segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O génio do "modelo experimental" (Galileu)

Sumário para o blogonauta

1. Big Bang (Sumário)
2. História milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos, filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6. Descobrimentos e a "ciência" (1)
7. Descobrimentos e a "ciência" (2)
8. Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os Lusíadas: significado da epopeia
10. As "contra-epopeias"
11. A caminho do modelo heliocêntrico
12. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
12A. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
13. O génio do "modelo experimental" (Galileu) - Descobertas
14. Caso Galileu
15. Medição das distâncias astronómicas (Cefeidas)
16. Medição das velocidades das galáxias (Efeito de Doppler)
17. Lei de Hubble, que apresenta provas experimentais da expansão do Universo
18. Modelos teóricos, que partem todos da Teoria da Relatividade
19. Modelo de Einstein
20. Modelo de Friedmann-Lemaître.

Uma imagem por post


 
GALILEU GALILEI (Pisa, 15.Fev.1564 – Florença, 8.Jan.1642)

Foi um físico, matemático, astrónomo e filósofo italiano que desempenhou um papel fundamental na chamada revolução científica. Filho de Vincenzo Galilei, um tocador de alaúde, conhecido pelos seus estudos sobre a teoria da música, começou por estudar medicina, pois, na opinião do pai, sempre dava mais dinheiro que a astronomia. Conviveu com muita gente famosa da época, entre a qual fez amigos e inimigos. Tinha uma grande auto-confiança, adorava polémicas, tinha um temperamento algo arrogante, irónico. Não admira, pois, que diferentes biógrafos apresentem um Galileu diferente (1*).
Foi um teórico brilhante, um mestre experimentalista, um observador meticuloso e um inventor hábil (2*). Mas sobretudo tinha uma enorme curiosidade acerca do mundo e tudo o que nele existia, o que o levou, uma vez a desabafar: “Quando deixarei de me interrogar?”, antecipando, de algum modo, a "dúvida metódica" de Descartes.


A sua vida pode dividir-se em três períodos (3*):
- até 1610, onde se dedicou a fazer várias invenções e a estudar o movimento dos corpos;
- de 1610 a 1633, o seu período mais fecundo e polémico, durante o qual amadureceu as suas convicções, assumiu a defesa de Copérnico, fez amizades influentes que podem tê-lo libertado da fogueira mas acabou por (ter de) abjurar perante a Santa Inquisição;
- de 1633 até à morte em 1642, em que se limitou a escrever o Discorsi e Demonstrazioni Matematiche intorno a due Nuove Scienze (Discursos e Demonstrações matemáticas sobre as duas novas ciências), que se tornou um texto fundamental da física moderna.

Irei dividir o segundo período em duas partes:
- na primeira procurarei enumerar suas principias descobertas e suas consequências científicas;
- na segunda, descrever as principais polémicas conhecidas globalmente por "Caso Galileu", que será objecto do post.


1º PERÍODO (até 1610): MUDANÇA EPISTEMOLÓGICA
Nesta fase procedeu a várias invenções: uma balança hidrostática para determinar o peso específico dos corpos; uma bomba para elevar água movimentada por cavalos; uma régua de cálculo, o compasso geométrico-militar, o termoscópio, uma espécie de termómetro primitivo.
Mas sobretudo introduziu um método novo de obter o conhecimento, o que, em linguagem filosófica, se chamaria uma mudança epistemológica. Esta mudança consistiu em ter passado, usando uma linguagem simples, do “método observacional” ao “método experimental”. Esta nova metodologia, esta a maneira nova de construir o conhecimento é muito semelhante ao método científico moderno: observa, procura por meio de cálculos matemáticos elaborar uma teoria que depois testa com a experimentação. Já não basta a Razão Pura. Entrámos na era da Experimentação.
Assentava no princípio da quantificação (4*), isto é, a preocupação "quantificar" a realidade, isto é, apresentar as realidades observadas por meio de unidades mesuráveis, com o objectivo de estabelecer alguma relação matemática que, mais tarde, permitisse formular leis generalizáveis para situações semelhantes.
É este método que ele vai utilizar nas várias descobertas e leis que estabeleceu.

Lei (do isocronismo) do pêndulo (1583)
Verdade ou não, conta-se que Galileu, quando assistia à missa, verificou que um dos candieiros balouçava. Então, utilizando a sua própria pulsação como "reógio", verificou que, em cada oscilação, o período (o tempo que o candieiro oscilante demorava a chegar à situação incial) se mantinha constante. Outros referem uma observação análogo quando, num dia de tempestade, ele ia na rua e começou as observar e a medir a oscilação dos candeeiros. Estava feita a Observação.
Depois, ao chegar a casa começou a Experimentação. Utilizou vários pêndulos e confirmou o que observara: descobrira a lei do isocronismo do pêndulo, determinando que o seu período não depende da massa, mas apenas do comprimento do fio. Foi o primeiro a pensar que este fenómeno permitiria fazer relógios muito mais precisos, e já no final da sua vida viria inventou o “mecanismo de escape” que, mais tarde, originaria o relógio de pêndulo. Mas encontrou logo uma aplicação, desenvolvendo o pulsílogo, um pêndulo simples que podia servir para medir a pulsação dos doentes. Essa descoberta foi feita ainda ele era estudante de medicina.

