domingo, 13 de maio de 2012

Nebulosas: Grande Desafio

Sumário para o blogonauta 

1. Big Bang (Sumário)
2. História milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos, filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6. Descobrimentos e a "ciência" (1)
7. Descobrimentos e a "ciência" (2)
8. Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os Lusíadas: significado da epopeia
10. As "contra-epopeias"
11. A caminho do modelo heliocêntrico
12. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
12A. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
13. O génio do "modelo experimental" (Galileu) – Descobertas
14. Caso Galileu (1)
15. Caso Galileu (2)
16. A caminho das estrelas
17. Primeiras medições astronómicas
18. Medição das distâncias: Descoberta das Cefeidas
19. Medição das distâncias: a Fotografia entra em cena
20. Medição das distâncias: Cefeidas como Padrão de Medida
21. Interregno: Mini-Guiness sobre as Estrelas
22. História da Luz: Olho 
23. História da Luz
24. Luz e Espectroscopia
25. Problema das Galáxias
26. Medição das velocidades das galáxias (Efeito de Doppler)
27. Lei de Hubble
28. Modelos teóricos, que partem todos da Teoria da Relatividade
29. Modelo de Einstein
30. Modelo de Friedmann-Lemaître.



A areia do tempo está a esgotar-se para a estrela central desta nebulosa planetária em forma de ampulheta. Com o seu combustível esgotado, esta breve fase terminal, tão espectacular, de uma estrela semelhante ao Sol acontece à medida que as suas camadas externas são ejectadas, enquanto o seu núcleo vai arrefecendo, transformando-se numa anã branca. São aqueles anéis delicados de gás brilhante – vermelho (Azoto) verde (Hidrogénio) e azul (Oxigénio) – que delineiam as paredes ténues da ampulheta. A nitidez sem precedentes das imagens obtidas pelo telescópio Hubble revela surpreendentes detalhes do processo de ejecção da nebulosa que vão ajudar a desvendar os mistérios que ainda envolvem a complexidade das nebulosas planetárias.


NEBULOSAS
As Nebulosas (do latim nebula, “nuvem”) são nuvens espaciais compostas por gás e partículas de poeira. Apresentavam-se como uma espécie de pequenas manchas escuras, que não era fácil distinguir a olho nu.


Nebulosa NGC 2240, a 4 mil anos-luz da Terra, estende-se por mais de 1 ano-luz.
       Do lado esquerdo: nesta visão a olho nu, a nebulosa tem o tamanho de 4% do da Lua Cheia.

Do lado direito: imagem tirada pelo telescópio Hubble.Trata-se de uma nebulosa planetária, composta pelo material ejectado na fase terminal da estrela que está no centro, como se vê pelas estrias densas de material que radiam da estrela. 


Por isso, muitos corpos celestes considerados, antigamente, nebulosas mudaram de estatuto, com a melhoria dos instrumentos e métodos de observação.  O caso mais conhecido é o de Andrómeda que passou de nebulosa a galáxia.

As nebulosas podem ser divididas em dois tipos principais: as nebulosas difusas e as nebulosas planetárias.

1. NEBULOSAS DIFUSAS (ND)
Este grupo compreende as maiores nebulosas catalogadas. Algumas têm gás e poeira que dariam para formar 100 000 sóis. O seu nome vem do fenómeno óptico que permite que sejam vistas: estão próximas de uma ou mais estrelas das quais difundem a luz, tornando-se visíveis.


As ND podem classificar-se em três categorias.

1.1. Nebulosas de Emissão
São muito quentes e brilhantes, porque se estendem em v olta de uma estrela muito quente, que emite uma intensa luz UV que excita os atomos do gás da nebulosa a tal ponto que começam a emitir luz. Daí o seu nome de emissão. Supõe-se que são locais onde nascem novas estrelas, por efeito gravitacional. A maior parte são avermelhadas, como por exemplo a Eta Carinae (NGC 3372) porque atinge o seu pico na linha vermelha do Hα (656 nm), embora tenha as outras riscas do H mas mais fracas. Importante também são as duas riscas “proibidas” (ver mais abaixo) do O [III], Oxigénio  duplamente ionizado (501  e 486 nm). As nebulosas onde estas riscas predominam apresentam uma cor azul-esverdeada.

