Sumário para
o blogonauta
1. Big Bang
(Sumário)
2. História
milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo
geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos,
filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina
do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6.
Descobrimentos e a "ciência" (1)
7.
Descobrimentos e a "ciência" (2)
8.
Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os
Lusíadas: significado da epopeia
10. As
"contra-epopeias"
11. A
caminho do modelo heliocêntrico
12. O génio
do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
12A. O génio
do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
13. O génio
do "modelo experimental" (Galileu) – Descobertas
14. Caso
Galileu (1)
15. Caso
Galileu (2)
16. A
caminho das estrelas
17.
Primeiras medições astronómicas
18. Medição
das distâncias: Descoberta das Cefeidas
19. Medição
das distâncias: a Fotografia entra em cena
20. Medição
das distâncias: Cefeidas como Padrão de Medida
21.
Interregno: Mini-Guiness sobre as Estrelas
22. História
da Luz: Olho
23. História
da Luz
24. Luz e
Espectroscopia
25. Problema das Galáxias
26. Medição
das velocidades das galáxias (Efeito de Doppler)
27. Lei de
Hubble
28. Modelos
teóricos, que partem todos da Teoria da Relatividade
29. Modelo
de Einstein
30. Modelo
de Friedmann-Lemaître.
Nebulosa Planetária Ampulheta: MyCn18 (APOD 11.Ag.2011)
A areia do tempo está a esgotar-se para a estrela central desta nebulosa planetária em forma de
ampulheta. Com o seu combustível esgotado, esta breve fase terminal, tão
espectacular, de uma estrela semelhante ao Sol acontece à medida que as suas
camadas externas são ejectadas, enquanto o seu núcleo vai arrefecendo,
transformando-se numa anã branca. São aqueles anéis delicados de gás brilhante –
vermelho (Azoto) verde (Hidrogénio) e azul (Oxigénio) – que delineiam as
paredes ténues da ampulheta. A nitidez sem precedentes das imagens obtidas pelo
telescópio Hubble revela surpreendentes detalhes do processo de ejecção da
nebulosa que vão ajudar a desvendar os mistérios que ainda envolvem a complexidade
das nebulosas planetárias.
NEBULOSAS
As Nebulosas (do latim nebula, “nuvem”) são nuvens espaciais compostas por gás e partículas de poeira. Apresentavam-se como uma espécie
de pequenas manchas escuras, que não era fácil distinguir a olho nu.
Por isso, muitos corpos celestes considerados, antigamente,
nebulosas mudaram de estatuto, com a melhoria dos instrumentos e métodos de
observação. O caso mais conhecido é o de Andrómeda
que passou de nebulosa a galáxia.
Nebulosa NGC 2240, a 4 mil anos-luz da Terra, estende-se por mais de 1 ano-luz.
Do lado esquerdo: nesta visão a olho nu, a nebulosa tem o tamanho de 4% do da Lua Cheia.
Do lado esquerdo: nesta visão a olho nu, a nebulosa tem o tamanho de 4% do da Lua Cheia.
Do lado direito: imagem tirada pelo telescópio Hubble.Trata-se de uma nebulosa
planetária, composta pelo material ejectado na fase terminal da estrela que está
no centro, como se vê pelas estrias densas de material que radiam da estrela.
As nebulosas podem ser divididas em dois tipos principais: as nebulosas
difusas e as nebulosas planetárias.
1. NEBULOSAS DIFUSAS (ND)
Este grupo compreende as maiores nebulosas catalogadas. Algumas têm gás e
poeira que dariam para formar 100 000 sóis. O seu nome vem do fenómeno óptico
que permite que sejam vistas: estão próximas de uma ou mais estrelas das quais
difundem a luz, tornando-se visíveis.As ND podem classificar-se em três categorias.
1.1. Nebulosas de Emissão
São muito quentes e brilhantes, porque se estendem em v olta de uma estrela
muito quente, que emite uma intensa luz UV que excita os atomos do gás da
nebulosa a tal ponto que começam a emitir luz. Daí o seu nome de emissão.
Supõe-se que são locais onde nascem novas estrelas, por efeito gravitacional. A
maior parte são avermelhadas, como por exemplo a Eta Carinae (NGC 3372) porque
atinge o seu pico na linha vermelha do Hα (656 nm), embora tenha as outras
riscas do H mas mais fracas. Importante também são as duas riscas “proibidas” (ver mais abaixo) do O [III],
Oxigénio duplamente ionizado (501 e 486 nm). As nebulosas onde estas riscas
predominam apresentam uma cor azul-esverdeada.