Lei do movimento
Galileu dedicou especial atenção ao estudo do movimento dos corpos, especialmente ao chamado problema da “queda dos graves”, isto é, dos objectos atraídos pela Terra. Para poder tratá-lo cientificamente teria de resolver duas dificuldades delicadas.
A primeira tinha a ver com o facto de os corpos, em queda livre, se deslocarem tão rapidamente que ele não podia medir as distâncias com suficiente rigor. Para superar esta dificuldade utilizou o “truque” do plano inclinado. Imaginou que poderia haver uma relação muito estreita entre os dois tipos de queda: na vertical ou através do plano inclinado. Para o provar, utilizou planos inclinados com crescentes ângulos e foi verificando que essa relação realmente existia.
Havia, no entanto, uma segunda dificuldade mais complicada: ele precisava de medir com muito rigor o tempo mas não dispunha de relógios suficientemente precisos. Vários comentadores dizem que terá utilizado um relógio de água, o que não me parece muito crível. Mais acertada me parece a do “instrumento musical” (4*). O seu pai dera-lhe uma educação musical com tal sucesso que lhe refinou o ouvido a ponto de poder detectar até 1/32 avos do segundo, o tempo médio de uma semifusa.


A indicação 120 significa que o tempo musical dessa nota (Semínima) corresponde ao de uma batida quando o metrónomo dá 120 batidas por minuto (BPM), ou seja, meio segundo. Não é um valor fixo, variando conforme o autor quer dar maior ou menor “andamento” a um texto musical: do “gravíssimo”, inferior a 40 BPM, a “prestíssimo”, superior a 200 BPM. Se, por acaso, a indicação fosse 240, o tempo musical da Semínima seria 1/4 de segundo.

Depois desta incursão por terrenos demasiados movediços para mim, espero ter ajudado a perceber que um ouvido bem treinado pode chegar a distinguir intervalos de tempo muito pequenos, como aconteceu com Galileu.
Foi, então, que ele teve a ideia de fazer do plano inclinado um instrumento musical. Colocou uma série de cordas de alaúde ao longo do plano em ranhuras transversais. Então deixava uma esfera deslizar pelo plano, a qual, ao passar pelas cordas, emitia um som musical. Galileu foi deslocando as cordas ao longo do plano de modo a que os intervalos de tempo entre cada som fossem iguais.
Ao medir as distâncias entre as cordas, verificou que aumentavam segundo uma lei quadrática, isto é, enquanto o tempo progredia linearmente (1, 2, 3, 4, 5, 6), os espaços percorridos aumentavam quadraticamente: 1, 4 (22), 9 (32), 16 (42), 25 (52), 36 (62).


Em seguida utilizou planos com ângulos de inclinação diferentes. E a relação quadrática mantinha-se.




Finalmente substituiu a esfera por outras de peso diferente e verificou que, também neste caso, obtinha a mesma relação.
É fácil de perceber que Galileu não tenha seguido a ordem que aqui apresentei, que me pareceu a mais "pedagógica". Galileu começou pelos planos inclinados com menor ângulo e foi aumentando esse ângulo até que chegou a um ponto que a velocidade da esfera era tal que ele não conseguiu fazer as medições. Mas como a relação quadrática se mantinha em todos os planos inclinados que ele pode medir, concluiu que também em queda livre na vertical a relação seria a mesma.
Daqui tirou duas conclusões:
1) a velocidade da queda não depende do peso;
2) a relação espaço / tempo é quadrática: um objecto não cai para o solo a uma velocidade constante, mas cada vez mais rapidamente; acelera cada vez mais; o que é constante é o incremento de velocidade.
Isto é, o espaço percorrido era igual a um número constante que multiplicava o quadrado do tempo. Como era matemático, facilmente traduziu esta relação por meio de uma equação algébrica:

e = A t2
e é o espaço percorrido pela esfera;
t é o tempo que a esfera demora a percorrer esse espaço e.
A tinha valores diferentes conforme a inclinação do plano, mas, em cada plano era sempre constante. 

Assim, pela primeira vez, foi possível descrever o movimento de um corpo de uma forma matematicamente correcta. E hoje muitos meninos e meninas do Secundário sabem quanto vale aquele A, no caso de um corpo cair em queda livre:

e = 1/2 g t2,
em que g é a aceleração da gravidade da Terra (9,8 m/s2); portanto A = 4,9 m/s2.

Mais ainda: teve a percepção de que as diferenças, que surgiam quando se utilizavam objectos de diferentes pesos (densidades) ou formas (esfera ou uma pena de galinha), eram devidas à resistência do ar, como mais tarde foi fácil de demonstrar quando se fizeram experiências numa câmara de vazio.

Movimento de um projéctil (Balística)
Galileu deu também uma especial atenção à Balística, ou seja, ao movimento de um projéctil.
Segundo a mecânica aristotélica, a bala era impulsionada primeiramente pela força da explosão, seguindo uma linha recta e só, quando esta força se esgotasse, entraria em acção a força da gravidade obrigando-a a cair na vertical.
Mas Galileu, nas suas experiências, verificou que o movimento descrito pela bala de um canhão era uma parábola.

