segunda-feira, 25 de junho de 2012

LEI de HUBBLE


SUMÁRIO PARA O BLOGONAUTA


1. Big Bang (Sumário)
2. História milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos, filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6. Descobrimentos e a "ciência" (1)
7. Descobrimentos e a "ciência" (2)
8. Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os Lusíadas: significado da epopeia
10. As "contra-epopeias"
11. A caminho do modelo heliocêntrico
12. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
12A. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
13. O génio do "modelo experimental" (Galileu) – Descobertas
14. Caso Galileu (1)
15. Caso Galileu (2)
16. A caminho das estrelas
17. Primeiras medições astronómicas
18. Medição das distâncias: Descoberta das Cefeidas
19. Medição das distâncias: a Fotografia entra em cena
20. Medição das distâncias: Cefeidas como Padrão de Medida
21. Interregno: Mini-Guiness sobre as Estrelas
22. História da Luz: Olho 
23. História da Luz
24. Luz e Espectroscopia
25. Problema das Galáxias
26. Medição da velocidade das galáxias (Efeito de Doppler)
27. Lei de Hubble
28. Constante de Hubble
28. Modelos teóricos partem todos da Teoria da Relatividade


Até agora, quase dois anos de posts, o que interessa reter? Duas coisa apenas:
- sabemos calcular distâncias astronómicas;
- sabemos medir a velocidade radial (a que se afasta ou se aproxima) de um objecto celeste.
Conjugando estes dois pilares, foi possível estabelecer uma relação entre eles, a lei de Hubble.

Para a obtenção da Lei de Hubble tiveram papel fundamental sobretudo V.M. Slipher e Edwin Hubble, embora, por razões pessoais, praticamente Slipher tenha passado um pouco despercebido. 


VESTO MELVIN SLIPHER (1875-1969)
Foi ele quem mediu, pela primeira vez, a velocidade radial (de afastamento ou de aproximação) de uma galáxia, e não E. Hubble, como muitos incorrectamente consideravam. Esta “confusão” tem certamente origem na natureza tímida e num temperamento de low profile de Slipher, exactamente o oposto de Hubble, que, apesar de ser um grande cientista e trabalhador imérito, tudo fazia para fazer esquecer potenciais concorrentes. Aliás, muitos dos trabalhos de Slipher foram publicados no Boletim do seu Laboratório (Lowell Laboratry Bulletin).
Em 1901, tinha começado a trabalhar  no Lowell Observatory, equipado com a aparelhagem mais recente, quando Percival Lowell (1855-1916) lhe propôs o estudo da rotação da atmosfera de Vénus, o que o ocupou até 1903.

Espectrograma de Vénus e do Sol (23.Março.1921):
A e B são bandas de Oxigénio; a, de vapor de água

Continuou a investigar os períodos de rotação dos planetas e a composição das suas atmosferas.


Estudou e propôs o nome de Plutão e não Minerva, já usado para asteróides, para um “corpo do Sistema Solar aparentemente trans-neptuniano”, o Planeta X, cuja órbita preliminar tinha sido já calculada no Lowell Laboratory.

Como pensava que as Nebulosas Espirais (NE) poderiam corresponder a um estágio primitivo da formação dos sistemas solares, pelo que começou, a partir de 1906, um programa para estudar os espectros das NE, depois de introduzir vários aperfeiçoamentos nos espectrómetros.

Foi ele também que detectou a existência de gás e poeira no meio interestelar, tendo, em 1912, descoberto que uma Nebulosa, nas Pleíades, reflectia a luz daestrela próxima, Mérope: o espectro da Nebulosa era, “tecnicamente falando, um espectro estelar”, semelhante ao da estrela Mérope. Assim descobriu também um novo tipo de Nebulosas: as Nebulosas de Reflexão.
Nesse mesmo ano, mediu a velocidade radial da “nebulosa” Andrómeda, tendo obtido um valor verdadeiramente inesperado: cerca de -300 km/s (o sinal – significa que se está a aproximar de nós), 6 vezes maior que o de qualquer estrela, medida até então. Em Setembro fizera uma exposição de 6 horas: mas não tendo ficado satisfeito com os resultados, repetiu a medição, alguns meses mais tarde, com um maior tempo de exposição, até chegar a três noites (40 horas). Este longo tempo de exposição resultava do facto de a luz da Andrómeda ser muito ténue.