Eta Carina: espectro e imagem
1.2. Nebulosas de Reflexão
São nuvens de gás e poeira que apenas reflectem a luz de uma estrela próxima. Esta estrela não é suficientemente quente para emitir radiações UV e ionizar o gás, mas é suficientemente brilhante para que a luz seja desviada e difundida pelos grãos de poeira tornando a nebulosa visível.
À esquerda: a Nebulosa Cabeça da Bruxa e a estrela Rigel;
À direita em cima: o espectro da nebulosa;
À direita em baixo: o espectro da estrela.
Repare-se na diferença de intensidade entre os espectros da estrela e da nebulosa.
Esta nebulosa Cabeça de Bruxa (IC 2118) está associada à
brilhante estrela Rigel, na constelação de Orion, cuja temperatura exterior é de 11 000 K. O seu brilho azul é causado não só pelo reflexo da luz azul da
estrela Rigel, mas também porque
os grãos
de poeira reflectem
a luz azul de forma mais
eficiente do
que o vermelho. É o mesmo processo físico que faz o nosso céu diurno parecer azul, embora entre nós
os “grãos de poeira” sejam as moléculas de Nitrogénio e Oxigénio, os grandes componentes da nossa atmosfera.
Como todas
as estrelas, Rigel tem uma temperatura interna suficientemente elevada para que
os electrões “livres” produzam um espectro contínuo (arco-iris) que, ao passar
pela atmosfera, é absorvido em certos comprimentos de onda originando as riscas
pretas (de absorção). Como Rigel é muito quente, o espectro contínuo de fundo é
mais intenso na extremidade azul.
Se a nebulosa estiver
próxima de uma estrela mais fria, será mais amarelada
ou avermelhada já que as estrelas mais frias emitem pouca luz azul. Por exemplo, com a supergigante estrela Antares (o seu raio é 800 vezes o do nosso Sol), que, por ser muito
vermelha, está rodeada por uma grande nebulosa de reflexão vermelha.
Antares: estrela e nebulosa e o seu espectro
As nebulosas de reflexão são muitas
vezes locais de formação estelar.
1.3. Nebulosas Escuras
São grandes nuvens moleculares, que não têm estrelas nas proximidades e, por isso, não podem emitir nem
reflectir nenhuma luz. São nuvens escuras opacas sem fronteiras bem definidas.
Sabe-se da sua existência porque bloqueiam a luz de outras nebulosas e estrelas
que estejam atrás delas relativamente à Terra e tornam-se vísiveis exatamente porque
não deixam ver nada.
As maiores nebulosas deste tipo, as chamadas GMC (Giant Molecular Clouds, Nuvens Moleculares Gigantes), podem ter mais de um milhão de vezes a massa do Sol, atingir
os 150 anos-luz de comprimento, ter uma densidade média de 100 a 300 moléculas por cm3
e uma temperatura entre 7 e 15 K. São formadas essencialmente de Hidrogénio
molecular, H2.
Por exemplo,
a Nuvem Molecular Barnard 68.
Inicialmente considerado um simples “buraco” no céu, os astrónomos
acabaram por descobrirque se tratava de uma nuvem escura com uma elevada concentração
de poeira
e gás molecular,
que absorvia praticamente toda a luz visível emitida a partir das estrelas de fundo. O interior destas nuvens moleculares é um dos lugares mais frios e mais isolados no universo. Esta nuvem escura está relativamente próxima de nós pois não tem estrelas visíveis no centro (as medidas
feitas indicam 500 anos-luz de distância e 0,5 anos luz de
diâmetro). Não se sabe exatamente como é que as nuvens moleculares se formam, mas sabe-se que são locais prováveis de formação de novas
estrelas.
Nebulosa Escura Barnard 68 (APOD 29.Jan.2012)
As imagens do lado direito, mostram que a nebulosa vai ficando cada vez mais transparente quando as
imagens são obtidas no IV (InfraVermelho), uma banda da “luz” (espectro electromagnético) capaz de
atravessar a os gases e poeiras da nebulosa.
Mas a mais famosa é a nebulosa
Cabeça de Cavalo (IC 434).
Na imagem de cima, uma panorâmica com a nebulosa Cabeça de Cavalo (CC) no canto inferior esquerdo (uma mancha minúscula) e a nebulosa do Orion no canto superior direito.