 Eta Carina: espectro e imagem

1.2. Nebulosas de Reflexão
São nuvens de gás e poeira que apenas reflectem a luz de uma estrela próxima. Esta estrela não é suficientemente quente para emitir radiações UV e ionizar o gás, mas é suficientemente brilhante para que a luz seja desviada e difundida pelos grãos de poeira tornando a nebulosa visível.

À direita em cima: o espectro da nebulosa;
À direita em baixo: o espectro da estrela.
Repare-se na diferença de intensidade entre os espectros da estrela e da nebulosa.

Esta nebulosa Cabeça de Bruxa (IC 2118) está associada à brilhante estrela Rigel, na constelação de Orion, cuja temperatura exterior é de 11 000 K. O seu brilho azul é causado não só pelo reflexo da luz azul da estrela Rigel, mas também porque os grãos de poeira reflectem a luz azul de forma mais eficiente do que o vermelho. É o mesmo processo físico que faz o nosso céu diurno parecer azul, embora entre nós os “grãos de poeira” sejam as moléculas de Nitrogénio e Oxigénio, os grandes componentes da nossa atmosfera.
Como todas as estrelas, Rigel tem uma temperatura interna suficientemente elevada para que os electrões “livres” produzam um espectro contínuo (arco-iris) que, ao passar pela atmosfera, é absorvido em certos comprimentos de onda originando as riscas pretas (de absorção). Como Rigel é muito quente, o espectro contínuo de fundo é mais intenso na extremidade azul.
Se a nebulosa estiver próxima de uma estrela mais fria, será mais amarelada ou avermelhada já que as estrelas mais frias emitem pouca luz azul. Por exemplo, com a supergigante estrela Antares (o seu raio é 800 vezes o do nosso Sol), que, por ser muito vermelha, está rodeada por uma grande nebulosa de reflexão vermelha.


As nebulosas de reflexão são muitas vezes locais de formação estelar.

1.3. Nebulosas Escuras
São grandes nuvens moleculares, que não têm estrelas nas proximidades e, por isso, não podem emitir nem reflectir nenhuma luz. São nuvens escuras opacas sem fronteiras bem definidas. Sabe-se da sua existência porque bloqueiam a luz de outras nebulosas e estrelas que estejam atrás delas relativamente à Terra e tornam-se vísiveis exatamente porque não deixam ver nada.
As maiores nebulosas deste tipo, as chamadas GMC (Giant Molecular Clouds, Nuvens Moleculares Gigantes), podem ter mais de um milhão de vezes a massa do Sol, atingir os 150 anos-luz de comprimento, ter uma densidade média de 100 a 300 moléculas por cm3 e uma temperatura entre 7 e 15 K. São formadas essencialmente de Hidrogénio molecular, H2. Por exemplo, a Nuvem Molecular Barnard 68. Inicialmente considerado um simples “buraco” no céu, os astrónomos acabaram por descobrirque se tratava de uma nuvem escura com uma elevada concentração de poeira e gás molecular, que absorvia praticamente toda a luz visível emitida a partir das estrelas de fundo. O interior destas nuvens moleculares é um dos lugares mais frios e mais isolados no universo. Esta nuvem escura está relativamente próxima de nós pois não tem estrelas visíveis no centro (as medidas feitas indicam 500 anos-luz de distância e  0,5 anos luz de diâmetro). Não se sabe exatamente como é que as nuvens moleculares se formam, mas sabe-se que são locais prováveis ​​de formação de novas estrelas.

Nebulosa Escura Barnard 68 (APOD 29.Jan.2012)
As imagens do lado direito, mostram que a nebulosa vai ficando cada vez mais transparente quando as imagens são obtidas no IV (InfraVermelho), uma banda  da “luz” (espectro electromagnético) capaz de atravessar a os gases e poeiras da  nebulosa. 

Mas a mais famosa é a nebulosa Cabeça de Cavalo (IC 434).

Na imagem de cima, uma panorâmica com a nebulosa Cabeça de Cavalo (CC) no canto inferior esquerdo (uma mancha minúscula) e a nebulosa do Orion no canto superior direito.
Na imagem de baixo, a nebulosa CC em destaque.