Como a maioria dos astrónomos era de opinião de que Andrómeda era uma nebulosa interior à Via Láctea, o que tornava impossível um valor tão elevado de velocidade radial e como ele próprio continuava desconfiado deste valor (1*), resolveu apontar o espectrómetro para uma outra galáxia, conhecida por Galáxia do Sombrero (NGC 4594 ou M 104) (2*). Ao contrário de Andrómeda, a velocidade radial (ou de recessão) desta nebulosa não só tinha um valor muito superior, mais 1000 km /s, como era de sinal positivo. Esta foi a primeira galáxia a apresentar uma desvio para o vermelho (redshift), isto é, está a afastar-se de nós.


Em 1915, publicou as velocidades radiais de mais 15 nebulosas, a maior parte de sinal + (afastamento). Entre elas havia a NGC 1068 (M 77), que apesentava uma velocidade de -1100 km/s (aproximação: blueshift), o que o levou a fazer repetidas medições ao longo de quatro anos, tendo obtido o valor final de -1120 km/s.

Continuou a publicar cada vez mais velocidades radiais: em 1917, 25 das quais apenas 4 se aproximavam; as 20 nebulosas seguintes todas elas se afastavam.
Este conjunto de valores colocava duas questões.

1) POR QUE RAZÃO UMAS GALÁXIAS SE APROXIMAM DE NÓS E OUTRAS SE AFASTAM?
Tirando as primeiras medidas em que obteve valores + e -, todos os últimos valores eram +. Portanto, havia ou parecia haver muito mais galáxias a afastar-se do que a aproximar-se de nós.
O que seria lógico seria pensar que a distribuição das galáxias fosse mais ou menos estática e que elas se limitassem a flutuar no vazio. Ou então que a distribuição das velocidades fosse simétrica com as galáxias a movimentar-se aleatoriamente, havendo mais ou menos o mesmo número a aproximar-se e a afastar-se.
Mas não era o que acontecia. Havia uma clara tendência das galáxias para se afastarem em vez de convergirem.
Mais: se a tendência do afastamento era tão pronunciada, por que havia aquela meia dúzia de excepções?
Hoje a explicação é clara. O que acontece é que onde há aglomerado de estrelas ou de galáxias, a fora gravitacional entre os seus mebros é superior à força de expansão do Universo. Assim, embora os aglomerados se “afastem” uns dos outros, no seu interior atraem-se, como o Sol atrai a Terra e os outros planetas.
Por exemplo, há imagens disso de galáxias em colisão e até em diferentes estágios: umas que parecem passar ao lado de raspão; outras que entram em colisão e outras que acabom por fundir-se.

Três situações: 
1) Colisão das galáxias espirais NGC 5426 e 5427 (APOD 21.Julho.2008): como têm tamanhos mais ou menos semelhantes nenhuma "canibaliza" a outra, estabelecendo momentaneamente uma ponte de matéria entre elas;
2) Colisão das galáxias espirais NGC 2207 e IC 2163 (APOD 20.Abril.2008): as duas galáxias vão atraindo matéria uma da outra, provocando, dada a sua proximidade, ondas de matéria, camadas de gás armazenado, veredas de poeira escura, explosões de formação de estrelas e enxurradas de "estrelas-náufrago" (estrelas sem galáxia); o mais provável é que a IC 2163, por ser mais pequena, venha a ser integrada pela maior;
3) Fase final da colisão de duas galáxias, que termina com a formação de uma única galáxia, a NGC 6745 (APOD 5.Nov.2006). 