Na imagem de baixo, a nebulosa CC em destaque.
A escuridão da Cabeça de Cavalo é causada principalmente por
uma poeira muito densa. O brilho vermelho deve-se ao Hidrogénio, o gás que
predomina por detrás da nebulosa, ionizado pela próxima estrela
brilhante Sigma (σ) do Orion. Tem cerca de 16 anos-luz de extensão e uma massa
total de 300 massas solares.
2. NEBULOSAS PLANETÁRIAS (NP)
Este segundo tipo de Nebulosas é totalmente
diferente, quanto à sua formação, do tipo anterior, as ND. A sua denominação deve-se ao facto de as primeiras
nebulosas, que foram observadas, com um telescópio de pequena resolução, se assemelharem a planetas como Urano e Neptuno. Portanto, apesar do seu
nome, nada têm a ver com os planetas.
São também nuvens de poeira e gás que resultam
dos fenómenos ocorridos na fase terminal da vida de algumas estrelas (fase de
gigante vermelha) que, ao explodir ou colapsar, expulsa as camadas exteriores,
deixando um pequeno núcleo (“estrela” central) que, por se encontrar a elevadas
temperaturas, brilha intensamente.
Esperava-se
que as camadas exteriores se precipitassem, por acção da gravidade, sobre esse
núcleo. Isso não acontece devido aos intensos ventos de fotões e de
energia resultantes da explosão, embora alguma matéria acabe por ser acareada
pela estrela, o que influencia a sua evolução futura. Daqui resulta que
as camadas exteriores da NP são mais densas criando um espaço intermédio muito
ténue.
Origem de uma nebulosa planetária
Do lado esquerdo: um esquema onde se vê a estrela central a irradiar formas de energia que empurram o envelope de matéria que se vai afastando do centro.
Do lado direito em cima: uma imagem no Visível da nebulosa;
Do lado direito em baixo: uma imagem no IV.
Assim, pode
dizer-se que a nebulosa planetária (NP) é uma nuvem circular em expansão
ionizada pela energia libertada pelo núcleo, através de um mecanismo algo
complexo.
Uma das mais famosas mas também mais complexas é a Olho de Gato (NGC 6543) que aparece, nesta pormenorizada imagem do telescópio Hubble,
formada por 11 anéis de gás.
Este padrão, aparentemente simples, deve ter sido
produzido por sucessivas convulsões regulares que ejectaram novas camadas de
matéria que vão empurrando as já existentes. De qualquer modo, não se conhece
bem o mecanismo que dá origem a esta estrutura tão bonita. E já agora uma nota
de futurismo. Olhando esta imagem, podemos muito bem estar a observar a fase
final do nosso Sol daqui a … 5 mil milhões de anos!
Primeiras Observações
Antes de
explicar o seu espectro, vamos voltar a W. Huggins, o grande impulsionador e catalogador de espectros estelares.
Como já
referi, ele e, mais tarde, a sua mulher, Margaret, aperfeiçoaram um
espectroscópio associado a um telescópio que lhes permitia fazer observações
com grande pormenor. Ele já tinha obtido espectros de muitas estrelas (alguns
mostrados no post anterior), estendendo depois as suas
observações a outros corpos celestes, especialmente âs NP, de que falarei a
seguir.
A
ele se deve, em 18.Maio.1866, a primeira observação espectroscópica de uma Nova,
a T Coronae 1866, onde detectou linhas de emissão do H:
A
sua explicação é notável por duas razões.
Introduz
a noção, ainda não existente, de que o fenómeno acontecera há muito tempo; isto
é, nós ao olhar as estrelas vemos no passado e não no distante (esta ideia será
desenvolvida num futuro post).
Escreveu ele: “Não devemos esquecer que a luz, mesmo viajando a uma enorme
velocidade, requer um certo tempo para chegar até nós. Assim, esta grande
convulsão física, apesar de nova para nós, era uma coisa do passado no que diz
respeito à estrela. Em 1866, a estrela já existia há anos muitos com as novas
condições produzidas por essa catástrofe violenta”. Notável esta intuição!