                                       Aristóteles                                                                   Galileu

Por isso, afirmava que havia duas forças a actuar em simultâneo. E é isto que realmente acontece.

O projéctil segue a trajectória definida pela força resultante da soma das duas que actuam sobre ele.

Esta descoberta veio introduzir duas importantes conclusões:
1) podendo definir correctamente a verdadeira trajectória da bala de canhão, era possível controlar com maior exactidão os disparos: assim se transformou o estudo da artilharia militar numa ciência;
2) introduziu uma nova ideia no conhecimento científico: todos os movimentos podem ser explicados pela combinação das várias forças lineares que actuam simultaneamente sobre um objecto: assim lançou as bases da Mecânica que viria a ser formalizada mais tarde por Newton.

No meio de tudo isto, a sua veia irónica ainda encontrou tempo para, em 1591, escrever um poema satírico Contro il portare la toga, cujo título é suficientemente explícito quanto ao seu conteúdo.
Neste primeiro período da sua vida, a única referência ao sistema copernicano aconteceu numa conferências públicas a propósito da (super)Nova SN1604 (Kepler), quando afirmou que, dada a impossibilidade de medir a paralaxe, a estrela estaria para lá da Lua e, portanto, podiam ocorrer mudanças no espaço supralunar, o que era um argumento contra Aristóteles e a favor da teoria heliocêntrica de Copérnico.


2º PERÍODO (1610-1633): TEMPO DE TODAS AS POLÉMICAS
Este período começa propriamente em 1609, quando Galileu soube da existência de um “telescópio” e começou a aperfeiçoá-lo, conseguindo obter um ampliação de 30 vezes. O nome que lhe deu aparece logo no título do livro, em que descreve as suas descobertas, o Sidereus Nuntius (O Mensageiro das Estrelas), escrito em latim (1610) e de que há uma tradução portuguesa (ver nota 3*). Para esse instrumento novo, inventou um neologismo, uma palavra nova: perspicillum.


Este vocábulo está formado pelo prefixo intensivo per-, pelo radical  -spic-, variante de -spec-, "ver" e pelo sufixo diminutivo -illum. Pode ter-se inspirado no verbo latino perspicio, "ver atentamente", de  per- e specio, "ver". De qualquer modo, a palavra não pegou. Em linguagem comum era a "luneta" e, entre os cientistas, foi, mais tarde, substituída por telescópio, palavra composta de dois elementos gregos tele (τελε), "longe" e scopéo (σκοπέω), "ver". 
 Neste livro explica como construir uma luneta que amplie, por exemplo, vinte vezes, a ampliação mínima para fazer observações e confirmar as que descreve no seu livro: "Basta desenhar dois círculos … em que o diâmetro do maior seja 20 vezes o do outro. Em seguida, observam-se simultaneamente ambas as superfícies presas numa parede, vendo a menor com o olho no aparelho e a outra com o olho livre, mantendo ambos os olhos abertos. Nestas circunstâncias, ambas as figuras parecerão do mesmo tamanho se o instrumento multiplicar os objectos segundo a desejada proporção” (p. 34). Por esse meio ele conseguia medir ângulos da ordem de um a dois segundos de grau.


1610
Este foi um verdadeiro annus mirabilis tal o número e a importância das suas observações, que aparecem resumidas no frontispício do livro: in LVNAE FACIES, FIXIS INVMERIS, LACTEO CIRCVLO, STELLIS NEBVLOSIS,  apprime verò in qvatvor planetis circa iovis stellam disparibus interuallis” ( na face da Lua, nas inúmeras (estrela) fixas, na Via Láctea, e, verdadeiramente pela primeira vez, nos quatro planetas (que orbitam) em torno da estrela Júpiter, com desiguais intervalos). Além destas, há ainda a acrescentar a “irritante” forma de Saturno, as “fases de Vénus” e as “manchas solares”.

1.Superfície da Lua
Ao olhar a Lua através da sua luneta, verificou que:
- “o limite que divide a parte escura da iluminada não se estende uniformemente segundo uma linha oval, como deveria ocorrer num sólido perfeitamente esférico”;
- na parte iluminada observam-se “uma grande quantidade de pequenas manchas negras perfeitamente separadas da parte escura”;
- “na parte escura, o que representa uma maravilha maior, aparecem inumeráveis pontos luminosos completamente separados e desgarrados da região iluminada, afastando-se dela de um intervalo não pequeno. Estes pontos, pouco a pouco, transcorrido algum tempo, aumentam de tamanho e de brilho, unindo-se, depois de duas ou três horas, à restante parte iluminada que se tornou maior”.


