar correctamente o que eram as regiões HII, subiu a idade do Universo para 5,5 Ga.
Mesmo assim os valores ainda estavam subestimados, pois hoje sabe-se que o valor correcto é de 13,7 Ga.
Portanto, a Terra é muito mais nova que o Universo

O GRANDE SALTO: DO HÉLIO AO CARBONO
Uma outra dificuldade, que aliás era comum aos dois modelos, estava relacionada como a formação dos elementos pesados.
Inicialmente, G. Gamow (1904-1968) pensara que todos os elementos se tinham formado logo após o Big Bang, no primeiro quarto de hora de vida do Universo: "Os elementos foram produzidos em menos tempo do que leva a cozinhar um pato com batatas assadas". Contudo, não conseguira descobrir um mecanismo capaz de os produzir todos tão rapidamente.
Entretanto Eddington (1882-1944) sugeriu que uma hipótese possível: "Sou de opinião que as estrelas são os cadinhos onde os átomos mais leves se transformaram em átomos mais pesados". Mas foi F. Hoyle (1915-2001) quem demostrou que assim,era  através de complexos cálculos.
F. Hoyle aplicou os seus cálculos a todos os tipos de estrelas, pequenas, médias e grandes.  Verificou que cada tipo de estrelas produziam diferentes elementos conforme as suas condições de temperatura e massa e que a nucleossíntese não termina com a morte de uma estrela. A implosão de uma estrela gera ondas de choque que a faz explodir, espalhando os seus átomos por todo o meio ambiente. Por sua vez estes átomos vão servir para formar outras estrelas que geram novos elementos que vão formar nova geração de estrelas e assim sucessivamente. Pensa-se que o Sol seja de terceira geração.

      Ciclo de Vida de uma Estrela conforme a sua massa                       Formação dos Elementos
À esquerda: um esquema simplificado da evolução de uma estrela conforme a sua massa:
- com menos de 0,5 massas solares, não se chega a formar uma estrela: a massa é tão pequena que o seu núcleo não aquece o suficiente para haver reacções nucleares; 
- com 0, 5 massas solares, já no limite da estrelas, forma-se uma anã castanha que depois arrefece transformando-se num anã preta (preta porque arrefece tanto que deixa de se ver);
- com 1 massa solar, forma-se, queima o seu combustível e já perto do fim da sua vida torna-se gigante vermelha, contraindo-se depois num anã branca;
- com 10 massas solares, expande-se, gasta o combustível, torna-se uma supergigante vermelha explodindo numa supernova: as de menor massa tornam-se estrelas de neutrões; as de maior massa originam um buraco negro. Sempre que há uma explosão no centro fica uma estrela de neutrões ou um buraco negro, enquanto o invólucro exterior se expande alimentando o meio interestelar de elementos químicos que recomeçam o ciclo. 
À direita: temos uma estrela maciça pouco antes de explodir. Ao longo da sua vida foi produzindo elementos cada vez mais pesado dispostos em camadas (daí o seu nome estrela em camadas de cebola)


Tudo muito certo, mas... lembram-se havia o problema da fenda dos 5 nucleões. Pois, embora eu não o tivesse referido, o núcleo do Berílio (Be) com 8 nucleões, 4Be8, era também muito instável, mas não tanto como o núcleo com 5 nucleões. Também F. Hoyle não conseguia explicar a passagem do Hélio (He) que já existia nas estrelas para o Carbono (C). Fez muitos cálculos, mas parecia que o C não podia existir.
Então resolveu inverter o seu raciocínio. Em vez de pensar como ir do He para o C, perguntou-se como podia chegar ao C partindo He.

Havia dois caminhos:

1) Chocar três núcleos de He

3  2He4  ->  6C12



Contudo, a probabilidade de 3 núcleos de He se encontrarem simultaneamente, no mesmo local e com as velocidades apropriadas, é muitíssimo pequena, praticamente nula.

2) A outra alternativa é que primeiro choquem 2 núcleos de He, formando Be e este choca com outro He dando C.