Propõe
um mecanismo explicativo. Esta estrela apresentava um espectro complexo que
parecia proveniente de duas fontes: por um lado, parecia ter uma constituição
como a do Sol, mas, por outro, apresentava um espectro de riscas brilhantes,
que deveria ter origem num “gás luminoso”. Huggins observara também a rápida
explosão de luz da estrela seguida de uma também rápida diminuição (típica das estrelas Novae) de brilho em 12 dias, concluindo que a estrela fora de
repente envolvida por chamas de Hidrogénio (H). Possivelmente esta convulsão
resultava da libertação de uma enorme quantidade de H, que seria “queimado” na
superfície da estrela, combinando-se com outro elemento. Este gás em chamas é
que originaria as riscas espectrais. Quando o H se esgotou, a chama
extinguiu-se e a sua fotosfera ficou menos luminosa, tendo a estrela voltado ao
seu normal.
Dois
anos depois obteve o espectro de um cometa onde detectou riscas do etileno e provou que os vapores de Carbono incandescente era a principal fonte da luz
dos cometas.
Em 1881, com a utilização, pela primeira vez das placas fotográficas, Huggins
identificou um segundo composto: o radical cianeto (CN-). Nesse mesmo ano, detectou a presença de sódio na coma de uns cometas que
passaram muito próximos do Sol e um ano depois detectou a presença de
ferro.
O
casal Huggins resolveu também um problema que se levantou no espectro solar
relacionado com as riscas do Cálcio (Ca), que no espectro “normal”, são em
grande número. Contudo, no espectro das protuberâncias (grandes jactos emitidos
pelo Sol) e da cromosfera apenas aparecia um par de riscas. Para estudar as
protuberâncias e a coroa solar, desenvolveu um método muito engenhoso: aumentou
a abertura da fenda do espectroscópio, conseguindo assim observar a totalidade
da protuberância num único comprimento de onda. Esta técnica foi depois
aperfeiçoada por G.E. Hale (1868-1938), inventado o espectroheliógrafo.
Esta
circunstância era tão anómala que alguns astrónomos punham em causa que essas riscas pertencessem ao Ca. Contudo, o casal Huggins conseguiu demonstrar, no
laboratório, que o vapor de Ca, a pressões suficientemente baixas, originava,
sob influência de uma descarga eléctrica, precisamente essas duas linhas e não
outras.
Mas voltemos
às NP. Em 1864, Huggins observou, pela primeira vez, um espectro de uma delas. Vale a
pena saborear as suas próprias palavras:
“Na noite de 29 de Agosto de 1864, dirigi o
telescópio pela primeira vez para uma nebulosa planetária,
na Draco (NGC 6543). Poderá o leitor agora ser capaz de
imaginar o meu profundo sentimento de suspense, misturado com um
grau de respeito, com o qual, depois de alguns momentos de hesitação,
eu coloquei o meu olho no
espectroscópio? Não estava eu prestes a olhar para um
lugar secreto da criação? Olhei para o espectroscópio. Afinal
nenhum espectro, como eu estava à espera! Apenas uma única
linha brilhante! Só uma!”.
Como bom
cientista, começou por desconfiar:
“No início suspeitei de algum deslocamento do prisma, e que
eu estava a ver o reflexo da fenda iluminada de uma das
suas faces. Este pensamento foi tão momentâneo que
logo a verdadeira interpretação irrompeu em mim. A luz da
nebulosa era monocromática e, assim, diferente de
qualquer outra luz que eu tinha submetido a um
exame prismático, não poderia ser alargado de modo a
formar um espectro completo ... O enigma da nebulosa estava
resolvido. A resposta, que me tinha surgido, estava escrita na
própria luz: Não (se trata de) um agregado de estrelas, mas de
um gás luminoso”.
Embora nesta primeira abordagem só
distinguisse uma risca brilhante, realmente, como depois escreveu num artigo,
em colaboração com W. A. Miller,
havia mais riscas: “Um exame mais cuidadosos com uma fenda mais estreita
mostrou que uma risca ténue e muito estreita, mais refrangível (refractada) do
que a risca brilhante e separada dela por um espaço negro. Para além desta e a
cerca de três vezes a distância da segunda, via-se uma terceira risca
extremamente fraca… A risca mais forte coincide com a risca de Nitrogénio e
ocorre entre as bandas b e F do espectro solar. A mais débil
encontra-se na posição da risca de Hidrogénio correspondente à F de Fraunhofer. A outra linha
brilhante pode comparar-se com a forte risca do Ba”. Mais algumas NP apresentavam
um espectro análogo.