A escuridão da Cabeça de Cavalo é causada principalmente por uma poeira muito densa. O brilho vermelho deve-se ao Hidrogénio, o gás que predomina por detrás da nebulosa, ionizado pela próxima estrela brilhante Sigma (σ) do Orion. Tem cerca de 16 anos-luz de extensão e uma massa total de 300 massas solares.


2. NEBULOSAS PLANETÁRIAS (NP)
Este segundo tipo de Nebulosas é totalmente diferente, quanto à sua formação, do tipo anterior, as ND. A sua denominação deve-se ao facto de as primeiras nebulosas, que foram observadas, com um telescópio de pequena resolução, se assemelharem a planetas como Urano e Neptuno. Portanto, apesar do seu nome, nada têm a ver com os planetas.
São também nuvens de poeira e gás que resultam dos fenómenos ocorridos na fase terminal da vida de algumas estrelas (fase de gigante vermelha) que, ao explodir ou colapsar, expulsa as camadas exteriores, deixando um pequeno núcleo (“estrela” central) que, por se encontrar a elevadas temperaturas, brilha intensamente.
Esperava-se que as camadas exteriores se precipitassem, por acção da gravidade, sobre esse núcleo. Isso não acontece devido aos intensos ventos de fotões e de energia resultantes da explosão, embora alguma matéria acabe por ser acareada pela estrela, o que influencia a sua evolução futura. Daqui resulta que as camadas exteriores da NP são mais densas criando um espaço intermédio muito ténue.


Origem de uma nebulosa planetária
Do lado esquerdo: um esquema onde se vê a estrela central a irradiar formas de energia que empurram o envelope de matéria que se vai afastando do centro.
Do lado direito em cima: uma imagem no Visível da nebulosa;
Do lado direito em baixo: uma imagem no IV.

Assim, pode dizer-se que a nebulosa planetária (NP) é uma nuvem circular em expansão ionizada pela energia libertada pelo núcleo, através de um mecanismo algo complexo.
Uma das mais famosas mas também mais complexas é a Olho de Gato (NGC 6543) que aparece, nesta pormenorizada imagem do telescópio Hubble, formada por 11 anéis de gás. 



Este padrão, aparentemente simples, deve ter sido produzido por sucessivas convulsões regulares que ejectaram novas camadas de matéria que vão empurrando as já existentes. De qualquer modo, não se conhece bem o mecanismo que dá origem a esta estrutura tão bonita. E já agora uma nota de futurismo. Olhando esta imagem, podemos muito bem estar a observar a fase final do nosso Sol daqui a … 5 mil milhões de anos!

Primeiras Observações
Antes de explicar o seu espectro, vamos voltar a W. Huggins, o grande impulsionador e catalogador de espectros estelares.
Como já referi, ele e, mais tarde, a sua mulher, Margaret, aperfeiçoaram um espectroscópio associado a um telescópio que lhes permitia fazer observações com grande pormenor. Ele já tinha obtido espectros de muitas estrelas (alguns mostrados no post anterior), estendendo depois as suas observações a outros corpos celestes, especialmente âs NP, de que falarei a seguir.
A ele se deve, em 18.Maio.1866, a primeira observação espectroscópica de uma Nova, a T Coronae 1866, onde detectou linhas de emissão do H:


A sua explicação é notável por duas razões.
Introduz a noção, ainda não existente, de que o fenómeno acontecera há muito tempo; isto é, nós ao olhar as estrelas vemos no passado e não no distante (esta ideia será desenvolvida num futuro post). Escreveu ele: “Não devemos esquecer que a luz, mesmo viajando a uma enorme velocidade, requer um certo tempo para chegar até nós. Assim, esta grande convulsão física, apesar de nova para nós, era uma coisa do passado no que diz respeito à estrela. Em 1866, a estrela já existia há anos muitos com as novas condições produzidas por essa catástrofe violenta”. Notável esta intuição! 
Propõe um mecanismo explicativo. Esta estrela apresentava um espectro complexo que parecia proveniente de duas fontes: por um lado, parecia ter uma constituição como a do Sol, mas, por outro, apresentava um espectro de riscas brilhantes, que deveria ter origem num “gás luminoso”. Huggins observara também a rápida explosão de luz da estrela seguida de uma também rápida diminuição (típica das estrelas Novae) de brilho em 12 dias, concluindo que a estrela fora de repente envolvida por chamas de Hidrogénio (H). Possivelmente esta convulsão resultava da libertação de uma enorme quantidade de H, que seria “queimado” na superfície da estrela, combinando-se com outro elemento. Este gás em chamas é que originaria as riscas espectrais. Quando o H se esgotou, a chama extinguiu-se e a sua fotosfera ficou menos luminosa, tendo a estrela voltado ao seu normal.