A conclusão é óbvia: a superfície da Lua é irregular porque apresenta:
- irregularidades no linha que separa a parte iluminada e a escura;
- zonas escuras na superfície iluminada, que serão as sombras projectadas pelas montanhas iluminadas pelo Sol;
- pontos luminosos que vão aumentando de brilho na parte escura, que serão montanhas que a luz solar vai iluminando cada vez mais, conforme acontece na Terra.   
Estes dados refutam a tese aristotélica de que os céus são perfeitos, e em particular a Lua que devia ser uma esfera lisa e imutável. Galileu apresenta vários desenhos, incluindo crateras e até afirma que as montanhas serão mais altas do que as da Terra. Este erro pode ter três causas: 1) a distância da Terra à Lua, no seu tempo, não estava bem determinada; 2) ele não conhecia o Everest; 3) não calculava a altura das montanhas que conhecia a partir do nível do mar, como fazemos agora.
Neste capítulo critica:
-“alguns que disseram que a Lua possui brilho próprio e natural” ou o “toma de todas estrelas”, porque, se assim fosse, deveria continuar a brilhar nos eclipses;
- “outros (como Tycho Brahe) que dizem que o toma de Vénus”, o que é uma afirmação “tão pueril que não merece resposta”;
- “e outros que dizem que o toma do Sol, o qual atravessaria com os seus raios o espesso corpo lunar”,  o que é impossível “pois, nesse caso, (o seu brilho) nunca deveria diminuir, dado que há sempre um hemisfério da Lua que está iluminado pelo Sol”.
Como única solução restante fica a Terra, que até já tinha sido avançada por Kepler: “Acaso o próprio corpo da Lua ou de qualquer outro opaco e escuro não se verá coberto de luz pela Terra? Qual a admiração? De facto, em justa e agradecida compensação, a Terra devolve à Lua uma iluminação semelhante à que recebe quase continuamente da mesma Lua nas mais profundas trevas da noite” (p. 49-50)!!!

2.Estrelas fixas e Planetas
Ao apontar a sua luneta para o espaço celeste, observou que :
-“as estrelas fixas e as errantes (planetas) (Stellæ, tam fixæ, quam errabundæ) não parecem aumentar de tamanho na mesma proporção em que crescem os demais objectos, incluindo a Lua”: esta falta de aumento era um argumento a favor da hipótese de Copérnico sobre a existência de uma enorme distância entre Saturno e as estrelas fixas.
-há uma “diferença entre as aparências dos planetas e das estrelas fixas (inter Planetarum atque fixarum Stellarum aspectus: aqui já fala de planetas e não de estrelas errantes): os planetas apresentam globos extremamente redondos e delimitados… enquanto as estrelas nunca se vêem limitadas por um contorno circular, apresentam fulgores cujos raios vibram em redor e cintilam notavelmente”.

3. Via Láctea
A observação da Via Láctea deixou-o pasmado devido ao incontável número de estrelas que ele não suspeitava que existissem: “além das estrelas de sexta magnitude vê-se com o óculo uma coisa difícil de crer: um numeroso rebanho de outras estrelas que escapam à visão natural”.
Por exemplo, na constelação do Orion viu mais de 500 estrelas, tendo desenhado “apenas” 80 e na constelação das Pleiades encontrou mais de 40 invisíveis de que desenhou 30.


Portanto “a GALÁXIA não é outra coisa senão um conglomerado de inumeráveis estrelas reunidas em nuvens. Para qualquer lado que se dirija o óculo, imediatamente se apresenta uma enorme quantidade de estrelas, algumas das quais parecem enormes e conspícuas, se bem que fica completamente incalculável o número das pequenas”.

4. Nebulosas
Mas as novidades não pararam por aqui.
“Além disso (o que aumenta ainda mais o assombro), as estrelas, que até este dia são denominadas NEBULOSAS por todos os astrónomos, são agregados de estrelinhas admiravelmente espalhadas … assim surge aquela brancura que até agora se tinha tomado por uma parte mais densa do céu capaz de reflectir os raios do Sol ou das estrelas”.

                                                                                                                 M44 (Nebulosa Praesepe)


5. Luas de Júpiter
Metade do livro é dedicada às suas observações diárias de Júpiter e seus satélites entre 7.Jan e 2.Março.2010: são 64 “desenhos” que Galileu fez para registar todas as observações, tendo o cuidado não só de registar a presença de cada satélites mas também a distância angular a que cada um se encontrava do planeta. Foi certamente a sua descoberta mais famosa, como ele próprio reconhece: “Resta o que parece o mais notável do presente trabalho, que é mostrar e dar a conhecer quatro planetas nunca vistos desde a criação até aos nossos dias e as circunstâncias da sua descoberta e observação assim como as suas posições e as observações realizadas nos dois últimos meses sobre as suas deslocações e mudanças”.
Realmente provocou uma tal admiração em toda a Europa que o astrónomo jesuíta Cristóbal Clavio afirmou: “Todo el sistema de los cielos ha quedado destruido y debe arreglarse”.