De um modo
simplista podemos representar assim o espectro das NP:
A risca Hα é geralmente muito intense, o que dá a cor avermelhada a algumas NP. Há
também uma forte linha na zona verde, onde aparecem riscas, que tanta dor de
cabeça irão dar pois não correspondiam a nenhum elemento conhecido tendo sido inicialmente
atribuídas a um elemento novo, o Nebulium,
e só mais tarde se percebeu que se trata de riscas que exigem condições tão
drásticas que são “proibidas” na Terra (ver
mais à frente).
No mesmo artigo, são referidos também espectros de outras nebulosas, totalmente diferentes, pois apresentam a forma de espectros estelares.
“É óbvio que (estas) nebulosas não podem ser consideradas agregados de sóis, segundo a ordem a que o nosso próprio sol e as estrelas fixas pertencem. Não se trata de, nestes objectos, fazer apenas uma modificação especial do nosso próprio tipo de sóis, pois encontramo-nos na presença de objetos que possuem um plano distinto e peculiar de estrutura.”
Estas
observações mostravam diferenças entre dois tipos de nebulosas: umas, como a de
Andrómeda, apresentavam espectros característicos das estrelas, enquanto
outras, como a de Orion, com um puro espectro de emissão típico de um gás.
Huggins
apenas deve ter visto as três riscas na zona do verde, a que os nossos olhos
são mais sensíveis, e não as que apareciam na extremidade vermelha do espectro
Assim, Huggin
concluiu que havia dois tipos de nebulosas:
- umas, com
espectro contínuo, “semelhantes a estelas”, que hoje chamamos galáxias;
- outras,
gasosas, com um espectro com apenas três riscas, as verdadeiras NP.
UM PROBLEMA
COMPLEXO
Aquela risca brilhante, que Huggins, mais
tarde, verificou que se tratava de duas riscas muito próximas, tornou-se um
verdadeiro quebra-cabeças para saber do que se tratava.
Magnésio
Numa primeira interpretação, Huggins considerou
que, dada a sua proximidade com uma risca do Nitrogénio
(Azoto), era muito provável que as nebulosas tivessem alguma “forma exótica”
deste elemento.
Contudo, Lockyer (1836–1920),
que tinha descoberto o Hélio ao detectar uma risca muito próxima da risca D (Sódio) do Sol, tinha,
porém, outra opinião: tratava-se de Magnésio (Mg).
Para ele, todos os corpos celestes eram formados por enxames de meteoros em
diferentes estágios evolutivos e eram os permanentes choques entre esses
inúmeros meteoros que tornavam as nebulosas incandescentes. Cada nebulosa era
diferente das outras porque diferentes eram a intensidade e o número dessas
colisões. O seu grande argumento residia no facto de o Mg, um elemento comum
nos meteoros e nos cometas, quando submetido à chama, apresentar uma risca que
era praticamente coincidente com a risca principal do espectro das nebulosas.
Repare-se na risca encabeçada por 50 que está presente em todos os
espectros (excepto, naturalmente, no do Hidrogénio)
Portanto, as
riscas observadas na nebulosa deveriam ser de Nitrogénio.
É fácil
perceber esta posição de Lockyer, pois, nesta fase inicial da espectroscopia,
com aparelhos ainda pouco sensíveis, não era fácil distinguir riscas próximas,
sobretudo quando não correspondiam a nenhum elemento conhecido. Só para se
fazer uma ideia dessas dificuldades, aqui deixo, em homenagem a esses
exploradores das "terras do sem fim", os dois espectros, mas obtidos
hoje com aparelhagem altamente sofisticada.
Em baixo: espectro do Magnésio
Repare-se na "risca proibida" O [III],
indicadas a vermelho, e as riscas do Mg, indicadas a branco (seta). Num
espectroscópio pouco sensível era fácil confundi-las dada a sua proximidade.
Entretanto,
observações subsequentes levaram Huggins a abandonar a ideia do Azoto.
Realmente, em 1888, Margaret iniciara um estudo sistemático dos espectros das
nebulosas, tendo como primeiro objectivo testar a hipótese de Lockyer,
comparando a “primeira linha” de várias nebulosas com a do Mg. Logo, no ano
seguinte, os Huggins concluíam que as nebulosas eram compostas por elementos
novos ainda não descobertos pois a “risca nebular”, embora estreita, era
distinta de qualquer uma associada ao Mg.