2He4 +   2He4  ->  4Be8
4Be8 +   2He4  ->  6BC12

NucleossínteseEstelarTriple-Alpha_Process



Contudo o Be, com já tinha referido, é muito instável e decai rapidamente, o que Gamow já tinha percebido com os seus cálculos. Demora a desintegrar-se qualquer coisa como um milionésimo bilionésimo de segundo. Portanto ou a segunda reacção (Be -> C) era suficientemente rápida ou não havia C!
Hoyle atirou-se aos cálculos, mas não era possível aquela reacção: era demasiado lenta e, entertanto, o Be desintegrava-se.
No entanto, o raciocínio de Hoyle era inatacável. Dizia ele "eu sou formado de carbono; estou aqui; logo tem que existir, teve de haver condições para que o carbono se formasse". Mas como? Repare-se que esta é uma versão soft do princípio antrópico: se nós existimos é porque no início, o Universo (por acaso) tinha condições para que nós existíssemos (6*).
Portanto, como o carbono existea, tem de haver um mecanismo para ele ter aparecido. E Hoyle voltou aos seus cálculos. Insistiu, teimou, até que chegou a uma conclusão. Ele já sabia que os átomos não existem apenas na sua forma "normal"; mas também podem existir num estado excitado. Então foi procurar um estado excitado do carbono que resultasse de uma reacção Be + He -> C muito rápida. Assim o curtíssimo tempo de vida do Be não seria obstáculo à formação do C por este processo. E se Hoyle existia (e nós também!) tinha que, forçosamente,ter existido e existir um estado excitado do C12.
Mais cálculo e lá estava o estado excitado tão procurado, mas... no papel. Existiria na realidade ou não?
Em 1953, foi convidado a passar uma licença sabática no CalTech, que possuía uma tecnologia muito avançada, com a qual Willy Fowler (1911-1995) adquiriu a reputação de ser um dos maiores físicos experimentais do mundo. Hoyle estava no local certo. Por isso, foi logo falar com Fowler e disse-lhe que devia existir um estado excitado do C com a energia de 7,65 MeV. Nunca fora feita tal previsão. E os cálculos que a ele conduziam eram muito complexos. Fowler argumentou que já tinha medido os estados excitados do C, mas não encontrara nada parecido com aquele valor de energia. E, portanto, não ia procurar mais: "Foi com grande cepticismo que vi o cosmólogo do Estado Estacionário, o teórico, fazer perguntas acerca do  C12. Tinha diante de mim um homenzinho ridículo que achava que devíamos parar todas as coisas importantes que estávamos a fazer para procurar o tal estado. Pusemo-lo a andar. Desaparece, rapazinho, não temos tempo a perder contigo". Mas Hoyle não desistia com facilidade. Então resolveu fazer uso do argumento narcisista, cuja eficácia é bem conhecida. Se Fowler tentasse, perderia apenas meia dúzia de dias. Se não o encontrasse o tal estado excitado do carbono 12, era uma semana que ia ao ar. Se o encontrasse, teria feito uma das maiores descobertas da Física nuclear. Perante este argumento, Fowler aceitou e bastaram-lhe doze dias para descobrir o novo estado excitado exactamente com a energia proposta por Hoyle.  Esse estado excitado do C ficou conhecido por "ressonância de Hoyle".

Afinal já "podíamos existir". Já havia maneiras que permitiram sintetizar o carbono. E partir do carbono vinham os outros elementos.


Referências
(1*) B. BRYSON, Breve História de Quase Tudo, Quetzal, Lisboa 2005, pp. 84-85.

(2*) A. HALLAM, L’Age le la Terre, La Recherche vol 19, nº 202 (Set.1988), pp.1088-1094.
(3*) O texto base é adaptado de Les Dossiers de La Recherche nº 25 (Jan.2007), pp. 90s. As ilustrações, cuja fonte não é referida, contidas nesta pequena história têm como fonte a mesma revista, embora em páginas diferentes.
(4*) F. ANGUITA, Biografía de la Tierra, Aguilar, Buenos Aires 2002, p. 120.
(5*) Gabrielle WALKER, Terra Bola de Neve. A história de um cientista invulgar e da sua teoria da catástrofe global que gerou a vida tal como hoje a conhecemos, Publicações D. Quixote, Alfragide 2009, 271 pp.
(6*) A versão "dura" do  princípio antrópico é mais exigente. No início do Universo, alguma coisa ou alguém (Deus?) impôs ao Universo as condições adequadas para que nós existíssemos hoje. Esta versão tem um cunho marcadamente religioso, implica um "Design Intelligent" e uma evolução teleológica ao Universo.