quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

EVOLUÇÃO DO OLHO (2)

(continuação)


OLHO COMPOSTO


ESTRUTURA
O olho composto ou facetado é o órgão visual presente em muitos artrópodes, como os insectos e crustáceos, e alguns animais marinhos. Chama-se Composto porque cada olho é formado por pequenas unidades repetidas, os omatídios, cujo número pode variar entre seis, na formiga subterrânea, 4000 na mosca e quase 40 mil na libelinha

Olho Composto da Mosca                         Esquema geral de um olho composto 

Cada omatídio divide-se em duas partes principais:
- sistema óptico com duas lente: à superfície, uma lente hexagonal (faceta), sob a qual há uma lente cónica (cone cristalino);
- rabdoma, uma estrutura radial bastante complexa semelhante à secção transversal de uma laranja, rodeado de várias células fotossensíveis (Rabdómeros, na composição dos quais entra a nossa velha conhecida Rodopsina).
O sistema dióptico foca a luz que entra na estrutura central do Rabdoma, onde se forma uma imagem invertida nas células retinulares fotossensíveis. Cada omatídio, em certos tipos de olho composto, tem ainda células pigmentadas que o separam dos vizinhos e asseguram que apenas a luz paralela ao eixo do omatídio atinja as células retinulares.

             
Estas células fornecem impulsos, através do nervo óptico que o transporta para o cérebro, onde se forma uma imagem única do mundo exterior a partir das imagens parciais fornecidas por cada omatídio (imagem em mosaico ou imagem “pixel”).

                
Portanto, em contraste com outros tipos de olhos, o Olho Composto não tem uma lente central ou retina. Assim, a imagem apresenta uma má resolução, embora consiga detectar movimentos rápidos e também a polaridade da luz. 

SENSIBILIDADE
Os animais "superiores" não podem ter olhos compostos. Por exemplo, o ser humano para ter a mesma acuidade visual necessitaria de ter um olho composto deste tamanho. 



FALHANÇO EVOLUTIVO OU PRECURSOR DO OLHO COMPOSTO?
Copepod Copilia
Tem apenas dois olhos, cada um dos quais pode ser considerado análogo a um omatídio do olho composto em que as duas lentes estão muito afastadas. A lente posterior (cone cristalino (L2)) encontra-se a grande distância atrás da lente anterior (córnea (L1)), a meio do corpo extraordinariamente transparente do animal, de modo que não deve ser a primeira que a fazer qualquer ligação com o olho. 

           Animal (aqui sem a cauda)                Estrutura das Lentes             Esquema do olho
Imagem do centro: (4a) Micrografia ao vivo; (4b) Esquema do sistema óptico, mostrando as posições da córnea, lente anterior (L1) e do cone cristalino ou lente posterior (L2); f, ponto focal da córnea; f ', ponto focal do sistema óptico.
Imagem da direita (1c): corte longitudinal esquemático do cone cristalino (cc = L2) e do rabdoma: re, células retinulares; pg, grânulos de pigmento; os vários R, rabdómeros que formam um Rabdoma; os rectângulos a, b e c representam os planos de corte utilizados neste estudo.



De momento, pode especular-se se não se tratará de uma experiência evolutiva mal sucedida. Ou será um percursor do olho composto: omatídios múltiplos para superar a limitada capacidade do canal de informação neural?
Somente a fêmea possui olhos enormes que ocupam quase metade do seu corpo transparente.
Cada olho é equivalente a um único omatídio de um olho composto com uma lente corneal, um cone cristalino e células retinais, no qual o cone cristalino está a uma certa distância da lente corneal. O olho, com uma lente corneal anterior (L1) e o cone cristalino (lente posterior, L2), é, portanto, um sistema óptico de duas lentes. Contudo, a função desta segunda lente deve ser a de encurtar o foco da lente anterior. Assim sendo, teríamos um único tipo de sistema óptico, um “amplificador de luz”, isto é, um sistema que aumenta a eficiência da captação de luz pela lente anterior, o que é muito útil a grandes profundidades, onde a luz é muito fraca.
Embora seja considerado primitivo relativamente à lentidão de “barredura” (scanning), de exploração do espaço, talvez ele esteja bem adaptado a níveis fracos de luz: portanto, “mais interessado” em amplificar a luz do que em explorar com rapidez o meio ambiente.  


