quinta-feira, 1 de julho de 2010

Big Bang

Quando comecei este blog, o meu objectivo era apresentar o modelo ou teoria do Big Bang e sobretudo mostrar as várias etapas, dificuldades e soluções que foram surgindo até ter um modelo consistente sobre evolução do Universo.
Há um autor que o apresenta com uma simples frase: “Num passado distante, o universo era muito denso e quente; desde então expandiu-se, ficando menos denso e mais frio”. Eu acrescentaria mais qualquer coisa. O modelo realmente pode resumir-se àquelas palavras, mas pretende explicar como é que, a partir desse estado primordial muito quente e denso, se foram formando os átomos, depois as estrelas, as galáxias e como tudo isso funciona numa aparente harmonia. Sabe-se hoje que há 13,7 mil milhões de anos o Universo começou a expandir-se. Nesses momentos primieros, as temperaturas eram tão elevadas que nenhuma das estruturas actuais poderia subsistir. Mas, como a expansão está sempre associada ao arrefecimento, as temperaturas foram baixando, a densidade de energia ficou cada vez menor e atingiu valores suficientemente baixos para que surgissem os primeiros núcleos atómicos, depois os átomos. E a matéria passou a dominar a radiação ou energia. Como essa matéria não era absolutamente uniforme, as pequenas flutuações foram agregando mais matéria devido à força da gravidade. Juntaram matéria suficiente para formar as estrelas, depois as galáxias até termos um Universo como o vemos hoje.

Mas para chegar a este modelo aparentemente tão simples, foi necessário não só ultrapassar alguns preconceitos, mas também recolher dados experimentais e descobrir teorias matemáticos que permitissem explicar essas observações e dar-lhe consistência.
É esta história, feita de fracassos e de vitórias, que vou contar, se for capaz. Antes de mais porque me dá muito gozo e gostaria de partilhar esse gozo. Mas também como prova da capacidade do género humano, única espécie pensante, que aprendeu a ler a natureza, a estabelecer as leis que a governam e que tanto bem pode fazer se quiser aplicar os seus conhecimentos para nos tornar a todos, mas mesmo todos, mais felizes.
Esta história tem vários capítulos
Há cem anos ainda se pensava que o Universo era estático e poucos acreditavam que fora da Via Láctea existissem outras galáxias..


Não era isto evidente? Bastava olhar para o céu de qualquer ponto da Terra (homogéneo) e em qualquer direcção (isotrópico) para verificar que apresentava sempre a mesma forma. A Estrela Polar ou o Cruzeiro do Sul serviram para orientar os navegantes e exploradores muitos séculos. E lá continuam.

Atlas chinês séc.VII       com a            Estrela Polar
   APOD 19.Juho.2009                      APOD 8.Jan.2007

                      Mapa antigo     do    Cruzeiro do Sul (APOD 17.Maio.2007)

Mas as observações feitas ao longo de largos anos permitiram que no final da década de 20 do século passado se demonstrasse que o Universo estava a expandir-se. Foi preciso aprender a medir as distâncias entre as galáxias. Foi preciso aprender a medir a velocidade com que se afastavam. E depois Hubble estabeleceu a lei que relacionava a distancia das galáxias com a velocidade de afastamento. 

Mas os experimentalistas não se preocupavam muito com o significado cosmológico destes dados. E se não fossem os "teóricos" terámos de esperar (muito) mais tempo para perceber o sigidficado destes dados.
Felizmente, em 1915, Einstein apresentou a sua Teoria da Relatividade Geral, que veio dar o suporte matemático para construir um modelo acerca do Universo.



As soluções das suas equações apontavam também para um Universo em expansão. Lemaître (1927) imaginou, então, uma espécie de “experiência conceptual”: se o Universo está em expansão, podemos “andar para trás” no tempo e ver as galáxias a aproximarem-se cada vez mais até se juntarem num ponto, que chamou o “átomo primordial”. Foi a desintegração deste átomo que deu origem à expansão do Universo.
Aqui termina o primeiro capítulo da nossa história, porque, apesar de se saber que o Universo estava em expansão, não se sabia como é que apareceram os átomos e as estruturas que hoje vemos.

O segundo capítulo só acontece na década de 40. Gamow, que se dedicava a investigar o modo como as estrelas produziam luz e calor, teve, quase por acaso, conhecimento do artigo de Lemaître. Então pegou na sua ideia e actualizou-a com os novos conhecimentos. Imaginou que esse momento primeiro muito quente seria uma sopa de protões, neutrões e electrões, que ao reagirem entre si deram origem ao Hidrogénio (1 protão), ao Deutério (1 protão + 1 neutrão = 2 nucleões) ao Hélio (3 e 4 neutrões) e a vestígios do Lítio, os chamados elementos leves (nucleossíntese cosmológica). Os valores obtidos pelos seus cálculos coincidiam com os dados experimentais.