Nebulium
Como vimos,
Huggins inicialmente supôs que esta risca nebular correspondia ao Azoto. Mais
tarde, depois de novos dados, desistiu desta ideia. Mas, por mais que
procurasse, esta(s) risca(s) não correspondia a nenhum dos elementos
conhecidos na Terra, pelo que sugeriu que se tratava de um
novo elemento, que chamaram Nebulium, tal como
acontecera com o Hélio, que foi primeiro detectado no Sol e só mais tarde na
Terra, como já vimos.
Então
começou uma feroz caça a qualquer coisa que não se sabia o que fosse.
Em
1915, W.H. Wright propôs um sistema de classificação das Nebulosas a partir dos seus espectros, tendo
publicado alguns espectros:
Em
1918, após observações exaustivas das Nebulosas,
obteve muitas riscas, das quais conseguiu identificar quase metade. Mas
entre as identificadas lá estava um par delas, muito forte, nos 495,9 e 500,7
nm, a que chamou N1 e N2, exactamente as duas riscas a
que se referia Huggins. Mas continuava sem se saber do que se tratava pelo que
o enigmático Nebulium era ainda a solução.
Então
o problema passou para os laboratórios onde se iam acumulando dados
espectroscópios do maior número de elementos químicos. Mas nenhum reproduzia
essas duas riscas, o que levou H.N. Russel (1877-1957) a concluir que elas “devem ser devidas não a átomos de elementos
desconhecidos, mas a átomos de elementos conhecidos mas em condições
desconhecidas (na Terra), como nos gases de densidade extremamente elevada”.
Nos finais
de 1924,
S. Rosseland começava a levantar uma ponta do véu, ao escrever:
“As condições físicas que prevalecem nas nebulosas são muito provavelmente caracterizadas por uma densidade
excessivamente baixa combinada com a ausência de quase todos os tipos possíveis de influências perturbadoras, para lá de um campo de radiação que,
no entanto, em
apenas alguns casos pode ser comparável em intensidade ao do fraco luar”.
Mas
foi Ira S. Bowen quem finalmente resolveu o problema. Especializada em
espectros UV e em estados energéticos dos iões leves, ela perguntava-se o que
aconteceria aos átomos meta-estáveis, que não pudessem decair por radiação para
o estado fundamental. Permaneceriam, presos, nesse estado para sempre?
Então
apercebeu-se de que, nas baixíssimas densidades das NP, essas espécies
meta-estáveis, poderiam permanecer o tempo suficiente para decaírem por emissão
de energia. Estas transicções “proibidas” permitiam resolver o problema das
riscas atribuídas ao hipotético Nebulium. Depois de vários cálculos complexos,
concluiu que as riscas do Nebulium resultavam de transicções “proibidas” nos
espectros do O[II] (= O+), O[III] (= O2+) e N[II] (= N+)
e, portanto, não era necessário assumir a presença de um novo elemento nestas
nebulosas, conforme se vê na tabela de um dos seus artigos: The Origin of the Chief Nebular Lines”:>
Identificação das riscas proibidas por I. BOWEN e um esquema actualizado (1*)
TRANSIÇÕES “PROIBIDAS”
Já tínhamos visto por que razão os átomos só podiam emitir certas riscas:
os electrões só podem ovupar determinados níveis de energia (órbitas). Existem
regras de seleção, na Mecânica Quântica, que prevêem as transições mais
esperadas entre dois níveis de energia, levando em conta a existência, ou não,
de superposição espacial das funções de onda dos níveis envolvidos nas
transições.
Contudo, há
outras transições que, sendo matematicamente possíveis, são
consideradas proibidas porque, nas condições terrestres, não podem
ocorrer. Vamos clarificar um pouco mais, embora simplificando um problema complexo:
1) Os átomos
ou iões sujeitos a grandes energias (por exemplo, radiação UV) podem não só ser
ionizados (perdendo electrões) como, além disso, ficar num estado excitado, isto
é, com energia superior ao seu estado fundamental (“normal”, o de menor energia).
Temos então os estados meta-estáveis, cujo tempo de existência é curto, mas cuja
evolução depende do meio.
2) Como o
nome indica não são estáveis e, portanto, precisam de perder energia para decair
para o seu estado fundamental. Para isso há dois caminhos:
- se há
muitas partículas no meio, então eles vão perdendo o excesso de energia através
das colisões até estabilizarem;
- se o meio
é muito rarefeito, não há colisões em tempo útil e então o estado meta-estável
decai por emissão de energia (fotões), que vai dar origem a uma ou várias
riscas espectrais, chamadas “proibidas”, porque no ambiente denso da Terra não
podem acontecer.
