sábado, 11 de agosto de 2012

Modelos do Universo


SUMÁRIO PARA O BLOGONAUTA

1. Big Bang (Sumário)
2. História milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos, filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6. Descobrimentos e a "ciência" (1)
7. Descobrimentos e a "ciência" (2)
8. Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os Lusíadas: significado da epopeia
10. As "contra-epopeias"
11. A caminho do modelo heliocêntrico
12. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
12A. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
13. O génio do "modelo experimental" (Galileu) – Descobertas
14. Caso Galileu (1)
15. Caso Galileu (2)
16. A caminho das estrelas
17. Primeiras medições astronómicas
18. Medição das distâncias: Descoberta das Cefeidas
19. Medição das distâncias: a Fotografia entra em cena
20. Medição das distâncias: Cefeidas como Padrão de Medida
21. Interregno: Mini-Guiness sobre as Estrelas
22. História da Luz: Olho 
23. História da Luz
24. Luz e Espectroscopia
25. Problema das Galáxias
26. Medição da velocidade das galáxias (Efeito de Doppler)
27. Lei de Hubble
28. Constante de Hubble
29. Modelos teóricos partem todos da Teoria da Relatividade


Albert Einstein (1879-1955)
Apesar das suas ideias serem complicadíssimas, haverá poucas pessoas tão conhecidas no século XX: aquela figura do homem grisalho e despenteado mostrando a língua.




Einstein nasceu, a 14.Março.1879, em Ulm na Alemanha. A sua mãe mal o viu nascer pensou que ele não era perfeito: tinha a cabeça demasiado grande. Mas estava tudo bem. Terá começado a falar apenas aos 3 anos, mas ele explicou que só queria falar "quando fosse capaz de pronunciar frases completas". Não gostava muito de andar na escola e não teria sido bom aluno. A primeira parte parece ser verdadeira: ele não  gostava dos métodos tirânicos de ensino da época. Mas a segunda é seguramente falsa como se vê pela pauta das suas notas que se segue. Aliás chegou a ser escrito que ele reprovara a matemática, ao que ele respondeu: "Nunca reprovei a matemática. Antes dos quinze anos, já dominava o cálculo diferencial e integral".

Numa escala de 0 a 6, Einstein não assim tão burro!

Mas era autodidacta e muito curioso e imaginativo. Naturalmente solitário e independente, resultado de uma educação familiar que estimulava a autonomia dos filhos. Lia muito desde Kant a Darwin. E, enquanto não arranjava emprego, ia fazendo pesquisas, por conta própria e actualizando-se com a leitura da revista "Anais da Física". Para seguir a carreira académica, precisava de uma carta de recomendação de um dos seus professores. Mas H. Weber recusou-se a passar-lha porque, como lhe disse, "você é um rapaz esperto, mesmo muito esperto, mas tem um grande defeito; não aceita que ninguém lhe ensine nada". Assim teve de arranjar um emprego: primeiro, como professor temporário, depois num escritório de Patentes em Berna, onde passou sete anos, com um trabalho burocrático, mas que lhe deixava tempo e tranquilidade para pesquisar e reflectir sobre as suas experiências conceptuais. E foi assim que a meio da sua formação e meio desligado da vida académica começou a publicar, em 1901, artigos científicos. O primeiro, sobre a natureza das superfícies líquidas, estava, segundo um perito, "completamente errado". Mas continuou a escrever. Como não tinha acesso à bibliografia mais recente  limitava-se a repetir ou a discutir as observações dos outros. O facto de se encontrar à margem das tendências científicas da época deve ter estimulado a sua originalidade, que teve uma explosão no ano 1905 (1*).
Resta acrescentar que foi um grande humanista sempre preocupado com a paz e os direitos humanos.

1905
Este foi o annus mirabilis da sua genealidade. Escreveu quatro artigos, todos eles famosos (o último só foi publicado no ano seguinte).
No primeiro propôs que a luz era formada de quanta (plural de quantum; o que agora chamamos fotões) e a partir desta ideia explicou o efeito fotoeléctrico, que a física clássica não conseguia explicar. Apesar dos resultados experimentais confirmarem a sua explicação muitos continuavam cépticos pois tal teoria contrariava a teoria ondulatória da luz. E, como Einstein veio virar o mundo das avessas é bom começarmos a habituar-nos. Subjacente a esta sua teoria estava já o que mais tarde seria demonstrado para o electrão por de Broglie: a dualidade onda-partícula. Como é possível ser onda e partícula ao mesmo tempo? Ou não será ao mesmo tempo? Bom, o melhor é irmo-nos habituando a um mundo novo, que é muito contra-intuitivo e sai fora da nossa experiência habitual. Este artigo valeu-lhe o Prémio Nobel em 1921. Mas, mesmo nessa altura, muitos achavam que as suas equações estavam certas, mas a ideia dos quanta não. 