Mas havia um problema. Faltavam ainda os outros 89 átomos! E estes não se puderam formar porque o Universo arrefecia tão depressa que, ao fim dos primeiros três minutos, já não havia energia suficiente para os sintetizar. Portanto, tudo parecia parar ali, porque não se conhecia nenhum mecanismo que permitisse ultrapassar a chamada “fenda dos cinco nucleões” que o próprio Gamow caricaturou assim:

Fonte: Simon SINGH, Big Bang, p. 367

O impasse foi ultrapassado por Hoyle: os outros elementos formavam-se no núcleo das estrelas, através de vários tipos de reacções nucleares (nucleossíntese estelar).

Adapatdo de BURBIDGE, BURBIDGE, FOWLER e HOYLE,
Synthesis of Elements in Reviews of the Moderrn Physics 29(1957) 4 

Hoyle era um feroz crítico do modelo de Gamow tendo inclusivamente comentado num programa que tinha na BBC que não passava de um grande estoiro (big bang).  O nome, que devia ostracizar o modelo, tornou-o famosos.
De qualquer modo, Hoyle, como não aceitava o modelo do Big Bang, aproveitou esta dificuldade na síntese dos elementos, para apresentar o seu modelo do “Estado Estacionário”: um Universo eterno homogéneo e isotrópico. Mas, se o Universo estava em expansão, como poderia manter sempre o mesmo aspecto? Através da criação contínua de matéria (2 átomos de Hidrogénio por m³, cada mil milhões de anos), que ia preenchendo o aumento do volume.

Comparação entre os modelos Big Bang e Estado Estacionário
Fonte: Simon SINGH, Big Bang, p. 390

E, de repente, ficámos com dois modelos em confronto. Qual “escolher”? E como?
havia realmente um bom teste. Gamow fizera uma previsão importante: se o Universo passou por uma fase de equilíbrio térmico (elevadas temperaturas uniformemente distribuídas) então, de acordo com as leis da física, deve estar ainda hoje a emitir uma radiação, conhecida por “Radiação do Corpo Negro”, que apresenta uma característica inconfundível: a radiação emitida por um corpo apresenta um espectro cuja posição do pico mais elevado varia conforme a sua temperatura.

Radiação do Corpo Negro


Pelo contrário, o modelo do Estado Estacionário não previa essa radiação, pois não passara por uma fase muito quente.
O problema é que não existiam, na altura, instrumentos capazes de medir essa radiação tão ténue e difusa.

O terceiro capítulo abre com a descoberta dessa radiação, depois chamada Radiação Cosmológica de Fundo, acontecimento tão importante que os seus autores foram distinguidos com um Prémio Nobel.


Com esta descoberta, o Big Bang impõs-se na comunidade científica, enquanto o modelo do Estado Estacionário ficou restringido a pequenos nichos de alguns admiradores. 

Um quarto capítulo começa com os avanços espectaculares na Física das Partículas. Construções teóricas e instrumentos capazes de criar energias crescentemente elevadas vão permitir uma aproximação cada vez mais estreita aos momentos iniciais do Universo. Além disso surgem novos telescópios não só na “luz” Visível mas também nos raios  Infra Vermelho, raios Ultra Violeta, raios X, raios Gama, etc..


Entretanto começam a surgir algumas dificuldades. Aqui deixo duas como exemplo: se o Universo está a expandir-se há tantos milhões de anos, como explicar a homogeneidade global. Mas por outro lado, se inicialmente era tão homogéneo como apareceram as estrelas e as galáxias.
A solução surgiu, em 1969, com a introdução da “Inflação”: logo nos tempos iniciais, o Universo expandiu-se milhões de milhões de milhões de vezes num tempo ínfimo. E assim se resolveram estas dificuldades e algumas outras.


Mais duas dificuldades "inesperadas" (na ciência, o inesperado é o habitual e o motor do progresso!) abrem o quinto capítulo.
Uma delas era já conhecida há mais de 70 anos, mas ninguém ligara: não existe matéria visível suficiente para explicar a dinâmica das galáxias e dos aglomerados de galáxias. Apesar de várias tentativas, não foi possível até agora saber que matéria é essa: será "normal" mas invisível ou será uma nova forma de matéria ainda desconhecida. Perante este desconhecimento chamou-se-lhe Matéria Negra ou Escura.