Acidente judaico
Os copépodes são encontrados por vezes em abastecimento de água pública quando esta não é filtrada, nomeadamente em Nova Iorque, cujos habitantes se vangloriam tanto da pureza da sua água que preferem ou até consideram um direito bebê-la sem ser filtrada.
Ora, em Novembro de 2004, foram descobertos copépodes, na água de Nova Iorque, o que gerou um grande debate entre os rabinos judeus sobre a observação do kaskhrut. Kaskhrut significa “ser próprio, ser correcto” e é a lei sobre os alimentos. Qualquer judeu verifica sempre se esta palavra está escrita na embalagem. Não há dúvidas quanto à impureza do porco, camarões e lulas (1*). Mas o que pensar destes copépodes? Afinal, sendo crustáceos, não eram kosher (carne) e também não podiam ser ignorados como organismos microscópicos não alimentares pois alguns eram ser visíveis a olho nu. Perante estas dificuldades muitos judeus observantes acharam melhor comprar filtros para a sua água.

TRANSIÇÃO
Olho Framboesa de Strepsiptera
Não vi isto em lado nenhum, mas parece-me que se poderia considerar este tipo de olho, dadas as suas características, como de transição para os verdadeiros olhos compostos.

Animal e Olho(s) vistos ao microscópico electrónico
a) Cabeça do parasita X. peckii com os olhos em forma de framboesa;
b)  Olho da mosca com centenas de lentes;
c) à mesma escala, o olho do X. peckii, que tem menos "ilhós" (eyelets), mas maiores, cada um rodeado por microtrichia semelhantes aos pelos de uma escova.

        Esquema de um olho                          Reconstrução do sistema visual
Em contraste com o olho composto habitual que permite à maioria dos insectos ver o mundo “ponto a ponto”, as unidades ópticas deste insecto vêem “pedaços” da imagem total. A amarelo, as lentes; a vermelho, a retina; azul, as células receptoras; a verde, o tecido entre os “ilhós”.

Estes insectos foram assim chamados, devido às suas asas torcidas, do grego strepsi (torcido) e petra (asas). Mas a sua característica ímpar são os seus “olhos loucos”, como se pode ver nas imagens acima e de que falarei mais abaixo. Estas características são tão únicas que foi criada, para estes insectos, uma Ordem nova na classe dos Insectos, a Strepsitera, com cerca de 500 espécies conhecidas.

Parasitismo
São endoparasitas (vivem dentro do hospedeiro) que "exploram" 33 famílias de Insectos, o que pode dever-se ao seu tipo único de sistema imunológico.
O parasita Xenos peckii raramente é visto porque vive escondido no interior do corpo de um tipo de vespas. As fêmeas nunca deixam os seus hospedeiros, enquanto os machos têm uma tarefa de rápida execução: duas horas antes de morrer devem encontrar outra vespa parasitada por uma fêmea X. peckii, acasalar com ela e... missão cumprida. Os feromonas sexuais da fêmea ajudam a sua localização, mas parece mais provável que o macho se sirva da visão para encontrar a companheira.
De qualquer modo não exercem nenhum controlo biológico sobre as vespas já que a taxa de parasitismo não ultrapassa 1%. Ao contrário dos insectos que cujo interior é completamente degradado, neste caso, o hospedeiro apenas fica limitado na sua capacidade de reprodução, pois a fêmea parasita preenche-lhe todo o espaço reservado à função reprodutora.

