terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Uma história da LUZ

Sumário para o blogonauta 


1. Big Bang (Sumário)
2. História milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos, filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6. Descobrimentos e a "ciência" (1)
7. Descobrimentos e a "ciência" (2)
8. Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os Lusíadas: significado da epopeia
10. As "contra-epopeias"
11. A caminho do modelo heliocêntrico
12. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
12A. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
13. O génio do "modelo experimental" (Galileu) – Descobertas
14. Caso Galileu (1)
15. Caso Galileu (2)
16. A caminho das estrelas
17. Primeiras medições astronómicas
18. Desafio das Nebulosas
19. Medição das distâncias: Descoberta das Cefeidas
20. Medição das distâncias: a Fotografia entra em cena
21. Medição das distâncias: Cefeidas como Padrão de Medida
22. Interregno: Mini-Guiness sobre as Estrelas
23. História da Luz: Olho 
24. História da Luz
25. Espectroscopia
26. Medição das velocidades das galáxias (Efeito de Doppler)
27. Lei de Hubble
28. Modelos teóricos, que partem todos da Teoria da Relatividade
29. Modelo de Einstein
30. Modelo de Friedmann-Lemaître.


Para Rembrandt, a luz é muito mais que um elemento material da pintura; faz parte do seu plano espiritual. Os seus efeitos da luz criam a forma e o espaço e a cor subordina-se a estes, pelo que é considerado o "mestre das luzes e sombras". 


Faz-se Luz
de Mário Cesariny in "Pena capital"


Faz-se luz pelo processo
de eliminação das sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes    loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem


Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina    realmente    os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpada nos dedos    e na boca.


GRÉCIA ANTIGA
Os antigos filósofos gregos distinguiam entre luz e visão. Não viam como duas entidades separadas a luz e a sensação que produzia no nosso cérebro (visão).
Poderíamos talvez resumir as várias opiniões em três “teorias”:


1) Teoria das eidolas
Leucipo (500 aC), que pertencia à reduzida escola dos atomistas, pensava que os objectos emitiam pequenas partículas da sua superfície, as eidola, que depois atingiam os nossos olhos e nos permitam ver os objectos. A luz era, portanto, essa emanação material transmitida da superfície dos objectos para o olho do observador.




No entanto, não era capaz de responder a algumas dificuldades:
- Como passavam as eidolas umas pelas outras sem chocarem ou se misturarem?
- Por que não interferiam as “nossas” eidolas com as dos nossos vizinhos?
- Como é que a imagem de um objecto grande “encolhe” para caber no olho?
- E por que não se gastam os objectos, já que estão sempre a emitir pequenas partículas?

2) Teria do fogo interno
Para Empédocles (493-430aC), que postulou a teoria dos quatro elementos, a luz e a visão estavam relacionadas com o fogo. Afrodite, ao criar o olho, ateou-lhe o fogo de modo que este o emitisse na direcção dos objectos, tornando possível a visão. Portanto, os seres vivos têm uma ténue chama dentro dos olhos. A visão está, portanto, intimamente ligada ao tacto: o “fogo interno” projecta raios de luminosos que tacteavam os objectos e retornam aos olhos trazendo consigo informações com as quais o cérebro forma a imagem.


Também aqui havia perguntas sem resposta:
- Por que não vemos no escuro?
- Haverá alguma relação entre a luz do dia e a emissão do “fogo” pelos olhos?
- Terá o meio material entre o olho e o objecto alguma influência sobre a luz e a visão?

3) Teoria da luz como qualidade dos corpos
Aristóteles (384-322 aC) foi o primeiro a adoptar a natureza "ondulatória" da luz, que seria uma espécie de fluido imaterial, uma qualidade dos corpos transparentes, que chegava aos nossos olhos através de perturbações do ar. Assim enfatizou a importância do meio material transparente, como o ar, como condição para a passagem da luz. Necessitava, contudo, da luz solar ou outra fonte luminosa. Como não aceitava a ideia de vazio, todo o espaço estava ocupado por matéria, então a luz não podia ser algo material, pois dois corpos não podiam ocupar o mesmo lugar no espaço.