A outra, talvez ainda mais inesperada: há cerca de 5 mil milhões de anos, a expansão do Universo, que vinha a perder folgo, começou a acelerar. O que se passa? Muitas teorias, muitas ideias, mas a sua natureza e o seu aparecimento são ainda um mistério, bem caracaterizado pelo nome de Energia Negra ou Escura.

Fonte: Science et Vie nº 221, p. 129

Actualmente, devido aos dados fornecidos, pela sonda WMAP, que analisou a radiação Cosmológica de Fundo, sabe-se que o Universo começou a expandir-se há 13, 7 mil milhões de anos e é composto de 4% de Matéria Visível, 23% de Matéria Negra e 73% de Energia Negra.

              Sonda WMAP             Mapa da RCF feita pela WMAP
Finalmente, um novo capítulo. O que aconteceu no início? Houve criação? A partir de quê? De “flutuações quânticas do vazio”. Mas o que é isso de um vazio cheio de energia? Não estará a Física a pisar os âmbitos da Filosofia ou mesmo da Teologia?

Esta pequena esfera com 0,1 mm desloca-se em direcção a uma
 placa lisa em resposta às flutuações de energia do vazio

E antes do Big Bang, o que é que havia?
Aqui gostaria de fazer uma rectificação. S.to Agostinho tem sido acusado de responder que Deus "criara o inferno para mandar para lá quem se dedicava a fazer esta pergunta". Este erro propagou-se, suponho que a partir de Gamow: pelo menos foi nele que encontrei pela primeira vez esta referência. Contudo, sendo ele um brincalhão nato, talvez a citação fosse desenquadrada. Mas, para repor a verdade aqui deixo as palavras de Santo Agostinho: "Eis a minha resposta àquele que pergunta 'Que fazia Deus antes de criar o céu e a terrra?' Não lhe responderei nos mesmos termos com que alguém, segundo se narra, respondeu, iludindo, com graça, a dificuldade da questão: 'Preparava - disse - a geena (inferno) para aqueles que prescrutam estes profundos mistérios!'. Uma coisa é ver a solução do problema e outra é rir-se dela. Não darei essa resposta. Gosto mais de responder: não sei - quando de facto não sei - do que apresentar aquela solução dando motivo a que se escarneça do que propôs a dificuldade e se louve aquele que respondeu sofisticamente" (Confissões, XI, 12).


Lutero é que se terá divertido dizendo algo semelhante, caso não tenham também deturpado as suas palavras (não sei alemão e, pior ainda, não conheço a fonte): "Deus está sentado por detrás de uma aveleira, com varas cortadas para aplicá-las aos interrogadores indiscretos" (Er ist hinter dem Haselslrauch gesessen und hat Ruten geschnitten für müssige Fragen).

Muitos pensam que a resposta às perguntas que acabei de fazer pode estar no “casamento” da Teoria da Relatividade com a Mecânica Quântica. O problema é que a Relatividade, já confirmada por vários factos experimentais, funciona muito bem mas “apenas” no “infinitamente grande”. A Mecânica Quântica, também já muito testada, funciona muito bem mas “apenas” no “infinitamente pequeno”. Contudo, quando se tenta unificá-las, quando cada uma delas chega ao terreno da outra, os resultados não têm qualquer significado. Por isso, tantos teóricos procuram uma teoria capaz de as conciliar (Teoria do Tudo).
Há até quem diga que esta é "a demanda do Santo Graal" do século XXI, pois tem-se apresentado muito difícil de abordar. Entre muitas outras destacam-se:
- a Teoria das Cordas, segundo a qual a "partícula" mais pequena é uma corda que ao vibrar origina as diferentes partículas;
- a Teoria da Gravitação Quântica de Laços, segundo a qual o espaço-tempo não é contínuo mas formado por pequenos anéis, uma espécie de "espuma" de laços;

          Teoria das Cordas         e       Teoria Quântica de Laços

- ou a teoria VSL (Very Speed Light), do nosso conterrâneo João Magueijo, que põe em causa a constância da velocidade da luz e cuja história pode ser lida no seu livro Mais Rápido que a Luz.
Este é o esquema do que pretendo ir desenvolvendo. E, depois de apresentar os "fundamentos" do modelo Big Bang, é altura de poder contar, de modo mais compreensível, a história do nosso Universo, “segundo a segundo”.
Mas antes é preciso fazer alguns enquadramentos, porque as grandes teorias e descobertas não nascem do zero.

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