Dois anos depois obteve o espectro de um cometa onde detectou riscas do etileno e provou que os vapores de Carbono incandescente era a principal fonte da luz dos cometas. Em 1881, com a utilização, pela primeira vez das placas fotográficas, Huggins identificou um segundo composto: o radical cianeto (CN-). Nesse mesmo ano, detectou a presença de sódio na coma de uns cometas que passaram muito próximos do Sol e um ano depois detectou a presença de ferro.

O casal Huggins resolveu também um problema que se levantou no espectro solar relacionado com as riscas do Cálcio (Ca), que no espectro “normal”, são em grande número. Contudo, no espectro das protuberâncias (grandes jactos emitidos pelo Sol) e da cromosfera apenas aparecia um par de riscas. Para estudar as protuberâncias e a coroa solar, desenvolveu um método muito engenhoso: aumentou a abertura da fenda do espectroscópio, conseguindo assim observar a totalidade da protuberância num único comprimento de onda. Esta técnica foi depois aperfeiçoada por G.E. Hale (1868-1938), inventado o espectroheliógrafo.


Esta circunstância era tão anómala que alguns astrónomos punham em causa que essas riscas pertencessem ao Ca. Contudo, o casal Huggins conseguiu demonstrar, no laboratório, que o vapor de Ca, a pressões suficientemente baixas, originava, sob influência de uma descarga eléctrica, precisamente essas duas linhas e não outras.

Mas voltemos às NP. Em 1864, Huggins observou, pela primeira vez, um espectro de uma delas. Vale a pena saborear as suas próprias palavras: “Na noite de 29 de Agosto de 1864, dirigi o telescópio pela primeira vez para uma nebulosa planetária, na Draco (NGC 6543). Poderá o leitor agora ser capaz de imaginar o meu profundo sentimento de suspense, misturado com um grau de respeito, com o qual, depois de alguns momentos de hesitação, eu coloquei o meu olho no espectroscópio? Não estava eu prestes a olhar para um lugar secreto da criação? Olhei para o espectroscópio. Afinal nenhum espectro, como eu estava à  espera! Apenas uma única linha brilhante! Só uma!”.
Como bom cientista, começou por desconfiar: “No início suspeitei de algum deslocamento do prisma, e que eu estava a ver o reflexo da fenda iluminada de uma das suas faces. Este pensamento foi tão momentâneo que logo a verdadeira interpretação irrompeu em mim. A luz da nebulosa era monocromática e, assim, diferente de qualquer outra luz que eu tinha submetido a um exame prismático, não poderia ser alargado de modo a formar um espectro completo ... O enigma da nebulosa estava resolvido. A resposta, que me tinha surgido, estava escrita na própria luz: Não (se trata de) um agregado de estrelas, mas de um gás luminoso”.
Embora nesta primeira abordagem só distinguisse uma risca brilhante, realmente, como depois escreveu num artigo, em colaboração com W. A. Miller, havia mais riscas: “Um exame mais cuidadosos com uma fenda mais estreita mostrou que uma risca ténue e muito estreita, mais refrangível (refractada) do que a risca brilhante e separada dela por um espaço negro. Para além desta e a cerca de três vezes a distância da segunda, via-se uma terceira risca extremamente fraca… A risca mais forte coincide com a risca de Nitrogénio e ocorre entre as bandas b e F do espectro solar. A mais débil encontra-se na posição da risca de Hidrogénio correspondente à F de Fraunhofer. A outra linha brilhante pode comparar-se com a forte risca do Ba”. Mais algumas NP apresentavam um espectro análogo.


De um modo simplista podemos representar assim o espectro das NP:


A risca Hα é geralmente muito intense, o que dá a cor avermelhada a algumas NP. Há também uma forte linha na zona verde, onde aparecem riscas, que tanta dor de cabeça irão dar pois não correspondiam a nenhum elemento conhecido tendo sido inicialmente atribuídas a um elemento novo, o Nebulium, e só mais tarde se percebeu que se trata de riscas que exigem condições tão drásticas que são “proibidas” na Terra (ver mais à frente).