Os raios laser funcionam segundo um esquema semelhante.
Portanto, para que haja transicções
proibidas nas Nebulosas são precisas duas condições: 1) que haja uma fonte de
energia para “criar” os estados metaestáveis”; 2) que as nebulosas tenham uma
densidade extremamente baixa.
Fonte de energia
A elevada
temperatura da “estrela central” (que não é realmente uma estrela, pois não
ocorrem reacções nucleares) produz muitos fotões na banda do UV e dos RX
“moles” (de baixa energia). Estes, ao colidirem com os átomos de H, He, C e O
das camadas exteriores (a verdadeira NP) ionizam-nos, libertando electrões, que
podem seguir dois caminhos:
a) ou chocam
com outros átomos de H, excitando-o;
b) ou reage
com um protão (p+), formando uma átomo de H neutro mas excitado.
Ora, como
vimos no último post, um átomo excitado emite uma radiação
correspondente à “queda” de um electrão da órbita excitada onde está para uma
órbita mais baixa, incluindo a fundamental. Portanto, em ambos os casos – a) e
b) – há emissão de fotões de baixa energia resultantes da desexcitação.
Assim sendo,
nas NP temos uma energia, que é o somatório da energia produzida pelos Raios
UV, pelos RX e pelos fotões da desexcitação.
Densidade das NP
As nebulosas satisfazem
plenamente esta condição pois são extremamente rarefeitas, muito
menos densas do que o maior vácuo já produzido na
Terra: a poeira interestelar é
composta basicamente por grafite, silicatos e gelo de água, em grãos de
diversas formas e tamanhos, cujo raio
típico varia entre 10-9 m e 10-7 m,
com uma densidade média de cerca de 1 grão para cada 106 m3,
a que corresponde a densidade média de 10-33 g/cm3,
qualquer coisa como, 1 a 10 átomos por centímetro
cúbico, vácuo impossível de obter na Terra.
C.T. Elvey estudou a variação da nebulosidade originada pela nova estrela Nova Aquilae1918 e concluiu que:
-
os gases foram ejectados a uma velocidade média de 2000 km/s;
-
as riscas N1 (500,7 nm) e N2 (495,9 nm) foram
reconhecidas no espectro 19 dias após a explosão (1918) como as principais
riscas espectrais;
-
que nessa altura, a densidade do envelope era de 10-17 g/cm3;
-
em 1926 estas duas riscas eram já muito débeis, sendo a maior parte da luz da nebuulosa
originada pelas linhas Balmer do H e uma risca (468,6nm) do He+.
McLennan e R. Richard continuando os estudos concluíram que nove outras Novae tinham uma densidade
semelhante: 10-19 a 10-20 g/cm3, o equivalente
a 50 moléculas por cm3.
Portanto,
com esta densidade tão baixa, o intervalo entre colisões podia variar entre 10 e 10 mil segundos, o que naturalmente favorece enormemente as transicções ”proibidas”, pelo que estas são responsáveis por 90% ou
mais do brilho das Nebulosas.
Repare-se que a grande maioria das riscas são "proibidas" (todas as que estão indicadas entre parênteses rectos)
DESCOBERTA
FUNDAMENTAL
Mas o casal Huggins
desenvolveu uma aplicação totalmente nova para a espectroscopia que iria
transformar por completo a nossa visão do Universo. Mostraram que se podia não
só determinar a composição química das estrelas, mas também DETERMINAR
A SUA VELOCIDADE.
É o nosso próximo
capítulo.
NOTA
(1*) Quando apresentei o modelo "planetário" do átomo, não quis estar a baralhar muito, pois na altura não interessava. Contudo, as coisas, com a Mecânica Quântica tornaram-se muito mais com a introdução de vários números quânticos e de interacções inéditas. Assim para entender este gráfico que introduz uma nomenclatura nova (S, P, D, F, ...) e um desdobramento (spliting) das órbitas de Bohr, vou aqui deixar uma simples imagem que poderá ajudar a intuir essa complexidade.
Do lado esquerdo: uma montagem minha com a qual procuro mostrar como uma única risca espectral (a preta mais à esquerda) devido às várias imposições quânticas acaba por dar origem a 10 riscas (quatro "singletos", a vermelho e seis "tripletos, a azul).
Sem comentários:
Enviar um comentário