Tipo único de olho
Este olho, chamado "ilhó", é único pois não se conhece em nenhum outro insecto, tendo sido começado a estudar em 1963. Assemelha-se a uma framboesa, estrutura comparável à dos olhos de algumas Trilobites, que desapareceram na grande extinção do Ordoviciano (444 milhões de anos). Mas isto não significa que sejam seus descendentes.
As maiores lentes dos Strepsiptera admitem mais luz, têm mais fotorreceptores e permitem maior resolução. Além disso a imagem é focalizada na retina.
Portanto, ter menos facetas não significa pior visão. No caso do X. peckii cada lente possui 100 fotorreceptores e uma retina individual por detrás de cada lente, o que lhe permite ver “porções” do campo visual e não apenas um ponto, melhorando a sua capacidade visual. Comparado com a mosca da fruta, que tem 700 facetas (cada uma com apenas 8 fotorreceptores), as quais contribuem com um ponto para a imagem, o X. peckii tem apenas 50 ilhós, cada um ocupando a mesma área de 15 facetas da mosca.
Estas lentes formam, devido à sua configuração, uma imagem invertida, que precisa de ser corrigida. Para isso o parasita dispõe de uma estrutura chamada quiasma (da letra grega X, chi, que se lê qui): cada ilhó está ligado ao cérebro por um nervo, que exibe um quiasma, isto é, roda 1800 em torno do seu próprio eixo, reinvertendo a parte da imagem que recebeu.

EVOLUÇÃO DO OLHO
Nas últimas décadas (2*) multiplicou-se o interesse pelo estudo dos Olhos Compostos, tendo sido três descobertos novos tipos (sobreposição de reflexão, sobreposição parabólica, aposição afocal) e mais recentemente um quarto (sobreposição de refração). Até então era conhecido apenas o olho de aposição.

Dois grandes tipos 
Poderá dizer-se que, quanto à sua estrutura e distribuição do pigmento entre os omatídios, o olho composto pode formar as imagens de duas maneiras, havendo, portanto, dois tipos de olho, embora com as variações atrás referidas e que, ao longo desta secção irei apresentar e ilustrar com um pouco mais de pormenor, embora de modo muito  sumário. Mas penso que valerá a pena olhar para nos maravilharmos com tanta criatividade e beleza escondidas.


1) No olho de Aposição, cada omatídio concentra apenas os raios luminosos que são mais ou menos paralelos ao seu eixo, de modo que cada um forma uma imagem (ponto imagem) de uma muito pequena parte do seu campo visual. Assim, a imagem total resulta da aposição (acto de colocar um objecto junto a outro) destas imagens parciais.


2) No olho de Sobreposição, um amplo número de omatídios concentra a luz de um largo campo visual de modo que a fracção da imagem por eles formada pode sobrepor-se às dos omatídios vizinhos, sendo focalizada num único fotorreceptor. A imagem ganha em brilho mas perde em nitidez relativamente à do olho de Aposição. 


Por outras palavras
- nos olhos de Aposição, cada omatídio é uma unidade independente que vê um ponto, um "pixel" do ambiente exterior;
- nos olhos de Sobreposição, os omatídios não actuam independentemente mas em conjunto para formar uma fracção da imagem total no fundo do olho (retina).
De um modo geral, embora haja muitas soluções, os insectos diurnos têm olhos de Aposição e os nocturnos bem como alguns animais de águas profundas, de Sobreposição, "multiplicando" assim a pouca luz existente.

(A) Olho Composto de Aposição: a luz atinge os fotorreceptores exclusivamente através da pequena lente corneal localizada directamente acima.
(B) Olho Composto de Sobreposição: várias centenas de facetas da córnea e de cones cristalinos recolhem e focalizam a luz através de toda a zona clara do olho (cz) num fotorreceptor único. 


DESENVOLVIMENTO
Estes últimos estudos permitiram traçar um quadro geral, como se mostra no esquema que se segue. 

