domingo, 2 de outubro de 2011

CÂNTICO CÓSMICO




Vários tipos de Olho

O CULPADO
Aos que vêm aqui dar uma espreitadinha quero dizer que ainda não acabei com este blog. Nem espero acabar. O que aconteceu é que Agosto é sempre um mês complicado e Setembro também o foi: algumas estadias no hospital e suas sequelas que me roubam muito e também um ou outro compromisso. Eu já tinha tudo programado para escrever mais um post, começando uma outra fase da nossa caminhada até finais da década de vinte do século passado. 
O que tenho planeado é o seguinte.
A etapa final é a lei de Hubble, a primeira prova experimental de que o Universo está em expansão.


Olhando este gráfico, cujos valores são os que Hubble obteve, embora arranjadinhos de uma maneira mais elegante, tiramos duas conclusões:
1) as galáxias estão a afastar-se de nós, excepto as mais próximas; depois explicarei qual a causa disso;
2) quanto mais afastadas, maior a velocidade com que se deslocam, como mostra a inclinação da recta.

Mas para chegar a esta Lei, foi preciso resolver dois problemas:
1) a determinação das distâncias das estrelas e das galáxias;
2) o cálculo da velocidade de deslocamento das galáxias.
Como já falei do primeiro (lembram-se de triangulações, paralaxes, Cefeidas!?), vamos ao segundo. A resposta é muito simples. Esta velocidade mede-se por meio do Efeito Doppler. Este efeito era já conhecido para o som.  E quase todos o experimemtámos: quem está numa estão de comboios e vê passar um comboio a apitar, verifica que o som é mais agudo quando ele se aproxima e mais grave quando se afasta do que quando está parado; ou quando uma ambulância passa a grande velocidade. Isto acontece assim porque as ondas sonoras se comprimem (som mais agudo) quando a fonte emissora do som se aproxima e se distendem (mais grave) quando se afasta. Ora o mesmo sucede com a luz, embora aqui o fenómeno seja um pouco mais complicado. E por isso terei de dedicar algum tempo à natureza da luz: partícula ou onda? Seja como for, o seu comportamento é (também) ondulatório (ondas electromagnéticas, assim se diz). Portanto, quando a fonte luminosa se aproxima, as ondas "luminosas", tal como as sonoras, também se comprimem (com a aproximação) ficando mais azuis ou se distendem (com o afastamento) ficando mais vermelhas. Como se vê no gráfico abaixo, a generalidade das galáxias afasta-se pelo que teremos um "desvio para o vermelho" (redshift). A dificuldade é que todos os corpos quentes emitem um "espectro" contínuo, isto é de todas as cores. Como sei se o desvio é para o azul ou para o vermelho? Tendo em conta os elementos que formam as estrelas, pois cada elemento químico tem uma espécie de impressão digital que o identifica: umas riscas "espectrais".
Vejamos um exemplo.


O "espectro" do meio é o de um hipotético elemento que está em repouso. O "espectro" de cima é do mesmo elemento, porque tem as mesmas riscas mas estão um pouco deslocadas para o lado do azul: está, portanto, a aproximar-se de nós. O "espectro" inferior é também do mesmo elemento, mas as riscas estão deslocadas para o lado vermelho; portanto, está a afastar-se. Assim, medindo o deslocamento das riscas ficamos a saber:
1) se está a aproximar-se ou a afastar-se;
2) a sua velocidade que é dada pela dimensão do afastamento das riscas relativamente à situação de repouso. 
Chegado aqui, pensei que deveria explicar por que aparecem as riscas e por que são o bilhete de identidade de cada elemento. E para isso terei de falar do átomo e do modo como os electrões se dispõem nele. 
Era este o plano inicial que está planificado e esquematizado nuns papéis, que espero não ter já perdido (dado o longo tempo de espera!!!).
Foi então que me ocorreu que tudo isto não teria sentido se nós ... não víssemos. E achei que era interessante fazer uma incursão pela visão e sobretudo pela fascinante evolução do olho. Ora acontece que eu tinha umas ideias sobre "pigmentos" sensíveis à luz (responsáveis pelo fototropismo e fototaxia); sobre "olhos" primitivos que não passavam de duas ou três células; sobre olhos compostos, como os dos insectos; e finalmente sobre o olho dos vertebrados. Sabia que, dada a "perfeição" do olho, este se tornou uma arena ideal para a luta entre criacionistas e evolucionistas. E também conhecia uma tese muito interessante de que o olho tinha sido um dos motores da "explosão cambriana" (da vida) dado que o seu aperfeiçoamento exercia uma forte pressão selectiva tanto sobre os predadores como sobre as vítimas para rápidas adaptações ou "criações" de meios de ataque e de defesa cada vez mais sofisticados. Por outro lado estas mudanças comportamentais e anatómicas pressionavam também o olho a evoluir no sentido da formação de imagens cada vez mais perfeitas.