Só por curiosidade, deixo uma ilustração que mostra como Arquimedes (287-212 aC) conseguiu, por meio de espelhos parabólicos, concentrar a luz do Sol incendiando os barcos romanos que faziam cerco a Siracusa (214-212 aC).

Esquema                                                        Aplicação 


Em 2005, estudantes do MIT tentaram reproduzir uma experiência semelhante, provando que era possível que este feito de Arquimedes tivesse ocorrido. 


IDADE MÉDIA
Seria muito interessante falar aqui do avanço da “física” islâmica medieval, cujos resultados só chegaram posteriormente à Europa. Destacaria apenas o persa Ibn-al-Haytham ou Alhazen (1000), que introduziu o conceito de raio de luz. Para ele, a visão era devida apenas à entrada, nos nossos olhos, da luz proveniente de fontes exteriores. A visão deve-se à reflexão dos raios solares, que considerava pequenas partículas, pelos objectos que encontravam no caminho para os olhos. Defendeu que a luz se deslocava a uma velocidade muito grande mas finita, com valores diferentes segundo o meio em que se propagava, variação que atribuiu à refracção.



NATUREZA DA LUZ
No início do século XVII já era conhecida a maior parte dos fenómenos ópticos. Mas, uma coisa era conhecê-los; outra, explicá-los cientificamente. Até meados do século surgiram muitas teorias. Mas as principais eram duas: a ondulatória e a corpuscular.

TEORIA CORPUSCULAR
Para explicar o famoso “fenómeno das cores” (a dispersão da luz por um prisma), semelhante ao arco-íris, Newton (1642-1727) fez entrar a luz solar num pequeno orifício, dotado de uma lente convergente, de modo a incidir num prisma de vidro triangular. O resultado foi a formação de uma imagem oblonga do Sol com várias bandas sucessivas coloridas.


Este fenómeno, designado por dispersão da luz branca, era interpretado como corrupção da luz branca, pura, do sol: as cores eram causadas pela sua passagem por um meio adulterador. Newton fez várias experiências e propôs várias hipóteses, nas quais verificou que não era possível decompor raios ou cores isoladas: por exemplo, o vermelho passando pelo prisma mantinha-se vermelho. Até que se lembrou de adicionar um outro cristal, mas agora invertido. E o resultado foi a recomposição da luz branca.

Do livro de Newton, Optics (1721) Vol I, Parte II, Tabela IV, fig. 16.
O raio de luz é decomposto (refractado) pelo prisma ABC, recomposto pela lente MN e de novo decomposto pelo prisma KIH.

A este conjunto de cores Newton chamou “espectro” (palavra talvez relacionada com espíritos), dividindo-o em sete cores primárias: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, numa analogia com a escala musical de sete notas.

Newton não afirmara explicitamente que a luz é feita de partículas, mas as suas explicações sugeriam que os raios de luz se comportavam como se fossem feitos de pequenos corpúsculos, correspondendo a cada cor um tipo específico de partícula, opondo-se à maioria dos cientistas de então que se inclinavam para a natureza ondulatória da luz.

TEORIA ONDULATÓRIA
Christiaan Huyghens (1629-1695) repetiu a velha crítica dos gregos. Se a luz fosse feita de corpúsculos, como é que eles se cruzavam sem perturbar o movimento uns dos outros?
Então, teve a ideia de fazer uma analogia com as ondas sonoras. Tal como o som se propaga num meio invisível como o ar, segundo um movimento que passa sucessivamente de uma parte a outra, também a luz viria do corpo luminoso até aos olhos, não pelo ar, mas pelo éter. O éter fora já introduzido para explicar a chegada à Terra da luz solar. Não havendo ar entre os dois astros a luz precisava de um meio para se propagar. Esse meio era o éter que preenchia todos os espaços vazios do Universo.
A luz seria produzida pelo fogo do sol, que contém partículas em movimento muito rápido. Tais movimentos provocariam vibrações que se propagariam no éter. Esse movimento no éter produzia a sensação de visão quando atingia os olhos das pessoas. Portanto, a luz seria justamente esse movimento que ocorreria entre os objetos luminosos e os olhos.
Huyghens postulou que cada ponto da frente de uma onda actuava como uma fonte de ondas secundárias, que formavam uma nova frente de onda.