No segundo artigo sobre o movimento browniano, aquele movimento aleatório que um grão de pólen faz quando cai na água. Einstein, que se "especializara" em técnicas estatísticas, relacionou as grandezas estatísticas do movimento browniano com o comportamento dos átomos e assim não só apresentou a primeira evidência experimental da existência dos átomos (e moléculas) como também forneceu aos experimentalistas um método para os contar através de um simples microscópio.

         Movimento aleatório                                  Explicação: pólen a vermelho; moléculas a azul

Foi, com o terceiro artigo, sobre a electrodinâmica dos corpos em movimento, que Einstein introduziu a teoria da relatividade restrita, em aposição à geral que lhe demorou dez anos a desenvolver. Procurei na próxima secção desenvolver um pouquinho mais este tema tão complexo.
No quarto artigo, que estava relacionado com o terceiro, aparece a dedução da célebre expressão E = mc2 (a energia é igual à massa a multiplicar pelo quadrado da velocidade da luz). Esta fórmula tão poderosa  que ajuda a explicar como está o Sol a irradiar tanta energia (quando o Hidrogénio se transforma em Hélio sobra uma pequena parcela de massa que se transforma em energia), esteve na base da construção das bombas atómicas (pequenas massas de Urânio produzem uma enorme energia destruidora) e vai servir para ajudar a perceber a evolução do Universo no modelo do Big Bang.


Teoria da Relatividade
Honestamente, tenho de confessar a minha ignorância para explicar teoria tão elaborada. De qualquer modo vou referir um ou outro aspecto para que se perceba a enorme imaginação de Einstein e a sua capacidade matemática

Restrita
Einstein era um teórico, mas imaginou muitas experiências imaginárias, que permitiam perceber o que pretendia ele explicar. Mas mesmo para ele foi muito complicado: "Tenho de confessar que, a princípio, quando a relatividade restrita começou a germinar em mim, sofri toda a espécie de conflito de nervos. Na minha juventude, ficava por vezes em estado de confusão, como alguém que ainda tem de superar a estupefacção  que resulta de ser confrontado pela primeira vez com tais questões".
Imagine-se como poderemos nós entender. Por isso, vou apenas referir duas "experiências" sobre o tempo, imaginadas por Einstein, as tais "experiências conceptuais".

Primeira



Temos o chefe da estação que está a igual distância de duas carruagens, uma à sua direita outra à sua esquerda, tendo cada uma uma pessoa dentro. De repente começa uma grande trovoada. E caiem dois raios simultaneamente um em cada carruagem.
Vejamos o que se passa com os três personagens:
- o passageiro A diz: eu vi primeiro o raio na minha carruagem (A) e depois o da carruagem B;
- o passageiro B diz: eu vi primeiro o raio na minha carruagem (B) e depois o que caíu na carruagem A;
- o chefe da estação diz: eu vi os dois raios ao mesmo tempo.
Afinal quem têm razão? Ou há três tempos diferentes? Mas isso não pode ser porque o acontecimento é o mesmo.

Segunda:



Imaginemos um comboio a alta velocidade. Aliás, Einstein não era nada ambicioso: queria um comboio com 900 mil km de altura e à velocidade de 240 mil km/s. Mas os números é o menos. Vejamos o que acontece.
Esta carruagem tem um foco luminoso apontado par o tecto onde há um espelho, na vertical, que reflecte a luz.
Quando já vai embalado, o maquinista liga o foco luminoso. Como é óbvio (não!?), a luz vai na vertical, reflecte no espelho e volta a cair sobre o foco luminoso. Mas o chefe da estação vê outra coisa: vê o raio de luz subir obliquamente, bater no vidro e descer obliquamente, fazendo um trapézio isósceles, cuja base é a distância percorrida pelo comboio.
O que significa isto? Reparem. A luz vista pelo chefe da estação percorreu um espaço maior. Mas o acontecimento é o mesmo. Então a explicação parece ser: o tempo dilatou-se. É a chamada dilatação do tempo com a velocidade. É aldrabice? Não. Agora já sabemos que não é aldrabice porque já foi verificada experimentalmente: dois relógios um em terra outro num avião a 1000 km/hora apresentaram diferenças de bilionésimos de segundo. E mais: o sistema de GPS, que utiliza satélites para localizações muito precisas, só pode funcionar bem se tiver em conta esta ligeira distorção do tempo!!! Isto acontece, porque os satélites têm velocidades muito elevadas e fazem medições de tempo de alta precisão.