E, já estão a imaginar, pus-me a ler artigos e artigos para melhor perceber esta odisseia absolutamente fascinante. Ora bem neste momento tenho tanto material, já mais ou menos arrumado, que preciso de algum tempo para o "meter" num post e sobretudo torná-lo suficientemente intelegível, já que esta evolução envolveu aspectos técnicos muito complexos e requintados. Vamos ver o que sai.

Como vêem, é por culpa do olho que vão ter de esperar. Para se entreterem entretanto, aqui deixo a belíssima pérola de um poema de Ernesto Cardenal (jesuíta, ministro da Cultura sandinista, suspenso por João Paulo II), autor de um livro de "Cantigas" chamado o Canto Cósmico, que trata da evolução do Universo, desde o Big Bang até um futuro no qual temos várias saídas e que na parte final pergunta "Y cual és la importancia de nosotros?". Como vêem está em espanhol e houve uma expressão que não sei traduzir: "tejer molas". Será tecer qualquer coisa que não faço ideia do que seja. Assim, deixo uma referência que pode ajudar. Mas faço-a sobretudo para estimular pequenos ou grande gestos que contribuam para o desenvolvimento dos povos e a realização das pessoas, sobretudo das mulheres. É a opinião de uma mulher do Panamá: "Tejer molas es una parte importante de mi vida", explica a jovem debruçada sobre o colorido material com intrincados desenhos de animais e de formas geométricas, tecido para camisas, vestidos e decorações. "Es más que una simples mola. Es parte del desarrollo de las mujeres, de nuestro bienestar económico, y lo más importante, de la cultura panameña". Rodeada pelos seus preciosos desenhos e imagens, fala sobre um programa de formação (PEOPLink) para mulheres de povos "afastados" poderem aprender a imaginologia digital e a tecnologia informática para vender no mercado da Internet.

E agora vamos ao Cardenal com umas imagens para ir animando os olhos enquanto os ouvidos se deliciam coma música do poema.

CANTO CÓSMICO
Cantiga 1

No princípio não havia nada
     nem espaço
          nem tempo.
               O universo inteiro concentrado
no espaço do núcleo de um átomo,
e antes ainda menos, muito menor que um protão,
e, mais, ainda menos, um infinitamente denso ponto matemático.
                    E foi o Big Bang.


A Grande Explosão.
O universo submetido a relações de incerteza,
o seu raio de curvatura indeterminado,
          a sua geometria imprecisa
com o princípio de incerteza da Mecânica Quântica,
geometria esférica no seu conjunto mas não no seu detalhe,
como qualquer batata indecisamente redonda,
imprecisa e além disso mudando constantemente de imprecisão
tudo numa louca agitação,
era a era quântica do universo,
          período no qual nada era seguro:
nem as "constantes" da natureza flutuante indeterminadas,
     isto é
          verdadeiras conjeturas do domínio do possível.
Protões, neutrões e electrões eram
                                           completamente banais.
Estava justificado afirmar que no princípio
a matéria se encontrava completamente desintegrada.


          Tudo obscuro no cosmos.
Buscando
               (segundo o misterioso canto da Polinésia),
ansiosamente buscando nas trevas,
buscando na anoite,
a noite concebeu a semente da noite,
o coração da noite existia al desde sempre
mesmo nas trevas,
cresce nas trevas
a pupa palpitante da vida,
das sombras sai mesmo o mais ténue raio de luz,
o poder criador,
o primeiro êxtase conhecido da vida,
com o gozo de passar do silêncio ao som,
e assim a progénie do Grande Expandidor
encheu a expansão dos céus,


o coro da vida elevou-se e brotou em êxtase
e depois repousou numa delícia de calma
                                                 (O poema chegado a Nova Zelândia da Polinésia)
               Tudo era obscuro no cosmos.
O espaço cheio de electrões
                     que não deixavam passar a luz.
Até que os electrões se uniram com os protões
e o espaço se tornou transparente
                e correu a luz.
E o Universo se iniciou
                          como no oratório de Haydn.

Antes da grande explosão
                não havia nem sequer espaço vazio,
pois espaço e tempo, e matéria e a energia, saíram da explosão,
nem havia nenhum "fora" onde o universo explorasse
pois o universo continha tudo, ainda tudo espaço vazio.


         Antes do começo só Awonawilona existia
         ninguém mais com ele no imenso espaço do tempo
         a não ser a obscuridade por todo o lado
         no espaço do tempo.
         E tomou o seu pensamento fora no espaço...
                Não existia nada, nem existia o nada.
                Entre o dia e a noite não havia limite.
                Tudo no princípio estava velado...
    Ou como o contam nas Ilhas Gilbert:
            Na Arean sentado no espaço
            como uma nuvem flutuando sobre o nada...