Teoria                                                         Esquema                            

Consideremos os pontos 1, 2, 3, … da frente de onda AB. Em t segundos, a luz percorre a distância ct. Agora, com o ponto 1 como centro e um raio ct desenha-se uma esfera (a tracejado). Repete-se o mesmo para os pontos 2 e 3, etc..
Em seguida desenha-se a superfície A1B2 (na imagem da esquerda há um erro: B2 deveria ser B1) tangencial às esferas a tracejado. Como a luz vai avançando, esta nova superfície é a nova frente de onda. Repetindo o processo a onda-luz vai-se propagando.
Havia, no entanto, duas objecções sem resposta:
1) se a luz era uma onda deveria contornar um obstáculo como acontece com o som: ouvimos o som de um sino, mesmo que haja muitos obstáculos pelo meio;
2) o éter, um meio material necessário para a luz se propagar, nunca fora detectado.

DESCOBERTAS IMPORTANTES
Antes de vermos como foi resolvido este diferendo entre as duas teorias, gostaria de deixar dois apontamentos.

Velocidade da luz
Todos sabemos que a velocidade da luz é muito próxima dos 300 ml km/s. Mas antes de aqui chegarmos houve várias tentativas, cada vez mais rigorosas.
Já, num dos primeiros post (o que fala do Sistema Solar e de Júpiter), expliquei como Roemer, em 1676, fez a primeira medição experimental da velocidade da luz, aproveitando o eclipse dos satélites de Júpiter: 225 mil km/s.
Em 1849, Fizeau conseguiu um valor bastante mais aproximado. Aproveitando a ideia de Galileu, que falhara porque ele usara duas lanternas no cimo de dois montes próximos e não tinha com que medir o tempo com a precisão necessária, instalou, no alto de uma colina, um disco giratório com fendas. 



A luz emitida por uma fonte situada atrás desse disco passava pelas fendas e era reflectida num espelho situado a 8 km de distância. Ajustando a velocidade do disco, conseguia fazer a luz reflectida penetrar pela fenda seguinte àquela por onde saíra. Medindo o intervalo de tempo que demorava a segunda fenda a ocupar o lugar da primeira e a distância percorrida pela luz (16km), obteve o valor de 315 mil km/s para a velocidade da luz.

Pouco depois, em 1850, Foucault, utilizando o método do “espelho giratório” demonstrou que a velocidade da luz é maior no ar que na água, o que era mais um argumento em favor da teoria ondulatória, e, em 1862, obteve o valor de 298 mil km/s com um erro de 1000 km/s.



Deixo aqui apenas o esquema da experiência idealizada por Foucault. Torna-se um pouco longo e complicado explicar aqui os cálculos. Mas quem quiser pode vê-los no sítio referido na imagem da esquerda.

Descoberta de outras “luzes”
William Herschel, em 1800, descobriu, como já referi num post anterior, os raios infravermelhos (IV): ao medir a temperatura na zona invisível do espectro, para lá da cor vermelha, notou aí um maior aumento de temperatura. Concluindo que uma luz invisível deveria ser a responsável pelos efeitos térmicos, chamou-lhe “radiação calorífica”.
Em 1801, Wilhelm Ritter detectou um efeito químico em sais de prata causado por uma “luz” invisível para lá do violeta, a que hoje chamamos radiação Ultravioleta (UV). Interpretou esta descoberta como uma evidência da simetria da Natureza.
Mais tarde, em 1895, W. Konrad Roentgen descobriu os Raios X, cuja experiência mais célebre foi obtida pela interposição da mão da esposa entre a fonte de Raios X e uma placa fotográfica.

EXPERIÊNCIA DE YOUNG
Em 1801, Thomas Young realizou uma experiência crucial. Fez passar um feixe de luz por um cartão com duas fendas muito próximas. Quando a luz passava por uma das fendas, formava-se um região uniforme com maior intensidade no centro de um anteparo.


Mas quando passava pelas duas fendas, não apareciam duas regiões claras, mas um conjunto alternado de bandas escuras e claras.

A barra "wave theory" indica a imagem esperada pela teoria ondulatória;
a barra "particle theory" a esperada pela teoria corpuscular;
a barra "observed" mostra o que foi observado na experiência de Young.
Esta imagem e a anterior foram adaptadas.