As setas indicam desenvolvimentos e não linhas evolutivas específicas, que são muito mais complexas.
a) Antepassado hipotético com receptores com tubos pigmentados; 
b) Olho de Aposição;
c) Omatídio de Aposição Focal com imagem na ponta do Rabdoma;
d) Lentes multi-interface (Notonecta);
e) Lente-cilindro (Limulus); os números em d) e e) são índices de refracção;
f) Superposição Neural num insecto voador díptero;
g) Olho de Aposição Afocal com imagem intermediária e feixe colimado de saída;
h) Olho de Sobreposição com imagem projectada no fundo;
i) Sobreposição de Refração; o inserido mostra os caminhos dos raios axial e oblíquo;
j) Sobreposição de Reflexão; o inserido mostra as duas vistas dos caminhos do raio através do espelho;
k) Superposição parabólica (Macropipus); o inserido mostra o feixe focado recolimado por um espelho parabólico.  

Vejamos agora, com mais pormenor, cada um dos tipos de Olhos Compostos.

OLHO DE APOSIÇÃO
São os mais comuns e mais bem estudados e a sua relativa simplicidade sugere fortemente que podem ser o tipo ancestral de cada linhagem. Cada omatídio forma um ponto-imagem (pixel) na ponta do Rabdoma.
A imagem em cada omatídio pode produzir-se de três maneiras:
1) Nos insectos terrestres, é a córnea curva (faceta) que quase sempre forma a imagem. Sirva de exemplo a libélulaTêm dois olhos, como cerca de 30 000 lentes em cada um. Como já vimos, a luz entra num único omatídio, que está separado dos omatídios vizinhos por células de pigmentos, produzindo um ponto imagem que será transmitido ao cérebro pelo nervo óptico. O cérebro faz a aposição de todos esses pontos e forma a imagem.


2) Debaixo de água, tem de haver um mecanismo que rectifique o efeito deformador da refração entre a água e o ar (quem já andou a apanhar enguias com um garfo sabe bem como a enguia nunca está onde a vemos, mas um pouco desviada!). As lentes são "progressivas" variando, portanto os índices de refracção, segundo dois modelos:
- as lentes multi-interfaces, como as do Notonecta glauca:

Micrografia da lente corneal             Aparelho dióptrico            Estrutura de um omatídio              

- as "lentes-cilindro", como as do caranguejo-ferradura Limulus

               Animal                          e                    as suas várias estruturas
A estrutura normal e fina de um fotorreceptor do Limulus:
a) esquema do animal;
b) as facetas do olho;
c) corte longitudinal de um omatídio: cada uma das camadas tem índices de refração diferentes;
d) corte transversal do omatídio;
e) microvilosidades do rabdómero.

SOBREPOSIÇÃO NEURAL
É estruturalmente muito semelhante ao Olho de Aposição, mas com uma diferença. No olho de Aposição, cada omatídio forma um ponto-imagem. Num olho de Sobreposição Neural, cada imagem é formada num único fotorreceptor a partir de grupos de 7 omatídios (porque não há células pigmentadas entre eles), o que significa que é 7 vezes mais brilhante,  melhorando a sensibilidade e ganhando uns 15 minutos extra para ver ao amanhecer e ao pôr do sol.

 Mosca doméstica e Olho ampliado             Esquema do Olho de Sobreposição neural
                

APOSIÇÃO AFOCAL
Na maior parte dos Olhos de Aposição (OA), existem dois componentes no sistema óptico de cada omatídio: a córnea e o cone cristalino. Não há dúvida de que a córnea é uma lente, mas o cone cristalino parece ser mais um mero separador óptico, pelo que rigorosamente se pode dizer que o OA consiste numa simples lente ((A) no esquema abaixo).
No entanto a descoberta de uma segunda verdadeira lente no cone cristalino implica uma alternativa diferente: a única lente é substituída por um “telescópio de duas lentes”. Assim a imagem não se forma na ponta do rabdoma mas dentro do cone cristalino ((C) na imagem abaixopelo que se  chama “afocal”. 