No mesmo artigo, são referidos também espectros de outras nebulosas, totalmente diferentes, pois apresentam a forma de espectros estelares.
“É óbvio que (estas) nebulosas não podem ser consideradas agregados de sóis, segundo a ordem a que o nosso próprio sol e as estrelas fixas pertencem. Não se trata de, nestes objectos, fazer apenas uma modificação especial do nosso próprio tipo de sóis, pois encontramo-nos na presença de objetos que possuem um plano distinto e peculiar de estrutura.”
Estas observações mostravam diferenças entre dois tipos de nebulosas: umas, como a de Andrómeda, apresentavam espectros característicos das estrelas, enquanto outras, como a de Orion, com um puro espectro de emissão típico de um gás.


Huggins apenas deve ter visto as três riscas na zona do verde, a que os nossos olhos são mais sensíveis, e não as que apareciam na extremidade vermelha do espectro


Assim, Huggin concluiu que havia dois tipos de nebulosas:
- umas, com espectro contínuo, “semelhantes a estelas”, que hoje chamamos galáxias;
- outras, gasosas, com um espectro com apenas três riscas, as verdadeiras NP.


UM PROBLEMA COMPLEXO
Aquela risca brilhante, que Huggins, mais tarde, verificou que se tratava de duas riscas muito próximas, tornou-se um verdadeiro quebra-cabeças para saber do que se tratava.

Magnésio
Numa primeira interpretação, Huggins considerou que, dada a sua proximidade com uma risca do Nitrogénio (Azoto), era muito provável que as nebulosas tivessem alguma “forma exótica” deste elemento.
Contudo, Lockyer (1836–1920), que tinha descoberto o Hélio ao detectar uma risca muito próxima da risca D (Sódio) do Sol, tinha, porém, outra opinião: tratava-se de Magnésio (Mg). Para ele, todos os corpos celestes eram formados por enxames de meteoros em diferentes estágios evolutivos e eram os permanentes choques entre esses inúmeros meteoros que tornavam as nebulosas incandescentes. Cada nebulosa era diferente das outras porque diferentes eram a intensidade e o número dessas colisões. O seu grande argumento residia no facto de o Mg, um elemento comum nos meteoros e nos cometas, quando submetido à chama, apresentar uma risca que era praticamente coincidente com a risca principal do espectro das nebulosas.

Repare-se na risca encabeçada por 50 que está presente em todos os espectros (excepto, naturalmente, no do Hidrogénio)

Portanto, as riscas observadas na nebulosa deveriam ser de Nitrogénio.
É fácil perceber esta posição de Lockyer, pois, nesta fase inicial da espectroscopia, com aparelhos ainda pouco sensíveis, não era fácil distinguir riscas próximas, sobretudo quando não correspondiam a nenhum elemento conhecido. Só para se fazer uma ideia dessas dificuldades, aqui deixo, em homenagem a esses exploradores das "terras do sem fim", os dois espectros, mas obtidos hoje com aparelhagem altamente sofisticada.

Repare-se na "risca proibida" O [III], indicadas a vermelho, e as riscas do Mg, indicadas a branco (seta). Num espectroscópio pouco sensível era fácil confundi-las dada a sua proximidade.

Entretanto, observações subsequentes levaram Huggins a abandonar a ideia do Azoto. Realmente, em 1888, Margaret iniciara um estudo sistemático dos espectros das nebulosas, tendo como primeiro objectivo testar a hipótese de Lockyer, comparando a “primeira linha” de várias nebulosas com a do Mg. Logo, no ano seguinte, os Huggins concluíam que as nebulosas eram compostas por elementos novos ainda não descobertos pois a “risca nebular”, embora estreita, era distinta de qualquer uma associada ao Mg.