Já agora uma brincadeira a propósito do tempo. Há quem proponha exercícios para alunos que tentam mostrar que também os pintores se terão preocupado com o tempo. Podíamos recordar os relógios distorcidos de Dali. Ou, de modo mais subtil, Picasso, por exemplo, na sua tela Les Demosielles d'Avignon:


Repare-se na mulher do lado direito: está de frente ou de costas? Está nas duas posições ao mesmo tempo. Então o observador precisaria de se deslocar no espaço para vê-las "de frente" e isso demoraria algum tempo. Assim Picasso teria colocado a simultaneidade, a fusão espaço-tempo, num único quadro.
Portanto, um dos corolários mais dramáticos é que o nosso conceito habitual de tempo estará errado. O tempo era (é) entendido como absoluto, regular e universal. Einstein vem dizer que ele é relativo, extensível e pessoal. Isto realmente é perturbador.

Geral
Einstein quis avançar para sistemas acelerados, onde houvesse forças de gravidade. Ele queria descobrir qual a natureza da gravidade. As leis de Newton eram muito interessantes, explicavam, o mundo, mas o que era a gravidade? Como actuava? Instantaneamente? O que era isso de uma "acção à distância"?  
Então imaginou outra das suas "experiências"


Imaginemos que estamos num elevador sem qualquer visibilidade para o exterior. Até podemos imaginar que damos um salto dentro do elevador. Quando chocamos com o fundo do elevador concluímos que a força de gravidade da Terra nos atraiu. Mas Einstein viu outra hipótese. Não havendo Terra, portanto, sem nenhuma força da gravidade, o mesmo efeito podia ser obtido se um foguetão estivesse a levantar o elevador à mesma aceleração que a produzida pela gravidade da Terra (9,8 m/s2). 
Isto é, nós não sabemos se estamos a ser atraídos para a Terra (gravidade) ou levados por um foguetão (aceleração). Então concluiu Einstein a gravidade é equivalente a uma aceleração. E assim já se podia analisar melhor a gravidade. 
Mas isto levou-o a mais umas "trapalhadas" para nós e também para ele. Para já pôs em causa a lei da gravidade de Newton: "matéria atrai matéria na razão directa das massas e na razão inversa do quadrado da distância".
Mas chegou a muito mais longe: para que esta equivalência existisse era preciso que o espaço e o tempo se associassem numa "grandeza" única espaço-tempo, que essa grandeza encurvasse sempre que um corpo aparecesse nesse espaço: é a chamada "curvatura espaço-tempo". Esta curvatura pode inclusivamente "encurvar" os raios da luz ao fazê-los passar pela "covinha".

           Curvatura espaço-tempo                                 Raio de luz desviado pela curvatura

Confirmações experimentais
Já referi uma confirmação recente da Teoria de Einstein, a dos relógios dessincronizados conforme estão em movimento ou repouso. Mas logo pouco depois da sua publicação foi possível fazer duas confirmações.

Precessão do peri-hélio do Mercúrio
Os planetas, especialmente o Mercúrio, não têm órbitas elípticas fechadas como previam as leis de Kepler, mas "elipses" abertas. Isto é, vão-se deslocando no espaço. A este fenómeno chama-se precessão ou avanço do periélio (ponto mais próximo do Sol).

O caso de Mercúrio é muito mais acentuado porque está muito perto do Sol e da sua força gravitacional, mas também existe noutros planetas.Havia, no entanto, um problema. O cálculo feito com as leis de Newton davam uma valor teórico inferior ao medido experimentalmente em 43" (segundos de arco). Havia portanto 43" que faltava explicar. Le Verrier chegou a supor a existência de um satélite desconhecido, o Vulcano, nas proximidades de Mercúrio. Quando Einstein fez os seus cálculos, obteve o resultado experimental exacto.
Esta explicação tão concludente foi um forte incentivo para a aceitação da Teoria da Relatividade.