Borboleta e Olho                    Corte histológico do Olho                   Esquema do Olho



Quanto aos outros tipos de olhos de Sobreposição deixo apenas os nomes, esquemas e uma ou outra observação

SOBREPOSIÇÃO DE REFRAÇÃO
Este olho actua também como “um telescópio de duas lentes”, em que a luz é refractada dentro do omatídio pela segunda lente que vai curvando continuamente a luz ao longo do omatídio. Pode chegar a fazer aumentos de 100 ou até 1000 vezes. São olhos apropriados para quando há pouca luz. Um exemplo é o Pirilampo Lampyris noctiluca.

Fêmea (cima) e Macho                   Micrografia do olho           Esquema do olho

SOBREPOSIÇÃO DE REFLEXÃO
Camarões ou lagostas, que também vivem em zonas com uma luz débil, utilizam um outro tipo de olho de sobreposição, porque, na água, eram necessárias lentes muito complicadas para compensar o facto de a água ter um índice de refracção maior que o do ar. A solução veio pela via da sobreposição de reflexão, uma espécie de “sala de espelhos” que multiplica a luz. 
Aqui fica um exemplar muito curioso, dada a sua forma: o Camarão de Olhos afiados Dioptromysis paucispinosa. 

SOBREPOSIÇÃO PARABÓLICA
Este olho “apareceu” para evitar a “aberração esférica” (3*). Para a corrigir, a lente toma uma forma parabólica, originando uma lente não esférica, mas mantendo o índice de refracção constante. Como exemplo, aí fica o Caranguejo Macropipus puber.

Caranguejo  Macropipus puber                         Esquema do olho (pág. 11 Fig. 2k)
              


OLHOS COMPOSTOS COM ANTI-REFLECTOR
Estruturas de anti-reflexão nos olhos podem aumentar a sua eficiência visual permitindo a captura de um maior número de fotões. Além de células de pigmentos de cor, foram encontradas cores metálicas em animais fossilizados. Algumas destas envolviam redes de difracção, que consistiam em estrias paralelas com espaçamento maior ou igual ao dos comprimentos de onda da luz visível.

Quatro omatídios de um díptero Dolichopodid
tendo cada um deles a superfície coberta por uma grade reflectora (barra de escala = 3 μm).

Foi proposto que a grade deste díptero do Eoceno (45 milhões de anos) provavelmente evoluiu de uma estrutura anti-reflexo presente no olho da traça. Um anti-reflector análogo é hoje utilizado em placas solares. 


OLHO DAS AVES
Já mostrei o olho humano que é muito semelhante ao dos Mamíferos.
Contudo, as Aves desenvolveram olhos altamente eficientes. Por exemplo, uma águia pode ver uma lebre a três quilómetros.

Águia americana                                                       Olho

Visão Binocular                                            Esquema do olho 

Comovemos do lado esquerdo da imagem, na parte detrás da cabeça há um "sector cego" (azul); dos lados, duas zonas de visão monocular (laranja); na frente, a visão binocular normal de 200, embora possa ser alargada mais 100 para cada lado.
Os olhos da águia têm o mesmo tamanho e peso do olho humano, apesar da águia pesar apenas 14 kg. Mas a sua estrutura é muito diferente (ver imagem). Além da diferença no tamanho, tem uma espécie de pente (pecten) que multiplica a “alimentação” da retina. Além disso, dispõe, na retina, como muitos outros animais, de uma zona chamada fóvea, onde há uma grande concentração de fotorreceptores (cones). Mas, enquanto no nosso olho, esta zona tem 200 mil cones, no da águia há cerca de um milhão, o que lhe permite uma acuidade visual muto superior à nossa.