VIA LÁCTEA e ANDRÓMEDA
O caso mais interessante para nós ou para os nossos tetratetranetos é o da colisão entre estas duas galáxias vizinhas. Refiro aqui duas simulações.

Simulação de J. Dubinsky


Segundo esta simulação (3*), aproximando-se à velocidade de 140km/s, as duas galáxias começarão a encontrar-se, daqui a 3 mil milhões de anos, a deformar-se, a trespassar-se. Conhecerão, então, um momento de intensa formação de estrelas quando os gases se misturarem. E depois separar-se-ão lambendo as feridas. Como o espaço interestelar é muito pouco denso, o choque frontal entre duas estrelas é pouco provável.

Simulação de T.J. Cox e Abraham Loeb
Nesta simulação, as duas galáxias terão os primeiros contactos daqui a 2 mil milhões de anos, ficando os dois núcleos a orbitar um em torno do outro, durante mais 3 mil milhões de anos. Então as estrelas das duas galáxias coalescerão (aglutinar-se-ão, fundir-se-ão) lentamente, formando uma única galáxia elíptica (“Androláctea”). Embora as estrelas estejam muito afastadas para colidirem entre si, a força gravitacional de uma galáxia atrairá as estrelas da outra.

Finalmente fica esta ilustração artística do céu num futuro distante, correspondendo ao momento da fusão e da fase de uma grande galáxia elíptica, quando os núcleos começarem a destruir-se mutuamente

Visão artística da colisão entre a Via Láctea e Andrómeda (APOD 4.Junho.2012)


2) RELAÇÃO DISTÂNCIA – VELOCIDADE?
Quanto maior era a distância de uma galáxia maior era a sua velocidade radial. Slipher não conseguia explicar estes factos. Em 1917, já Slipher se interrogava, sem sucesso, se haveria alguma relação entre a velocidade radial e a sua distância. A resposta vai ser dada com a parte do post que se segue.


PRIMEIRO ESBOÇO DA LEI DE HUBBLE
A falta de rigor dos instrumentos e uma calibração incorrecta das distâncias estelares dificultavam a obtenção de uma relação simples entre a velocidade radial e a distância das galáxias.
Apesar disso, em 1924, o sueco Knut Lundmark (1889-1958) construiu um gráfico com 44 galáxias considerando as velocidades radiais medidas e as suas distâncias estimadas. Supondo que Andrómeda estava a 200 mil parsec (650 mil km) de distância, atribuiu determinações grosseiras da distância das outras galáxias comparando os seus tamanhos e brilho com os de Andrómeda. Assim, concluiu que deveria haver uma relação entre o redshift galáctico e a distância, mas “não muito definida”.
AS DESCOBERTAS DE HUBBLE


Como já vimos algures, as nebulosas eram objecto de grandes discussões e tudo se resumia a duas grandes teorias:
- uma, que afirmava que se tratava de remoinhos dentro da nossa Galáxia, que correspondia a todo o Universo:
- outra, que já vinha de Kant, que considerava que cada uma delas era uma galáxia como a nossa - Universo-ilha - tendo cada uma muitos milhões de estrelas e de sistemas solares.
Até aos inícios do século XX, a discussão mantinha-se e H. Shapley (1885-1972) dedicou muito do seu tempo a medir as distâncias dos "globular cluster" (aglomerados de centenas de milhares de estrelas) para tentar determinar o tamanho da Via Láctea e a posição do Sol.
Em 1916, num desses aglomerados detectou umas estrelas azuis muito ténues. Partindo do suposto de que o seu brilho era semelhante ao do nosso Sol, então essas estrelas tinham de estar a cerca de 50 000 anos-luz de nós. Continuando as suas medições, tirou duas conclusões:
- a Via Láctea teria quase 200 000 anos-luz de comprimento (realmente é metade);
- o Sol não estava no centro mas na periferia, a cerca de 45 000 anos-luz do centro da Galáxia.
Estas dimensões ainda o convenceram mais de que a Via Láctea era a única e o Universo resuma-se a ela.