Eclipse total do Sol de 1919
Como vimos, Einstein previra que os raios de luz, quando passassem junto de uma grande massa, como o Sol, desviam ser desviados. Antes de publicar a sua Teoria Geral, já ele escrevera uma carta, a 14.Out.1913, a G. E. Hale a falar-lhe da ideia e a perguntar-lhe se era possível fotografar estrelas perto do Sol sem ele estar eclipsado. A resposta foi negativa. Hoje já é possível, mas na altura não havia instrumentos apropriados.


Ora o eclipse de 29.Maio.1919 representava uma grande ocasião para testar esta previsão. Em Março.1917, o astrónomo real britânico, F. Dyson, publicou um artigo em que chamava a importância para este eclipse, pois acontecia num zona do céu onde havia muitas estrelas brilhantes. Realmente visto da Terra o Sol passaria nas proximidades do aglomerado estelar das Híades, na constelação do Touro. Além disso, o eclipse ira ser bastante longo, cerca de 6 minutos, em alguns lugares da Terra.
Foram então decididas duas expedições: uma à Ilha do Príncipe, em S. Tomé; outra a Sobral, no Ceará (Brasil). A que se dirigiu à Ilha do Príncipe, teve o seu trabalho dificultado por causa do tempo nublado, conseguindo duas boas fotografias apenas. Em Sobral não houve problemas com o tempo.
Feitos a comparação das chapas da posição das estrelas, durante o eclipse e em situações em que o Sol não interferia, verificou-se que a previsão de Einstein estava correcta.


Nesta página da imprensa brasileira da época mostra-se o esquema do desvio dos raios da luz pelo Sol. No círculo vêem-se as várias estrelas e seus deslocamentos, tanto maiores quanto mais próximos do Sol.


MODELOS
Com a Teoria da Relatividade, os astrónomos passaram a dispor de uma nova teoria da gravidade, mais rigorosa e fiável que a de Newton, que continuava a dar bons resultados quando aplicada a fenómenos na Terra, onde a gravidade é relativamente pouco intensa.

Modelo de Einstein
O próprio Einstein estava desejoso de aplicá-la ao Universo como um todo. Interessava-se pela totalidade do Universo, para lá do que os telescópios podiam mostrar.
Havia um problema. Para fazer a sua aplicação a todo o Universo, precisava de ter em conta todas as estrelas e planetas conhecidos e desconhecidos. Para ultrapassar este obstáculo, Einstein fez uma suposição que iria fazer uma adequada simplificação e que ficou conhecida pelo princípio cosmológico e consiste em admitir que o Universo é isotrópico – isto é, parece ser o mesmo em todas as direcções – e homogéneo – parece ser o mesmo visto de todos os lugares.
Ao fazer os cálculos, ficou desiludido, pois, como todos os corpos se atraíam, tenderiam a aproximar-se uns dos outros acabando num colapso total. Ora Einstein não podia aceitar esta conclusão, porque punha em causa o que toda a comunidade científica considerava indiscutível: o Universo era estático e eterno. De qualquer modo, este resultado era previsível. Pois tudo atraía tudo. Aliás parece que Newton já se interrogara sobre essa possibilidade e a única resposta que encontrara fora que Deus teria que intervir ocasionalmente para separar os corpos celestes uns dos outros!
Mas Einstein não queria ir por aí. Pelo que foi rever a teoria e descobriu que poderia acrescentar um novo elemento na teoria da gravitação, a constante cosmológica. Isto era um artifício matemático, por meio do qual aparecia uma força repulsiva que se opunha à atracção gravítica das estrelas, uma espécie de anti-gravidade, cuja intensidade dependia do valor que se desse à constante. Assim podia escolher-se uma constante que se oporia ao processo de contracção do Universo. Como o seu efeito era significativo apenas a grandes distâncias não influenciava o mundo do dia a dia. Assim com este “truque”, Einstein era capaz de:
- “manter” a existência de um Universo estático e eterno;
- reproduzir as explicações de Newton, nas zonas de gravidade baixa;
- aplicar-se a ambientes de gravidade intensa, em que as leis de Newton falhavam, como no caso da precessão do periélio do Mercúrio.