Apontamentos de galileu e uma simulação computacional


Após as observações dos dias 10 e 11 de Janeiro, nas quais apenas viu duas luas, fez o seguinte comentário: “Isto é, só duas estrelas (Stellas scilicet tantum duas: aqui fala de estrelas) a oriente… Dessa forma, pus fora de toda a dúvida que no céu havia três (mais à frente acrescenta: “E não só três, mas certamente são quatro os astros errantes”) estrelas errantes em torno de Júpiter à maneira de Vénus e Mercúrio em torno do Sol”.
Este era talvez o argumento mais demolidor do sistema geocêntrico. No final sintetiza estas observações dos “quatro Planetas Mediceus", (no frontispício do livro aparece bem destacado MEDICEA SIDERA, “astros mediceus”):
- dado que “umas vezes seguem e outras precedem Júpiter com intervalos semelhantes … ninguém pode duvidar de que realizam as suas revoluções em torno dele”;
-“giram em círculos desiguais”;
 -“são mais velozes as revoluções dos planetas que descrevem círculos menores”.
E termina com a inevitável conclusão: “E temos aqui um argumento notável (præclarumque habemus argumentum) para eliminar as dúvidas daqueles que, aceitando com tranquilidade o sistema copernicano, se sentem contudo conturbados pelo movimento apenas da Lua em torno da Terra, enquanto ambas descrevem uma órbita anual em torno do Sol, a ponto de considerar que se deve rechaçar por ser impossível esta ordenação do Universo. De facto, agora temos não um planeta girando em torno de outro enquanto ambos percorrem uma órbita em torno do Sol, mas certamente quatro estrelas que, como a Lua em redor da Terra, se oferecem aos nossos sentidos girando em torno de Júpiter, enquanto todos eles percorrem junto com Júpiter uma grande órbita em torno do sol no lapso de 12 anos”.
E termina, reflectindo sob a forma das órbitas para eliminar várias hipóteses, incluindo a elipse: “Um movimento oval parece não só impensável, mas também em nada consoante com as aparências”. Tudo leva o seu tempo!
Para amenizar, conto um pequeno detalhe “anedótico”. Como os irmãos Medici eram quatro, Galileu decidiu chamar às luas de Júpiter “Planetas Mediceus". Mas como queria impressionar o mais velho e poderoso, o Cosme, alterou para “Planetas Cosmicanos”. Contudo, o secretário deste achou que a homenagem perderia o impacto dada a semelhança com “Planetas Cósmicos”. Galileu apressou-se a ir à gráfica para repor o título original. E, assim, conseguiu o que tanto aspirava: trabalhar na corte do grão-duque Cosimo II de Medici, em Florença.

Quis demorar-me um pouco neste livro, porque sobretudo as luas de Júpiter colocavam um problema muito sério: assim sendo, já não havia um centro (a Terra ou mesmo o Sol, conforme o sistema preferido), mas vários centros ou, até mesmo, nenhum centro.
Foi esta linha que seguiu G. Bruno que, ao afirmar que o Universo era infinito (e, portanto, não tinha centro), teve como recompensa a fogueira da Inquisição. Mas estes são outros caminhos, igualmente importantes, mas que não sei nem quero percorrer.


Fica só uma referência: Giordano Bruno,  ao contrário do que muitos pensam, não foi queimado por defender o heliocentrismo, mas porque um dos pontos chaves da sua cosmologia é a tese do universo infinito e povoado por uma infinidade de estrelas, como o Sol e por outros planetas, nos quais, tal como na Terra, poderia existir vida inteligente.
Mas uma Enciclopédia católica (1913) afirma que "Bruno não foi condenado pela sua defesa do sistema copernicano da astronomia, nem pela sua doutrina da pluralidade dos mundos habitados, mas pelos seus erros teológicos, entre os quais o seguinte: que Cristo não era Deus, mas apenas uma mago excepcionalmente hábil, que o Espírito Santo é a alma do mundo, que o Diabo será salvo, etc.".



Mais descobertas
Antes de me referir às novas descobertas, gostaria de fazer um pequeno intróito sobre o costume seguido por alguns cientistas da época para evitar que alguém lhes roubasse a paternidade de uma descoberta, um perigo hoje ainda mais grave... mas deixemo-nos de má língua. O estratagema consistia em usar um  anagrama, uma  frase em que se utilizam as mesmas letras da frase original mas ordenadas de forma diferentes. Talvez tenha tido a sua origem em Leonardo da Vinci (1452-1519) que escrevia as suas descobertas de maneira invertida, de modo que se poderia ler somente através de um espelho.
Galileu também se serviu deste método várias vezes, como veremos.

A 15.Julho.1610, Galileu apontou pela primeira vez o seu telescópio para este planeta. E ficou tão surpreendido que escreveu, a 30.Julho, uma carta (6*) ao secretário de Cosme de Medicis: “Comecei no dia 15 deste mês a observar de novo Júpiter, de manhã, da parte oriental, com a sua formação de planetas Mediceus, e descobri uma outra muito estranha maravilha, que gostaria de dar a conhecer a Vossa Excelência…, mantendo-o, contudo, em segredo até eu ter publicado o meu trabalho … a estrela de Saturno não é uma única estrela, mas é uma composição de três, que quase se tocam,  nunca mudam nem se movem entre si, estão alinhadas ao longo do zodíaco, a estrela do meio é três vezes maior que as duas laterais e têm a seguinte disposição oOo”.
       