             Distribuição dos aglomerados estelares                      Tamanho da Via Láctea (em valores reais)
Deste gráfico concluiu que o Sol não estava no centro.


Assim veio dar mais uma machadada no nosso orgulho "cósmico". Assim descreveu ele o que as suas descobertas significavam não só do ponto de vista científico mas também psicológico: a passagem de um Universo antropocêntrico, a geocêntrico a heliocêntrico e a-cêntrico.
"O Universo físico era antropocêntrico para o homem primitivo. Numa fase subsequente do progresso intelectual, centrou-se numa zona restrita, na superfície da terra. Ainda mais tarde, com Ptolomeu e a sua escola, o Universo passas a geocêntrico. Mas, desde a época de Copérnico, o Sol, como o corpo dominante do sistema solar, tem sido considerado estar no ou muito perto do centro do reino estelar. A partir de cada uma destas concepções sucessivas, o sistema de estrelas foi aparecendo cada vez maior do que pensava antes. Assim o significado do homem e da terra no esquema sideral tem diminuído com o avanço do conhecimento do mundo físico e a nossa concepção das dimensões do Universo estelar observável foi progressivamente alterado".

HUBBLE com o seu famoso cachimbo e o telescópio de Monte Wilson

Entretanto, Edwin Hubble (1889-1953) entra em cena. Quando iniciara a preparação do seu doutoramento, verificou que havia mais de 17 mil nebulosas catalogadas, mas que não s sabia quase nada da sua natureza.
Depois da II grande guerra, foi trabalhar para o Observatório Monte Wilson, que dispunha do maior telescópio do mundo, com 100" (2,5 metros). 
O seu temperamento era o oposto de Slipher: autoconfiante, ambicioso, vaidoso, amante do convívio das figuras célebres, mas também um incansável investigador. Num desses encontros conheceu Grace Burke, filha de um banqueiro milionário lá da terra, que se apaixonou por ele, porque lhe aparecera como "um habitante do Olimpo, alto e forte, com os ombros de Hermes de Praxíteles". Mas era casada. Felizmente (!?) enviuvou em 1921, e quando voltaram a encontrar-se, iniciaram um namoro que acabou em casamento, em 1924. Na altura já era uma autoridade em astronomia. Aliás, ele adorava ser o astrónomo mais famoso do mundo e cultivava essa imagens nos seus encontros fosse com os hóspedes, com estudantes ou com jornalistas.


Quando soube do predomínio dos desvios para o vermelho sobre os desvios para azul, que Slipher descobrira mas não era capaz de explicar, Hubble achou que devia fazer jus a esse auto-título de melhor astrónomo do mundo. Tinha que resolver este problema das galáxias fugitivas. 


1) As nebulosas espirais são galáxias distintas da nossa
Começou a procurar estrelas variáveis e se possível Cefeidas nas várias nebulosas. Uma das primeiras foi a NGC 6822, onde descobriu algumas estrelas variáveis.

NGC 6822: chapas positiva (Plate XIV) e negativa (Plate XV)
Os números árabes indicam estrelas variáveis; os números latinos, nebulosas sobrepostas ou pertencentes ao aglomerado (cluster)

Entretanto, observava também as galáxias M31 (Andrómeda) e M33 muito próximas uma da outra e que possivelmente há alguns milhares de milhões de anos terão passado uma ao lado da outra como parece mostrar a ponte de nuvens de Hidrogénio entre elas recentemente observadas


Note-se que todas estas galáxias fazem parte do chamado "Grupo Local". Dada a fraca resolução e potência dos instrumentos astronómicos era lógico que as primeiras galáxias a serem estudadas fossem as do Grupo Local.