Nebulium
Como vimos, Huggins inicialmente supôs que esta risca nebular correspondia ao Azoto. Mais tarde, depois de novos dados, desistiu desta ideia. Mas, por mais que procurasse, esta(s) risca(s) não correspondia a nenhum dos elementos conhecidos na Terra, pelo que sugeriu que se tratava de um novo elemento, que chamaram Nebulium, tal como acontecera com o Hélio, que foi primeiro detectado no Sol e só mais tarde na Terra, como já vimos.
Então começou uma feroz caça a qualquer coisa que não se sabia o que fosse.
Em 1915, W.H. Wright propôs um sistema de classificação das Nebulosas a partir dos seus espectros, tendo publicado alguns espectros:


Em 1918, após observações exaustivas das Nebulosas, obteve muitas riscas, das quais conseguiu identificar quase metade. Mas entre as identificadas lá estava um par delas, muito forte, nos 495,9 e 500,7 nm, a que chamou N1 e N2, exactamente as duas riscas a que se referia Huggins. Mas continuava sem se saber do que se tratava pelo que o enigmático Nebulium era ainda a solução.
Então o problema passou para os laboratórios onde se iam acumulando dados espectroscópios do maior número de elementos químicos. Mas nenhum reproduzia essas duas riscas, o que levou H.N. Russel (1877-1957) a concluir que elas “devem ser devidas não a átomos de elementos desconhecidos, mas a átomos de elementos conhecidos mas em condições desconhecidas (na Terra), como nos gases de densidade extremamente elevada”.
Nos finais de 1924, S. Rosseland começava a levantar uma ponta do véu, ao escrever: “As condições físicas que prevalecem nas nebulosas são muito provavelmente caracterizadas por uma densidade excessivamente baixa combinada com a ausência de quase todos os tipos possíveis de influências perturbadoras, para lá de um campo de radiação que, no entanto, em apenas alguns casos pode ser comparável em intensidade ao do fraco luar.

Mas foi Ira S. Bowen quem finalmente resolveu o problema. Especializada em espectros UV e em estados energéticos dos iões leves, ela perguntava-se o que aconteceria aos átomos meta-estáveis, que não pudessem decair por radiação para o estado fundamental. Permaneceriam, presos, nesse estado para sempre?
Então apercebeu-se de que, nas baixíssimas densidades das NP, essas espécies meta-estáveis, poderiam permanecer o tempo suficiente para decaírem por emissão de energia. Estas transicções “proibidas” permitiam resolver o problema das riscas atribuídas ao hipotético Nebulium. Depois de vários cálculos complexos, concluiu que as riscas do Nebulium resultavam de transicções “proibidas” nos espectros do O[II] (= O+), O[III] (= O2+) e N[II] (= N+) e, portanto, não era necessário assumir a presença de um novo elemento nestas nebulosas, conforme se vê na tabela de um dos seus artigos: The Origin of the Chief Nebular Lines”:>  


Identificação das riscas proibidas por I. BOWEN          e         um esquema actualizado (1*)


TRANSIÇÕES “PROIBIDAS”
Já tínhamos visto por que razão os átomos só podiam emitir certas riscas: os electrões só podem ovupar determinados níveis de energia (órbitas). Existem regras de seleção, na Mecânica Quântica, que prevêem as transições mais esperadas entre dois níveis de energia, levando em conta a existência, ou não, de superposição espacial das funções de onda dos níveis envolvidos nas transições.
Contudo, há outras transições que, sendo matematicamente possíveis, são consideradas proibidas porque, nas condições terrestres, não podem ocorrer. Vamos clarificar um pouco mais, embora simplificando um problema complexo:
1) Os átomos ou iões sujeitos a grandes energias (por exemplo, radiação UV) podem não só ser ionizados (perdendo electrões) como, além disso, ficar num estado excitado, isto é, com energia superior ao seu estado fundamental (“normal”, o de menor energia). Temos então os estados meta-estáveis, cujo tempo de existência é curto, mas cuja evolução depende do meio.
2) Como o nome indica não são estáveis e, portanto, precisam de perder energia para decair para o seu estado fundamental. Para isso há dois caminhos:
- se há muitas partículas no meio, então eles vão perdendo o excesso de energia através das colisões até estabilizarem;
- se o meio é muito rarefeito, não há colisões em tempo útil e então o estado meta-estável decai por emissão de energia (fotões), que vai dar origem a uma ou várias riscas espectrais, chamadas “proibidas”, porque no ambiente denso da Terra não podem acontecer.
Os raios laser funcionam segundo um esquema semelhante.