Para guardar o segredo e a prioridade da sua descoberta mandou, nos finais de Julho, aos cientistas amigos, nos finais de Julho, um anagrama, que encontrei sob três formas:
- smaismrmilmepoetaleumibunenugttauiras, igual ao anterior mas com a primeira parte em último lugar;
Assim todos saberiam que ele tinha feito uma descoberta, embora não soubessem qual. 
Kepler bem se esforçou para o decifrar, mas não conseguiu. Em Novembro, Galileu mandou aos amigos a verdadeira frase “Altissimum planetam tergeminum observavi” (“Observei o planeta mais alto [Saturno] como se fosse um planeta trigémeo”.
Ainda nesse ano escreveu: “Se olharmos com um instrumento que não tenha muito poder de aumento, ele não aparecerá como três estrelas distintas, mas aparecerá como uma estrela alongada na forma de uma azeitona”.
Em Dezembro, depois de ter estado sem o observar durante dois meses, verificou que as estrelas laterais tinham desaparecido e tinha a forma perfeitamente circular como Júpiter.
Daí a mais uns meses, quando o observou de novo e esperava ver o corpo triplo, verificou que “os dois companheiros não são mais dois globos pequenos e perfeitamente redondos como eram vistos antes, mas são agora corpos muito maiores, e não são mais redondos, mas sim duas meia elipses com dois pequenos triângulos negros no meio e contíguos ao centro do planeta, que continua a aparecer perfeitamente circular”.
           
Em 1612, perante tal baralhada, acabou por desabafar: “Agora o que posso dizer de tão estranha metamorfose? Talvez as duas estrelas mais pequenas se consumam como as manchas solares? Talvez desapareçam e se escapem repentinamente? Talvez Saturno as devore como aos seus próprios filhos?”. E chega a tal ponto de desespero que admite que “se trate de uma ilusão ou de uma fraude do próprio aparelho”. E, sendo assim, será que todas as observações não passam de fraudes? (7*).
Nos anos seguintes, muitos investigadores se dedicaram ao assunto, fazendo hipóteses sucessivas
               
até que, em 1656, Christiaan Huygens propõe finalmente a existência de um anel à volta do planeta. Estava resolvido o mistério:. o anel de Saturno visto da Terra ia tomando formas variáveis conforme o ângulo em que era visto

   Solução de C. Huyghens (1656)                                                Saturno visto hoje                                     



7. Fases de Vénus
Uma das afirmações de Copérnico é que Vénus devia ter fases como a Lua (e também Mercúrio, mas esse era muito mais difícil de observar). Por isso, Galileu resolveu observar Vénus e fez mais uma descoberta sensacional.

        Desenhdas por Galileu (Il Saggiatore)                                            Observadas hoje

Contudo, embora tivesse feito esta observação em Outubro de 1610, só a publicou em 1623 no Il Saggiatore, pelo que, para assegurar a sua autoria, utilizou mais uma vez um anagrama que enviou aos amigos. Kepler ficou de novo desesperado, por não ser capaz de o decifrar, a ponto de lhe escrever: «Suplico-vos que não nos escondais por mais tempo a solução. Deveis saber que estais a tratar com alemães honrados ... lembrai-vos do embaraço que me provoca o vosso silêncio”. Finalmente Galileu revelou o segredo:

Vénus realmente apresentava fases como a Lua.
Esta descoberta era um teste decisivo para os dois sistemas em confronto. No sistema geocêntrico, Vénus não apresenta fases, pois aparece sempre com a mesma forma, visto da Terra.
Assim, galileu provou que, se o modelo geocêntrico fosse verdadeiro, as fases de Vénus não seriam as que ele observou, concluindo que tinha finalmente destronado o sistema geocêntrico.
Mas não é bem assim. Há aqui uma subtileza “científica”. Este teste prova efectivamente que o modelo geocêntrico é falso, mas não prova que o modelo heliocêntrico seja verdadeiro. Porquê? Porque pode haver outras soluções. Este é argumento pela negativa pois apenas prova a falsidade de um dos modelos, mas não a veracidade do outro, situação que é muito frequente no raciocínio científico. É fácil perceber a razão: para eliminar um modelo ou uma teoria basta que haja uma situação em que ele falhe; mas para a provar, não basta dar resposta positiva a uma única situação.
Foi por isso que os astrónomos jesuítas ficaram perante um dilema: ou reconheciam o sistema copernicano ou encontravam uma alternativa. Optaram, naturalmente, por esta segunda atitude, voltando-se para o modelo ticónico, que nunca lhes merecera especial consideração
Galileu fez ainda uma outra observação interessante: a variação de tamanho significava que Vénus não orbitava a Terra, pois, se a orbitasse, deveria ter sensivelmente o mesmo tamanho. Portanto mais um argumento contra o sistema ptolomaico.

As referências mais antigas a manchas solares datam de 364 aC e aparecem num catálogo de estrelas do astrónomo chinês Gan De. A primeira menção clara na literatura ocidental deve-se ao monge Adelmus (17.Março.807), que observou uma grande mancha visível durante oito dias; contudo, atribuiu-a ao trânsito de Mercúrio. O primeiro registo ocidental aparece nas Crónicas de John of Worcester (1129), que também as atribuiu a trânsitos planetários.


Quem foi o pai da criança?
Com as observações de Galileu rebentou uma grande polémica sobre a paternidade da descoberta das manchas solares. É possível que Thomas Harriot e Galileu tenham sido os primeiros a observá-las, em 1610, e sabe-se que Johannes Fabricius e Christoph Scheiner também o fizeram em 1611. O problema está na data da divulgação. O que aconteceu terá sido o seguinte.
Em finais de 1610, Galileu observou-as, mas apenas revelou a sua existência no "Discurso sobre os corpos flutuantes" (1612) e, com maior detalhe, nas "Cartas sobre as manchas do Sol" (1613), que iremos ver com mais pormenor, a seguir. Estas três cartas, dirigidas a Marco Welser, foram publicadas com o nome de Istoria e dimostrazioni intorno alle macchie solari em 1613 (edição de 1655), como se vê na capa do livro.