OLHOS ESPECIAIS
Aqui vou apresentar apenas algumas curiosidades.

Camarão Mantis 
Algumas das características deste camarão, nomeadamente o seu sistema visual, fazem dele um dos predadores mais temíveis. É certamente o animal com a visão mais sofisticada do mundo. Pode mover os olhos independentemente e consegue perceber uma ampla gama de luz: vísível, várias “cores” de UV e luz polarizada. Pode também distinguir até 100 mil cores, enquanto a visão humana se fica pelas 10 000 (mas não a minha, de certeza!).

 Camarão Mantis                                                 Olhos

 Um dos olhos                                       Estrutura da banda central

           Comparação com a visão do homem           Espectro de visão no ar (cima) e na água

Cada olho, que está dividido em três bandas, é capaz de perceber a “profundidade” e tem uma visão estereoscópica, muito úteis durante a caça. Aparentemente, a banda do meio, muito complicada, contém 16 tipos diferentes de fotorreceptores (12 para análise de cores, em comparação com os nossos 3 cones fotorreceptores (esquema acima à esquerda) e 4 para a luz UV e IV (esquema à direita), filtros de cor e muitos receptores de polarização, tornando a retina destes seres a mais complexa do mundo. Todo este aparato a nível do olho pode servir para simplificar o trabalho de processamento do sistema nervoso central.

Parece-me um bom modelo para uns óculos!

Sepia Officinalis                                                  Olho

PEIXES DE QUATRO-OLHOS
 Há vários vertebrados que fizeram uma tentativa evolutiva para quatro-olhos, desenvolvendo olhos auxiliares. Vou fazer referência a quatro.

Peixe Bathylychnops exilis
É conhecido pelas protuberâncias pouco habituais que brotam dos seus olhos. Posicionadas na parte inferior, são verdadeiros olhos já que têm lente e retina próprias bem desenvolvidas. Possivelmente servirão para detectar ameaças vindas de baixo. Além disso, possuem um terceiro par de "olhos" que não têm retina. 

             Cabeça do peixe                                       Esquema dos olhos (p.196; Fig. 5.31)

Como é um “comedor” mesopelágico (200 a 1000 m de profundidade) precisa de um campo visual binocular no meridiano horizontal e acima. Mas, sendo também um “limpador do fundo do oceano” necessita de um olho auxiliar e até, talvez de lentes esclerais (que não tocam na córnea, apoiando-se na esclerótica) para reconhecimento dos detritos bioluminescentes.

Peixe Anableps anableps
Tem dois sistemas ópticos distintos: um para visão aérea e outro para visão aquática. Estes sistemas têm retinas separadas, uma lente assimétrica de modo a poder focalizara a visão aérea e aquática e apenas um nervo óptico. O sistema está dividido horizontalmente já que o peixe nada normalmente nessa posição. Esta disposição permite-lhe ver simultaneamente acima e abaixo da água. 
É provável que só consiga “dar atenção” a uma imagem de cada vez, mas podem saltar rapidamente de uma para outra. Esta adaptação propicia-lhe sobretudo uma protecção extra contra os predadores embora também possa contribuir para a busca de alimento.
Estes olhos não são tão delicados como parecem, pois estão protegidos por uma estrutura óssea pouco habitual (ver imagem abaixo).

Em cima: o peixe; em baixo, o olho dividido e protegido (foto nº 11)

A sua lente é, como referi, assimétrica, ligeiramente piriforme. Enquanto a parte inferior da lente é arredondada como em qualquer outro peixe, a superior é alongada de modo a adaptar-se melhor aos dois meios em que tem de ver. 


À esquerda: corte histológico da parte superior e inferior da lente;
à direita, a mesma imagem onde procurei desenhar uma circunferência que praticamente coincide com a parte inferior da lente e uma elipse (melhor seria uma oval) que delimita bem a parte superior da lente. 