Portanto, para que haja transicções proibidas nas Nebulosas são precisas duas condições: 1) que haja uma fonte de energia para “criar” os estados metaestáveis”; 2) que as nebulosas tenham uma densidade extremamente baixa.

Fonte de energia
A elevada temperatura da “estrela central” (que não é realmente uma estrela, pois não ocorrem reacções nucleares) produz muitos fotões na banda do UV e dos RX “moles” (de baixa energia). Estes, ao colidirem com os átomos de H, He, C e O das camadas exteriores (a verdadeira NP) ionizam-nos, libertando electrões, que podem seguir dois caminhos:
a) ou chocam com outros átomos de H, excitando-o;
b) ou reage com um protão (p+), formando uma átomo de H neutro mas excitado.


Ora, como vimos no último post, um átomo excitado emite uma radiação correspondente à “queda” de um electrão da órbita excitada onde está para uma órbita mais baixa, incluindo a fundamental. Portanto, em ambos os casos – a) e b) – há emissão de fotões de baixa energia resultantes da desexcitação.    
Assim sendo, nas NP temos uma energia, que é o somatório da energia produzida pelos Raios UV, pelos RX e pelos fotões da desexcitação.

Densidade das NP
As nebulosas satisfazem plenamente esta condição pois são extremamente rarefeitas, muito menos densas do que o maior vácuo já produzido na Terra: a poeira interestelar é composta basicamente por grafite, silicatos e gelo de água, em grãos de diversas formas e tamanhos, cujo raio típico varia entre 10-9 m e 10-7 m, com uma densidade média de cerca de 1 grão para cada 106 m3, a que corresponde a densidade média de 10-33 g/cm3, qualquer coisa como, 1 a 10 átomos por centímetro cúbico, vácuo impossível de obter na Terra.
C.T. Elvey estudou a variação da nebulosidade originada pela nova estrela Nova Aquilae1918 e concluiu que:
- os gases foram ejectados a uma velocidade média de 2000 km/s;
- as riscas N1 (500,7 nm) e N2 (495,9 nm) foram reconhecidas no espectro 19 dias após a explosão (1918) como as principais riscas espectrais;
- que nessa altura, a densidade do envelope era de 10-17 g/cm3;
- em 1926 estas duas riscas eram já muito débeis, sendo a maior parte da luz da nebuulosa originada pelas linhas Balmer do H e uma risca (468,6nm) do He+.
McLennan e R. Richard continuando os estudos concluíram que nove outras Novae tinham uma densidade semelhante: 10-19 a 10-20 g/cm3, o equivalente a 50 moléculas por cm3.
Portanto, com esta densidade tão baixa, o intervalo entre colisões podia variar entre 10 e 10 mil segundos, o que naturalmente favorece enormemente as transicções ”proibidas”, pelo que estas são responsáveis por 90% ou mais do brilho das Nebulosas.


Espectro no Visível da Nebulosa Plantária BV-1
Repare-se que a grande maioria das riscas são "proibidas" (todas as que estão indicadas entre parênteses rectos) 


DESCOBERTA FUNDAMENTAL
Mas o casal Huggins desenvolveu uma aplicação totalmente nova para a espectroscopia que iria transformar por completo a nossa visão do Universo. Mostraram que se podia não só determinar a composição química das estrelas, mas também DETERMINAR A SUA VELOCIDADE.


É o nosso próximo capítulo.


NOTA
(1*) Quando apresentei o modelo "planetário" do átomo, não quis estar a baralhar muito, pois na altura não interessava. Contudo, as coisas, com a Mecânica Quântica tornaram-se muito mais com a introdução de vários números quânticos e de interacções inéditas. Assim para entender este gráfico que introduz uma nomenclatura nova (S, P, D, F, ...) e um desdobramento (spliting) das órbitas de Bohr, vou aqui deixar uma simples imagem que poderá ajudar a intuir essa complexidade.

Do lado esquerdo: uma montagem minha com a qual procuro mostrar como uma única risca espectral (a preta mais à esquerda) devido às várias imposições quânticas acaba por dar origem a 10 riscas (quatro "singletos", a vermelho e seis "tripletos, a azul).
Do temos direito: alguns "saltos" (jumps) do Hélio. Para uma explicação ver aqui.


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