Antes, porém, em Junho 1611, J. Fabricius, que tinha observado as manchas solares pela primeira vez em 27.Fev.1611, editara também as suas observações no De Maculis in sole observatis et apparente earum cum Sole conversione, Narratio (Narração sobre a observação de manchas no Sol e a sua aparente rotación con el Sol), sendo, portanto, o primeiro a publicar os resultados, como também pode ver-se pela capa do livro.


E concluíra, tal como fará Galileu, que as manchas estão ligadas à superfície solar e que, portanto, o Sol deve ter um movimento de rotação.
O seu livro, contudo, passou despercebido, pois foi “ofuscado” pela publicação dos resultados do brilhante astrónomo C. Scheiner, que incluíam uma medida da inclinação do eixo de rotação das manchas relativamente ao plano da Eclíptica, tão rigorosa que apenas se desvia alguns minutos de grau do seu valor actual.


Contudo, as manchas solares entravam em conflito com o "dogma" de que o mundo celeste devia ser perfeitamente puro. Por isso, Scheiner ficou perante um dilema: devia publicar porque observara; mas não podia publicar, porque, sendo jesuíta, estava “amarrado” à doutrina oficial da Igreja. Para resolver este drama, enviou as suas descobertas a um amigo (Marco Welser, o mesmo a quem Galileu escreveu também as três Cartas atrás referidas), que publicou, no final de 1611, as suas cartas, sob o pseudónimo Apelles latens post tabulam (“Apeles escondido atrás do quadro”). Entretanto mandara entregar cópias a Kepler e a Galileu, o que originou a acesa disputa sobre a paternidade da descoberta. 


Convém referir que Galileu olhava, pelo menos, nas suas primeiras observações, directamente o Sol, o que pode ter sido a causa da cegueira que o atingiu nos últimos anos da sua vida. Para ter melhores condições, o Sol era observado imediatamente antes de se pôr ou logo depois de nascer. Entretanto, Galileu tomou como assistente Benedetto Castelli, o primeiro a descobrir uma estrela binária, a de Mizar, Zeta Ursae Majoris (ζ UMa), que introduziu uma nova técnica, já utilizada por Fabricius e Scheiner: a câmara escura, que veio a ter um papel fundamental na descoberta da fotografia e que possibilitava a observação indirecta do Sol, através da sua imagem projectada numa folha de papel. 

Página do seu libro "Rosa Ursina" (1630)

No meio desta confusão, o grande prejudicado foi o físico Thomas Harriot, já que, tendo sido o primeiro a detectar as manchas solares, em 1610, apenas informou os amigos, sem nunca publicar nada. Aliás, sucedeu o mesmo com a lei de refracção da luz que ele descobriu antes de de Snell, que o fez apenas em 1621, sendo considerado por todos como seu autor. Por isso ficou conhecida e é estudada como lei de Snell.


A grande discordância entre Scheiner e Galileu era sobre a inalterabilidade do céu. O jesuíta dizia que as observações através do telescópio não comprovavam nenhuma alteração no céu, porque as manchas eram formadas pela agregação de inúmeros planetas, todos circundando o Sol. A distância entre eles e as diferenças entre as suas velocidades de revolução é que eram as responsáveis pela dissolução, movimento e variações na figura das manchas.
Pelo contrário, Galileu demonstrou que se situavam na superfície do Sol. Assim, fez outra importante descoberta, a rotação do Sol, o que sugeria que também a Terra poderia ter igual movimento.

Descreveu minuciosamente tudo isto, como já referi, nas Cartas a Welser.
Na primeira (4.Maio.1612), alonga-se numa discussão sobre a realidade das hipóteses astronómicas, que culmina com a sua distinção entre astrónomo puro e astrónomo filósofo: o primeiro pretende “salvar de qualquer maneira as aparências”, enquanto o segundo trata de “investigar como problema máximo, e digno de admiração, a verdadeira constituição do universo, porque tal constituição é, e é de um único modo, verdadeira, real, e impossível de ser diferente e, pela sua grandeza e nobreza, digna de prioridade sobre qualquer outra sábia questão dos engenhos especulativos”.
Mas é na segunda (14.Agosto.1612), que demonstra por um elaborado método geométrico e algébrico a contiguidade das manchas com o corpo solar baseado em numerosos e minuciosos desenhos feitos com a técnica da "câmara escura". Também Scheiner havia feito desenhos, mas muito inferiores aos de Galileu em quantidade e qualidade. 

Comparação entre os desenhos de Scheiner e de Galileu

Os reduzidos desenhos de Scheiner facilitavam a interpretação das manchas como satélites solares. A direcção da faixa que elas ocupam sobre o disco solar mostra que não teve a preocupação de fazer as observações diariamente à mesma hora, como fez Galileu, e nem sequer de reproduzi-las no mesmo sentido, o que facilitaria a visualização do fenómeno. Galileu seguiu um método mais adequado e fez desenhos muito mais próximos do que o telescópio mostra.
Eram tão perfeitos que o editor do livro resolveu imprimi-los no seu verdadeiro tamanho.