Para explicar este resultado, imaginou que os dois raios de luz se comportavam como duas ondas, numa tina de água, cuja amplitude aumenta quando as duas cristas se sobrepõem e se anula quando a crista de uma onda coincide com o vale da outra.

                 Experiência de Young                           Esquema                           Imagens com 2 fendas e só com uma   

Contudo, a ideia de a luz produzir escuridão era contra-intuitiva, pelo que a interpretação de Young não colheu muitos defensores. As coisas só mudaram quando, em 1819, Augustin Fresnel demonstrou matematicamente este fenómeno de interferência, oferecendo mais um argumento favor da teoria ondulatória da luz.



ESPECTRO ELECTROMAGNÉTICO
Michael Faraday (1791-1867), que se dedicara o estudo dos fenómenos eléctricos e dos magnéticos, verificou que estavam intimamente relacionados: um campo magnético afectava o plano de polarização da luz. Embora ele fosse um excepcional experimentalista, não dispunha de suficientes conhecimentos, para traduzir estas relações em equações matemáticas.
Foi J.C. Maxwell quem, em 1862, desenvolveu a Teoria Electromagnética, que podia resumir-se por meio de quatro elegantes equações. A elegância das matemáticas é um aspecto a que muitos cientistas são sensíveis. “Por estranho que pareça, a beleza matemática guiou cientistas teóricos em predições que mais tarde foram confirmadas pela experiência. O exemplo de Maxwell é sempre um exemplo a recordar. Ao ver que duas das suas equações não apresentavam uma estrutura e um comprimento semelhantes quando escritas no papel, pressentiu a existência de um termo que devia faltar, com o qual estabeleceu as leis do electromagnetismo, predisse a existência das ondas electromagnéticas e interpretou a luz como mais uma dessa ondas. Uma grande descoberta baseada na estética das equações” (1*) mas também de muito trabalho e imaginação.


Mesmo não percebendo nada de matemática nem dos símbolos das operações aqui utilizados, todos podem admirar como é que, com num formalismo tão simples, se pode condensar a teoria electromagnética. Repare-se na simetria ou semelhança das quatro equações: B refere-se ao campo magnético e E a campo eléctrico. 

Na verdade, esta teoria estabelece que, como Faraday já verificara experimentalmente, a variação de um campo eléctrico provocava uma variação de um campo magnético e vice-versa. Mas a grande descoberta é que a velocidade de propagação destas variações era igual à velocidade da luz. Então a luz visível faz parte do espectro electromagnético.
Maxwell concluiu que a luz consistia em dois campos, um eléctrico e outro magnético com as respectivas ondas a oscilar segundo dois planos perpendiculares (ondas electromagnéticas), que se transmitiam através do “éter”.





Falta acrescentar que esta foi uma das descobertas teóricas mais importantes. Como veremos mais tarde, as teorias que unificam fenómenos são muito importantes sobretudo nos primeiros momentos do Universo. Além disso, ao unificar os dois campos - eléctrico e magnético - Maxwell descobriu a força electromagnética, uma das quatro forças fundamentais que regulam todos os fenómenos da natureza. Esta concretamente é responsável pelas ligações químicas e pela estabilidade de toda a matéria a nível atómico. Mas esta é uma história que ficará para mais tarde.


Alguns anos depois, Heinrich Hertz (1857-1894) fez uma experiência que iria revolucionar toda a comunicação.
Ao produzir faíscas num circuito eléctrico, verificou que estas originavam ondas electromagnéticas, que podiam ser transmitidas pelo ar e detectadas, num circuito semelhante, a alguns metros de distância.

Estavam descobertas as ondas hertzianas, que transportam a informação radiofónica e televisiva.
São apenas mais um tipo de “luz”, as ondas de Rádio, tal como as radiações IV e UV e os Raios X, todas elas pertencentes ao espectro electromagnético.




Ficava por resolver o problema do éter, que ninguém conseguia detectar. Mas disso falarei mais à frente.
Como se vê hoje ficam muitas pontas dependuradas, mas haja calma e paciência...

Referência bibliográfica
(1*) Eduardo BATTANER, Qué es el Universo? Qué es el hombre?, Alianza, Madrid 2011, p. 64.