Na M31 Hubble encontrou, em 1924, a primeira Cefeida, que demonstrou ser extra-galáctica , a famosa V1 (não tem nada a ver com os foguetões do Hitler; significa apenas a Variável nº 1, ou seja, a primeira). Já contei esta história mas vou recordá-la rapidamente, acrescentando alguns pormenores importantes.




Na imagem que se segue, vemos o bloco-notas de Hubble que na página 157, na chapa 331 anotou "Nova suspected". Depois na chapa 335 regista "confirm nova suspect da chapa 331", com a data de 6.Out.1923, como se vê na chapa à direita. Finalmente mais tarde faz um comentário difícil de ler, mas onde se destaca a palavra "Cepheid".

Primeira Cefeida detectada em Andrómeda: manuscrito e chapa fotográfica


Portanto, concluiu que não se tratava apenas de uma estrela variável, mas de uma cefeida. Como? 


Intervalo para ... recordar
Já falei com algum desenvolvimento da importância das Cefeidas para medir as distâncias astronómicas. Por isso, vou apenas recordar o essencial.
H. Leavitt descobriu uma relação fundamental entre o período de variação do brilho de uma estrela e o seu brilho absoluto: sempre que o período é igual, o seu brilho absoluto também é igual. Portanto se encontrarmos duas cefeidas com o mesmo período de variação de brilho estejam onde estiverem elas têm o mesmo brilho absoluto. Comparando os brilhos aparentes (os que vemos da Terra) permite-nos saber as distâncias relativas. Por exemplo se o brilho aparente é nove vezes maior, a estrela está três vezes mas próxima de nós. "As observações decisivas para calibrar a escala de distâncias das cefeidas foram conseguidas graças a um conjunto de uma equipa de astrónomos entre os quais se contavam Harlow Shapley e o dinamarquês Ejnar Hertzsprung. Juntos utilizaram uma série de técnicas, como a paralaxe, para medir a distância de uma variável cefeida, o que transformou a pesquisa de Leavitt no guia supremo das distâncias cósmicas.As cefeidas podem servir de régua do Universo. Resumindo, um astrónomo passou a poder medir a distância a qualquer cefeida através de um processo de três passos. Primeiro teria de medir a rapidez da variação do brilho da estrela, que lhe  dá o seu brilho real. Segundo, teria de medir o brilho aparente. E, terceiro, calcularia a distância a que a estrela teria de estar para o seu brilho real produzir o brilho aparente observado" (4*). 
Em várias Tabelas que vamos encontrar para a frente, o que lá temos são os valores do brilho e do período de variação.


Voltando a E. Hubble
Portanto, ele fez o que era habitual desde H. Leavitt: um gráfico onde marcava o brilho e o tempo de variação (período).

À direita: gráfico da estrela variável Algol (em cima) e de uma estrela cefeida Cefeu (em baixo):
Fonte: S. Sang, Big Bang, pp. 226 e 227. 

Aqui estava uma verdadeira Cefeida como se vê pelo gráfico: o seu período era de 31,41 dias. Este gráfico apareceu incluído na carta que Hubble enviou a H. Shapley, a 19.Fev.1924. Quando o viu, Shapley comentou para um amigo: "Esta carta destruiu o meu Universo" (Here is the letter that has destroyed my universe). Recorde-se que Shapley defendia que a Via Láctea era única e todas as nebulosas faziam parte dela.  