Modelos de Friedmann
Alexander Friedmann (1888-1925) nasceu em Sampetersburgo. A sua infância foi vivida no meio de grande agitação política, o que o levou, desde muito novo, a pôr em causa qualquer autoridade. Foi um activista, tendo organizado greves na escola contra o czar. Entrou na universidade tendo sido encorajado pelo seu professor V. Steklov, outro anticzarista, a abordar problemas que teriam intimidado muitos outros estudantes. Passou pela I guerra mundial e pela revolução russa e quando regressou à vida académica deparou-se com a teoria da relatividade, que ainda não chegara aos matemáticos russos.


Ao ler o artigo no qual Einstein apresentava o seu modelo e, dado o seu espírito rebelde, achou que devia pôr em causa aquela constante e desafiar o saber instituído. Então resolveu seguir uma estratégia diferente da de Einstein: Partiu da teoria “original”, isto é, sem constante, para ter a liberdade de investigar qual o Universo que dela emergia de forma lógica. Em 1922, escreveu um artigo em que apresentava o seu modelo. Concluiu que o Universo era dinâmico, isto é, evolutivo. Mas, enquanto para Einstein, o Universo estava condenado ao colapso, para Friedmann, este dinamismo podia estar associado a um Universo, que se iniciara com um estado de expansão, trazendo assim um ímpeto que lhe permitia resistir à atracção gravítica. Mais: o Universo poderia apresentar três comportamentos diferentes, conforme a rapidez inicial da sua expansão e da massa que o compunha.
O primeiro era semelhante ao de Einstein. Aconteceria se a massa ou a densidade da matéria do Universo fosse suficientemente grandes para as estrelas se atraírem fortemente e se poderem opor à expansão, acabando por detê-la e começar a contrair-se terminando num colapso total.
O segundo era um Universo em que a densidade média da matéria fosse tão baixa que a atracção gravítica nunca venceria a expansão, que continuaria para sempre.
A terceira possibilidade era um Universo de densidade intermédia no qual a expansão e a gravidade estariam em equilíbrio. A expansão e gravidade iriam diminuindo, mas nunca se anulariam. Esta possibilidade exige um valor de densidade muito rígido, uma espécie de fio da navalha entre a expansão infinita e o colapso total.

Analogia dos modelos de Friedmann
Fonte: S. Singh, Big Bang, p. 179

Para compreender melhor os modelos de Friedmann vejamos esta analogia com um canhão em planetas diferentes. Imaginemos que disparamos uma bala de canhão à mesma velocidade em três planetas diferentes. A trajectória da bala é determinada pela massa do planeta, o que pode dar origem a três situações: o planeta (a) tem tanta massa, uma tão grande força gravítica, que obriga a bala a cair no chão, a “colapsar” com o chão (primeiro modelo ou do colapso total); o planeta (b) tem menos massa, portanto, uma força gravítica muito pequena, que não chega para vencer o impulso da bala que escapa para o espaço e nunca mais volta (segundo modelo ou da expansão contínua); o planeta (c) tem exactamente a massa que deve ter para que a bala entre em órbita, não caindo no solo nem se escapando para o espaço (terceiro modelo de Friedmann).
Os matemáticos preferem usar três tipos de representação, chamando ao primeiro, modelo esférico ou fechado; ao segundo, modelo hiperbólico ou aberto; ao terceiro, modelo plano ou crítico (porque exige uma densidade de matéria muito rigorosa)

   
Talvez seja também elucidativa a apresentação seguinte, na qual se mostra o tecido espaço-tempo. Recorde-se que Einstein acabou com a ideia de tempo absoluto (de que falei ligeiramente) e por arrastamento do espaço absoluto, propondo uma entidade espaço-tempo que se pode representar por uma espécie de malha ou rede, cujo reticulado mostra com evoluiu cada modelo.
O importante deste esquema é que mostra que o Universo se comporta de maneira diferente em cada modelo. Portanto, não devemos ficar com a ideia de que no modelo do colapso, o universo funciona como um balão a esvaziar e no modelo hiperbólico funciona como um balão a encher. Cada modelo tem um reticulado diferente e isto significa uma geometria diferente. Por aqui me fico, porque estas geometrias são um pouco complicadas para quem vive num pequeno mundo euclidiano, no qual a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180º. Mas nas outras geometrias é diferente: no modelo fechado (ou esférico), essa soma é superior a 180º, enquanto no modelo aberto (ou hiperbólico) é mais pequena (ver imagem anterior, na qual estão desenhados a vermelho os triângulos em cada geometria). Além disso como se vê, o modelo fechado acaba como começou; os outros expandem-se indefinidamente.