Desses numerosos e detalhados desenhos deduziu que:
- as manchas são contíguas ao Sol ou separadas dele por uma distância imperceptível;
- não são estrelas nem nada permanente, pois alteram-se, aparecem, desaparecem, unem-se e separam-se ao acaso, sendo umas mais duradouras que outras;
- apresentam formas bastante irregular;
- apresentam um único movimento universal e uniforme em linhas paralelas;
- o Sol é perfeitamente esférico e gira sobre si mesmo em aproximadamente um mês lunar, de oeste para leste, como os planetas.
No fim da carta, Galileu retoma as críticas a Aristóteles. Afinal não são apenas as estrelas novas e os cometas, que supostamente existiam em regiões supostamente menos nobres do céu: “Finalmente descobri naquela parte do céu, meritoriamente a mais pura, [...] na face do próprio Sol, produzir-se continuamente, e dissolver-se em pouco tempo, uma quantidade inumerável de matéria escura e densa”.
Na terceira Carta (1.Dez.1612) coloca algumas questões epistemológicas e defende as suas já conhecidas descobertas, agora com maior número de observações, incluindo um dos seus grandes feitos: a determinação dos períodos de revolução das luas de Júpiter.
E, após garantir que as manchas solares não são astros, sugere que poderiam ser a fumaça de algo em combustão, o que explicaria de maneira bastante satisfatória o modo aleatório como se comportam.
De qualquer maneira, seriam incompatíveis com as definições de Aristóteles, que dividiu os astros em fixos (estrelas fixas) e errantes (planetas): os primeiros com um único movimento comum a todos (o diurno) e as distâncias entre si inalteráveis; os segundos com movimento próprio. Por motivos óbvios, não se pode considerar as manchas astros fixos, já que o seu movimento em conjunto as impede de ser astros errantes, pelo menos no sentido tradicional.

Resumindo
Estas cartas são a apresentação mais elaborada dos resultados das observações telescópicas de Galileu no seu conjunto. Mas fazem também a a articulação dessas observações com o seu projecto global: a discussão cosmológica, a conservação do movimento e a necessidade da matemática na compreensão da natureza, que aqui aparece na forma da interpretação das imagens telescópicas em termos geométricos, de acordo com as leis da perspectiva.

9. Flutuação dos corpos
Em 1612, Galileu escreveu o Discorso intorno alle cose che stanno in su l'acqua o che in quella si muovono (Discurso sobre as coisas que estão sobre a água, ou que nela se movem), no qual, apoiando-se em Arquimedes demonstra, contra a teoria de Aristóteles, que os corpos flutuavam ou se afundavam na água segundo sua densidade e não segundo sua forma. Este discurso originou a polémica resposta do "Discurso apologético sobre o Discurso de Galileu Galilei" de L. delle Colombe. A 2 de Outubro, na presença do grão-duque, da grã-duquesa Cristina e do cardeal Barberini, seu grande admirador, fez uma demonstração pública que acabou com a questão a seu favor. B. Bretch escreveu uma peça "A Vida de Galileu", pelo menos originalmente, para servir de exemplo e de conselho aos sábios alemães tentados a abdicar seu saber nas mãos dos chefes nazistas. Tendo com tema central a condenação de Galileu pela Inquisição, faz referências a várias polémicas, incluindo uma experiência relativa à flutuação dos corpos.

10. Neptuno
Nos princípios de1613, Galileu tornou-se no primeiro homem a observar o planeta Neptuno: notou o que classificou por uma "estranha estrela fixa" perto de Júpiter que registou neste desenho: 


Mas, como pensava que se tratava realmente de uma estrela, não lhe pode ser creditada a descoberta, que só viria a acontecer em 1846, numa história rocambolesca que já contei quando falei de Neptuno num dos primeiros posts.

11. Microscópio
Continuou as suas invenções nomeadamente a de construir um microscópio. Entre 1619 e 1624 tentou a partir do telescópio produzir "occhialini" (microscópios), compostos por um tubo de um telescópio, de tamanho reduzido, com duas lentes.


(continua)
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(1*) MARCELO MOSCHETTI, Qual Galileu? Sobre diversas leituras possíveis do texto galileano.
(2*) SIMON SINGH, Big Bang, pp. 77-94.
(3*) CARLOS ZILLER CAMENIETZKI, Introdução à tradução do livro de Galileu O Mensageiro das Estrelas, editado pela Scientific American Brasil, 2009.
(4*) RICARDO BRUNO FERREIRA, Galileu e a sua importância epistemológica.
(5*) LEON LEDERMAN e DICK TERESI, La partícula divina. Si el Universo es la respuesta, qual es la pergunta?, Crítica, Barcelona, 2009, pp. 106ss.
(6*) ALBERT VAN HELDEN, Saturn and his Anses, in JVA (Journal for the History of Astronomy), 5 (1974) 105-121. Esta citação vem logo na primeira página.
(7*) ID., p. 107.