Visão simultânea aérea e aquática                               Esquema do olho

Dialommus fuscus
Porque tem uma alimentação terrestre, a sua córnea está dividida, não segundo o eixo longitudinal do peixe mas verticalmente, de modo a permitir-lhe permanecer na vertical com uma córnea apontando para o ar e outra para a água, embora tenha apenas uma pupila. A divisão é feita com pigmentos e com uma condensação de colagénio.

                              
Mnierpes macrocephalus
Está provavelmente muito relacionado com o D. fuscus, pois a divisão da córnea é muito semelhante. Sendo um peixe mesopelágico, o olho auxiliar aponta para o fundo do oceano, enquanto o olho principal é dirigido para cima segundo um ângulo de 350 com a horizontal.
Segundo alguns raramente está mais de 5 minutos em contacto com o sol e mais de 20 minutos fora de água durante a noite; segundo outros, porque tem a capacidade de respirar ar e de se manter húmido, pode permanecer fora da água até quatro horas.

OLHOS TUBULARES
De qualquer modo, estas soluções não resolvem o problema dos baixos ou quase nulos níveis de luz solar que se observam nas zonas maIs profundas. Então como podem ver aí sem luz solar?
Uns utilizam a bioluminiscência, luz produzida por órgãos próprios, chamados fotóforos. Outros vivem em simbiose com seres microscópicos, como o caso muito conhecido da “associação” do Vibrio harveyi com colónias de Phaeocystis microalga, que chega a formar manchas leitosas tão grandes que são visíveis do espaço, como esta que tem mais de 250 km, chamada Mar Leitoso.


Mas há também uma outra solução: os olhos de forma tubular. Este crescimento em altura resulta como nos arranha-céus, da falta de espaço; a sua cabeça não tem suficiente espaço livre para expandir o olho de forma circular para as dimensões exigidas pela falta de luz. Com esta estrutura telescópica pode-se aumentar a quantidade de luz que entra no olho.


A retina “normal é responsável pela visão ao perto, enquanto a acessória, mais pequena, é usada para a visão ao longe. Geralmente têm muito poucos cones (não precisam destas que são responsáveis pela visão a cores), sendo constituídas especialmente por bastonetes (usados na visão a preto e branco), que podem chegar a milhões por centímetro quadrado.

Aqui ficam três exemplos: um das trilobites, já extintas, e dois peixes actuais.

Trilobite Erbenochile erbeni


Trilobite reconstituída
Fonte da imagem da esquerda: Nat Geog portuguesa Junho.2004, p.32

Peixe Macropinna microstoma 


Peixe Macropinna                                           Esquema do seu olho

Peixe Opisthoproctus soleatus

OLHOS DO MESMO LADO DA CABEÇA
Solha do mar (Pseudopleuronectes americanus)

Evolução da fase larvar (olhos na posição normal) para a forma adulta 

OLHOS DISFARÇADOS
E para terminar uma brincadeira: os falsos olhos para iludirem os predadores.


Peixe Borboleta

Olho falso                       Olho verdadeiro dissimulado com uma cinta preta


REFERÊNCIAS
(1*) Sobre as leis kosher, que definem os alimentos puros e impuros pode ler-se o cap. 8 do livro de Paul COPAN, O Deus da Bíbla é cruel? Compreender o Deus do Antigo Testamento. Uma resposta a Dawkins, Hitchens e Saramago, Aletheia, Lisboa 2011, pp. 125-134.
(2*) Uma boa e curta síntese é feita no artigo de Michael F. LAND, “The Optics of Animal Eyes” in C. MUSIO (Ed.), Vision. The Approach of Biophysics and Neurosciences, World Scientific, 2001, pp. 20-30.
(3*) Este fenómeno surge quando os raios luminosos incidem próximo da borda das lentes, o que origina uma maior refracção do que a que sofrem os raios que incidem no eixo óptico. Assim, o resultado é uma imagem desfocada ou borratada.