O grande contributo de Friedmann, verdadeiramente revolucionário, foi o considerar que o Universo estava em evolução. Havia, no entanto, a questão de saber qual dos modelos é que corresponderia à realidade. Esta questão coloca-se muitas vezes, quando se fazem cálculos teóricos. Pode haver várias soluções, matematicamente legítimas, mas em que só uma corresponde à realidade. Friedmann encontrou três soluções matemáticas, mas só uma é que podia ser a real. Qual? A resposta só podia ser dada através da experimentação e da observação. Mas naquele tempo, não era possível saber qual delas correspondia era a realidade. 
E havia uma questão imediata: é que Einstein não concordava com a expansão. Até chegou a escrever ao editor da revista que publicou o artigo do matemático russo: “Os resultados relativos ao mundo não estacionário contidos no artigo (de Friedmann) parecem-me suspeitos”. Talvez Einstein tivesse feito uma leitura apressada do artigo, pois, mais tarde, perante a insistência de Friedmann acabou por reconhecer que estava errado: “Estou convencido de que os resultados do Sr. Friedmann estão correctos e são esclarecedores. Mostram que as equações (da Relatividade Geral) admitem, além da solução estática, soluções dependentes do tempo”.
Friedmann nunca desistiu de defender as suas ideias, apesar de ter contra si vários obstáculos: como escreveu em russo, foi lido por poucos e ignorado por todos; era matemático e, portanto, os cosmólogos não o viam como um deles; e até fora inicialmente desautorizado pelo cosmólogo mais ilustre da época, Einstein.

Modelo de Lemaître
Entretanto, Friedmann morreu em 1925 com febre tifóide e não pode ver que realmente tinha razão.  Mas a ideia da expansão não se perdeu, pois foi “reinventada” por Georges Lemaître (1894-1966), que embora não conhecesse Friedmann nem os seus trabalhos, chegou aos mesmos resultados, tendo como base as equações da teoria da relatividade.
Lemaître era um padre belga que se dedicou à matemática e mais tarde à astronomia: “Havia dois caminhos para chegar à verdade. Decidi seguir os dois”, era a sua explicação.



Na sua pesquisa sobre o Universo foi mais longe do que Friedmann, sobretudo nas consequências lógicas de um Universo em expansão. É que enquanto Friedmann era um matemático, Lemaître era um cosmólogo interessado em compreender o que estava por detrás das equações. Interessava-lhe sobretudo a história física do Universo. Atribuiu à expansão o desvio para o vermelho que Hubble detectara nas suas observações sobre as galáxias. Mas foi mais longe: se o Universo estava em expansão, então no passado devia ter sido mais pequeno e houve um momento em que estaria concentrado numa zona de reduzidas dimensões.

Gráfico feito à mão por Lemaître para ilustrar a expansão do Universo

O mais importante foi ter compreendido que a relatividade geral obrigava a que existisse uma instante (singularidade) de criação, de começo. O Universo ter-se-ia iniciado numa região compacta, o “átomo primitivo ou primordial” que teria explodido e, após longa evolução, originado o nosso Universo actual e continuaria a expandir-se no futuro.

Ovo Cósmico de Salvador Dali

Mas como se iniciou este processo? Lemaître foi à procura de um processo físico que pudesse explicar. Resolveu “explorar” a recente física dos raios cósmicos e o fenómeno do decaimento radioactivo (desintegração de átomos de massa elevada). Talvez o Universo tivesse começado num estado supercompacto, nesse átomo primordial, que a dada altura “decaíra”, gerando toda a matéria do Universo actual. Eis o modo como resumiu a sua teoria: “A hipótese do átomo primordial é uma hipótese cosmogénica, segundo a qual o universo actual resultou da desintegração radioactiva de um átomo”. A energia necessária resultou desse decaimento radioactivo.
O contributo de Lemaître foi ter percebido que houve uma instante em que tudo começou, o momento da criação, embora também tivesse procurado esclarecer o processo físico que presidiu a esta criação e evolução.  
Embora alguns considerem talvez exageradamente que Lemaître foi o “pai do Big Bang”, não há dúvida de que, nas suas ideias, o modelo do Big Bang já se anunciava.
Embora tivesse que esperar quase duas décadas!!!
 
Referências
(1*) S. SINGH, Big Bang (Gradiva). Quem quiser aprofundar de um modo simples estas questões da Teoria da Relatividade e seus antecedentes pode ler o II capitulo deste livro, pp. 107-188. Daqui tirei algumas ideias e citações.