A partir desta e doutras Cefeidas, medidas nas galáxias M31 (12 Cefeidas, incluindo a V1) e M33 (22 Cefeidas), que como vimos, estão a uma distância de nós bastante semelhante,

Cefeidas descobertas por Hubble: 12, incluindo a famosa V1, na Andrómeda (M31) e 22 na M33


Hubble pode calcular a distância dea galáxia Andrómeda: 285 mil parsec, ou seja, 930 mil anos-luz.
Isto é, Andrómeda e a M33 estavam muito para lá dos limites da Via Láctea. Eram, portanto, galáxias - Universos-ilha - semelhantes à nossa Galáxia com milhões de estrelas e de sistemas solares.
Ele continuou a estudar a NGC 6822, onde detectou entre 15 estrelas variáveis, 11 Cefeidas:


Com estes valores determinou a distância da NGC 6822 em 214 mil parsec (cerca de 700 mil anos-luz), confirmando a sua natureza "extra-galáctica" (exterior à nossa Galáxia)




2) Lei de Hubble
Para resolver o problemas das "galáxias fugitivas", começou por confirmar os resultados de Slipher, dividindo o trabalho como seu assistente M. Humason (1891-1972), um homem de origens "humildes" que se tornou um dos melhores fotógrafos de astronomia. Tendo deixado a escola aos 14 anos, trabalhou como moço de recados noum hotel Monte Wilson, onde se hospedavam muitos astrónomos. Depois tornou-se  condutor de mulas do Observatório para o transporte de aparelhagem e provisões. Passou a porteiro e, noite após noite, foi aprendendo as técnicas fotográficas que os astrónomos utilizavam. Era conhecido como o "porteiro curioso" e. ao fim de três anos de deixar as mulas, já fazia parte do departamento de fotografa.
Hubble simpatizou com ele e os dois ficaram com tarefas diferentes no ataque às "galáxias fugitivas"; Humason media os desvios Doppler e Hubble media as distâncias.
Confirmaram os resultados de Slipher e, com novos dados, deduziram a chamada lei de Hubble-Humason:




Isto significa que, se uma galáxia está a 100 milhões de anos-luz de nós (r = 100), então deve estar a afastar-se a uma velocidade de 16 r = 1600 Km/s (Vm).


Em 1929 já tinham dados sobre 46 galáxias. Cautelosamente, Hubble considerou apenas os dados em que tinha total confiança e obteve o célebre gráfico, conhecido pela lei de Hubble, que aparece no artigo "A relation between distance and radial velocity among extra-galactic nebulae" (Uma relação entre distância e velocidade radial de várias nebulosas extra-galácticas), publicado na revista Pub. Nat. Acad. Science 15 (1929) 168-173

Figura 1
O eixo horizontal representa a distância das galáxias à Terra e o eixo vertical, a velocidade de recessão. Os discos pretos e a linha a cheio representam a solução para o movimento utilizando nebulosas individuais; os círculos e a linha a tracejado representa a solução reunindo as nebulosas em grupos; a cruz representa a velocidade média de 22 nebulosas cujas distâncias não puderam ser estimadas individualmente.

Com o passar do tempo notaram que os movimentos não eram aleatórios, como o das moléculas de um gás, mas obedeciam a trajectória centrífuga: cada galáxia afastava-se de nós a uma velocidade tanto maior quanto maior era a sua distância. Por outras palavras, se uma galáxia estivesse a uma distância dupla de outra, a sua velocidade seria duas vezes maior.
As repercussões destes resultados, caso estivessem correctos, seria, enormes. As galáxias não andavam à deriva no Universo, mas havia uma relação matemática a regular os seus movimentos. O que poderia isto significar? É que se andássemos para trás no tempo, encontraríamos um instante no qual todas as galáxias estariam concentradas numa região de pequenas dimensões ou, por outras palavras, que coincidiriam com a nossa galáxia. Já estamos a (pre)ver aqui um primeiro indício observacional do que hoje chamamos o Big Bang.
Mas Hubble não estava preocupado com essas "especulações". O que ele queria era fazer boas obsrvações e obter dados de boa qualidade e não "filosofar" sobre a origem do Univers ou as grandes questões cosmológicas. Mais: ele "parecia patologicamente incapaz de atingir o significado mais profundo dos seus resultados, pelo que coube ao colegas interpretar  seu gráfico" (5*).


