quarta-feira, 17 de março de 2010

Galáxias ou Nebulosas?

 
M57
Fonte: Ciel&Space nº 411(Agosto.2004), p. 42

Uma das mais brilhantes nebulosas planetárias formada pela nuvem de gás emittida
por uma estrela semelhante ao Sol no estado final da sua existência.
Este gás, que se expande a 40 Km/s, é uma mistura de Hidrogénio (avermelhado: 656,3 nm),
Azoto (avermelhado: 654,8 e 658,3 nm) e Oxigénio (azul-esverdeado: 495,7 e 500,7 nm)

Voltemos ao debate de há 90 anos sobre as "nebulosas".
O seu contexto pode situar-se no século XVIII, quando o astrónomo francês Charles Messier começou a catalogar as tais "nebulosas" classificando-as por M seguido de um número (M1 até M110), criando assim o Catálogo de Messier.
Muitos catálogos de estrelas foram compilados por quase todos os povos antigos, nomeadamente os Babilónicos, os Gregos, os Chineses, os Persas e os Árabes. Os mais recentes estão disponíveis em suporte informático e podem ser "descarregados" da NASA's Astronomical Data Center.
Um outro catálogo famoso é o NGC (New General Catalog) que, na primeira versão, de 1888, continha 7.840 objetos, com um mesmo sistema de classificação (NGC1 a NGC7840).
Hoje ainda se utilizam indiferentemente. Por exemplo a M110, a última de Messier. é a NGC 205: uma galáxia elíptica localizada a cerca 3 milhões de anos-luz na direção da constelação de Andrômeda, de que é satélite.


Mas voltando a Messier: "O que me motivou a elaborar o catálogo foi a nebulosa que descobri logo acima do chifre mais austral da constelação Taurus, em 12 de Setembro de 1758, enquanto procurava observar o cometa daquele ano... Esta nebulosa tinha uma tal semelhança com um cometa, na sua forma  e brilho, que procurei esforçar-me por encontrar outras de modo que os astrónomos não confundissem estas mesmas nebulosas com cometas que começassem a brilhar". O itálico é meu.

A primeira "nebulosa", M1, é a  Nebulosa do Caranguejo, que, se sabe hoje, é o "remanescente", o que resta, da supernova (a fase final apoteótica de um estrela que explode violentamente) que está a expandir-se à velocidade de 1 500 Km/s.
    
Nebulosa do Caranguejo - M1 (APOD 25.Out.2009)

Nebulosa do Caranguejo vista em diferentes comprimentos de onda:
Raios X, UV, IV próximo, IV médio, IV longínquo e Rádio.
Fonte: Dossier pour la Science nº 62 (Jan.2009), p. 45

Esta supernova ocorreu no ano 1054 dC e foi tal a sua intensidade que era visível a olho nu, tendo sido registado por astrónomos árabes e chineses:


E já que falamos em "astrónomos" chineses, aqui está o mais antigo registo de uma supernova do século XIV aC, gravado sobre a carapaça de uma tartaruga:


com a seguinte notícia:


"No sétimo dia do mês, um dia Ji-Si, apareceu uma
notável estrela nova na vizinhança de Antares"
Fonte: La Recherche, 18 (nº 193 - Nov.1987) p.1416

Fechado o parêntese e voltando ao Catálogo de Messier, a "nebulosa" mais conhecida é a galáxia da Andrómeda, nossa vizinha, a cerca de 2,5 milhões de anos-luz. "Estamos" a aproximarmo-nos à velocidade de 120 Km/s. Mais à frente, explicarei por que, estando o Universo em expansão, estas duas galáxias se atraem em vez de se afastarem.

Compare esta imagem com a da M110 apresentada mais acima

Messier pensava, como Kant, que as nebulosas, ou algumas delas, eram aglomerados de estrelas semelhantes à nossa Galáxia, não detectáveis por falta de instrumentos apropriados. Aliás, como vimos pelas suas palavras, o objectivo de Messier não era distinguir galáxias e nebulosas, mas distinguir os cometas de todos os outros corpos celestes.
Nos finais do século XIX, começaram a aparecer dados experimentais mais detalhados: as "nebulosas" apresentavam diferentes espectros ópticos, o que significava que eram de natureza diferente, mas desconhecida. Em 1908 já tinham sido catalogado umas 15 mil "nebulosas", mas não se conheciam as distâncias, um dado fulcral para determinar se eram objectos da nossa Galáxia ou galáxias "independentes".

E foi neste contexto que ocorreu o debate a que fiz referência. Os principais intervenientes eram cientistas de peso: Shapley, director do Observatório Monte Wilson, e Curtis, do Observatório Lick. Para o primeiro, as nebulosas não passavam de objectos da nossa Galáxia; para Curtis eram galáxias como a nossa Via Láctea.

Um dos exemplos mais interessante é o da belíssima "galáxia remoinho" M51. Messier, ao descobri-la, a 13.Out.1773, chamou-lhe "uma fraca nebulosa". Em 1845, Lord Rosse desceveu a sua estrutura espiral ("a primeira nebulosa espiral"). E, só passados 150 anos, é que Hubble, em 1924, verificou que se tratava de ua galáxia. Na realidade ela é composta de duas galáxias em colisão com  massas muito diferentes: a maior é muito rica em gás, e portanto, geradora de estrelas; a mais pequena é estéril.


Mas o debate não foi conclusivo, porque a solução passava por dados experimentais e não por meras especulações, mesmo bem fundamentadas. O problema só foi resolvido, 3 anos depois, por Hubble, mas antes há alguns aspectos que gostaria de considerar.
Note-se, no entanto, que as Nuvens de Magalhães (Grande e Pequena), que são efectivamente duas galáxias anãs, satélites da Via Láctea, ainda mantêm o nome de "Nuvem", vestígio dessa dúvida antiga.

Subjacente a esta questão cientifica estava, pelo menos inconscientemente uma questão antropológica: qual é a nossa posição no Universo? Nós, os únicos seres pensantes, somos "demasiados importantes" para ocupar um lugar qualquer. Temos de estar no centro. Por isso, começámos por "colocar" o Sol em volta da Terra: a Terra no centro. Depois o centro passou a ser o Sol, como se fosse a estrela mais importante. Admitir que havia outras galáxias, então, ainda era complicado.
Esta centralidade foi-se perdendo: afinal o Sol não passa de um estrela insignificante perdida entre milhares de milhões de estrelas que formam a nossa Galáxia, também ela uma entre milhares de milhões de outras galáxias.



E, entretanto, fomos esquecendo as várias revoluções que nos deviam tornar mais "humildes" e menos auto-convencidos: Copérnico, com a revolução cósmica (a terra não está no centro); Marx, com a revolução social (o homem não é um ilha isolada mas tem uma natureza social); Freud, com a revolução psicológica (a nossa libido influencia profundamente as nossas acções e decisões).
Para já não falar nas versões modernas e requintadas do etnocentrismo (a minha cultura é o critério de avaliação das outras) ou do (neo-)colonialismo (os teus costumes e ideias devem ser cópias exactas dos meus).
De qualquer modo, ficam sempre as perguntas: Quem é o Homem? Que lugar ocupa? Que importância tem?


Estas perguntas têm baralhado os limites entre a (astro)física e a metafísca, sobretudo com o debate em torno do creacionismo ou evoluciosnismo, ou, de um modo mais geral, sobre a validade ou não do princípio antrópico. Mas vamos com calma, porque há ainda vários pressupostos a considerar.

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