Este gráfico representa, em cima (a), o Universo como é actualmente, instante que associamos às duas horas. Se formos recuando no tempo, vemos as galáxias a começaram a aproximar-se umas das outras até que ao meio-dia (d), estão todas em cima da Via Láctea.
Fonte: S. Singh, Big Bang, p. 290.



Mas isto não significava uma visão antropocêntrica, pois todos os pontos do Universo se afastavam relativamente uns aos outros e todos simultaneamente.


Mas voltemos ao gráfico de 1929. Apesar das suas explicações pormenorizadas que reproduzo na legenda do gráfico, era preciso uma pouco de boa vontade para aceitar aquela relação linear, estando os pontos tão disperso. Poderia ser uma curva ou até não haver qualquer relação. Portanto, Hubble tinha que apresentar provas mais convincentes e para isso, durante alguns anos, foi o que ele fez. Levando a tecnologia aos limites, consegui medir galáxias cada vez mas longínquas e foi publicando novos gráficos cada vez mas convincentes:

           Até 3 mil milhões de anos-luz                                              Outro gráfico em unidades diferentes (1936)
O quadrado no canto esquerdo corresponde ao gráfico de 1929.




Com estes novos dados, uma conclusão se impunha, mesmo com alguns desvios: o Universo estava a expandir-se e de forma sistemática. E a proporcionalidade linear entre a velocidade de uma galáxia e a sua distância ficou conhecida por lei de Hubble.

A partir do gráfico, alei pode escrever-se analiticamente através da seguinte equação








Esta equação diz de uma forma muito simples que a velocidade (V) de uma qualquer galáxia é igual à sua distância (d) multiplicada por uma constante, um número fixo (H).


Mas diz muito mais coisas. A procissão ainda nem chegou ao adro!!!




Notas


(1*) S. SANG, Big Bang, p. 281.
(2*) A galáxia do Sombrero é uma das primeiras com "dupla personalidade", isto é, com características de galáxia elíptica (GE) e galáxia espiral (GS). Antes de ser encarada nesta perspectiva, era um verdadeiro enigma. Supunha-se que se tratava de uma GS, mas não se percebia por que tinha mais de 2000 estrelas,  número típico das GE, quando as GS, quando estas têm, em média, 200 apenas.

Galáxia do Sombrero: Elíptica e Espiral
O telescópio Spitzer, da NASA, revelou que se trata de "duas em uma": é uma galáxia elíptica (zona azul-esverdeada) que envolve um disco (a vermelho).  

Não se sabe bem como se terá formado. De qualquer modo, os astrónomos rejeitam a ideia de uma fusão de duas galáxias, em que a GE teria canibalizado uma outra, GS, Esta é a explicação mais comum para explicar a formação de GE gigantes. Uma das hipóteses avançadas é a de que esta galáxia teria sido invadida, há 9 mil milhões de anos, por turbilhões de gás e poeira, Estas nuvens de poeira, comuns no Universo primitivo, teriam entrado em órbita em torno do centro da galáxia até que formaram um disco achatado. 
Há uma outra galáxia, a Centaurus A, como características semelhantes, mas com menos estrelas no disco central.


Mas não há unanimidade quanto ao processo de formação.
Para uns, trata-se de uma gigantesca GE que, há várias centenas de anos, se fundiu com uma galáxia próxima, mais pequena, muito rica em poeira, que foi e é uma zona de formação de estrelas e parece envolver a para central da galáxia.
Para outros, poderia tratar-se de um estádio evolutivo a caminho de uma galáxia tipo Sombrero.
(3*) J.O. BARUCK, La Voie lactée, galaxie cannibale, in Les Dossiers de La Recherche, nº 21 (Nov.2005-Janv.2006) pp. 54-58.
(4*) S. SANG, Big Bang, p. 242.
(5*) ID., p. 291.