Da sua cosmologia: "Na Arean estava sentado sozinho no espaço
como uma nuvem que flutuava no nada. 
Não dormia porque não havia o sono;
não tinha fome, porque não havia a fome.
Esteve assim durante muito tempo,
até que lhe ocorreu uma ideia: 'Vou fazer uma coisa'"

A expansão do universo é
as velocidades provenientes da grande explosão.
E um difuso transfundo de estática de rádio
ficou flutuando,
um vago rumor de rádio disperso no universo
como um eco longínquo do Big Bang,
                           não obstante o "efeito dieléctrico"
de umas caganitas de pombas na antena
(um casal de pombas)
                                      esta estática
é o mais antigo sinal captado pelos astrónomos
                (antes da luz das galáxias mais distantes).

A primeira ideia que lhes ocorreu para explicar um ruído de fundo
que aparecia nas antenas com que acompanhavam
um satélite de telecomunicações
é que se tratava de excremento (vulgo, cagadelas) de pombas.

Vaga radiação como um eco de quando o universo era opaco,
1.000 vezes menor e 1.000 mais quente que agora,
ou seja, qualquer par de partículas 1.000 vezes mais juntas.
... Antes que o céu e a terra tomassem forma

tudo era vago e amorfo.
Quando o céu e aterra estavam unidos no vazio e pura simplicidade,
então, sem terem sido criadas, as coisas existiram.
Esta foi a Grande Unidade
mas todas sendo diferentes,,,,


                     ... Primeiro era o garnde ovo cósmico. Dentro do ovo
                     havia caos. E sobre o caos flutuava P'an Ku.
                                       Céu e terra sem forma.       
                     Tudo era vago e amorfo...
... No princípio só havia neblinas.
           Neblinas brancas, azuis, amarelas.
                  As nuvens fê-las de neblina branca.
A noite fê-la da neblina negra.
                  A terra fê-la com todas as neblinas.
Ele cantou ao criar a terra.
Ele fez a terra cantando...
... Do abismo nasceu a terra, quando não havia céus nem terra.
           Ali onde antigamente não havia céu.
Primeira, segunda, terceira, três vezes quatrocentas épocas,
milhares de épocas.
Só por si mesmo, na Profunda Noite.
Soou a Primeira Palavra,
               ali onde não havia céu nem terra...
           A passagem da era da radiação
           à era presente da matéria.
Antes era tanta a energia dos fotões
que a maior parte do universo era radiação
e não massa.
        Ou podemos dizer que tudo era pura radiação
sem matéria essencialmente.
                Mas a era da pura radiação
começou somente depois dos primeiros minutos.
                Antes a matéria sim foi importante,
embora uma matéria diferente da do presente universo.
... No princípio tudo densa obscuridade,
sem formas, vazio...

Tao (道) significa literalmente "o caminho",
não apenas um caminho físico e espiritual,
mas o Absoluto que, por divisão, criou
os opostos e complementares Yin e Yang,
a partir dos quais todas as "dez mil coisas" 


                        ... Então o Tao não tinha nome.
                        Teve-o e foi a criação...
 ... Tudo imóvel, tudo quieto, tudo silencioso, tudo vazio
no céu.
          Não havia nada reunido, nada junto,
não existia nada que existisse, somente imobilidade,
silêncio, nas trevas, na noite...
          Caos no qual não se distinguia o que é, asha,                
do que não é, drug (do livro que queimou Alexandre Magno
mas foi  reconstituído de memória)
                    ... não havia senão crepúsculo...
é o que contam os Cunas nas suas ilhas de coral.
Quando o universo era 10.000 vezes menor que agora
o seu calor era 10.000 vezes maior,
Houve um tempo em que a temperatura era tão alta
que a colisão de protões com protões
produzia partículas materiais da pura energia.
... No princípio só existia o Uno sem outros;
                                    esse Ser pensou: desejo ser muitos...
... Ele estava sentado no meio do espaço
e tomou consciência de si e que só ele existia.
Pôs-se a pensar o que podia fazer. E chorou,
Suas lágrimas são os Grandes lagos.
                   Desejou a luz e a luz foi feita...
... Surgiu no meio das trevas originais
com a sua coroa de plumas que são gotas de orvalho.
                              A dona das trevas é a coruja...



      O positrão é a antipartícula do electrão.
      Quando um positrão choca com um electrão
      a energia dos dois faz-se pura radiação.
      (A relação entre partícula e partícula é recíproca,
      o positrão é a antipartícula do electrão
      e o electrão é a antipartícula do positrão.)
Os anos não eram a terra girando em torno do  sol,
não havia terra, não havia sol,
o tempo era o da órbita de um electrão
em redor de um núcleo de átomo de hidrogénio.
                    ... Naquele tempo havia escuridão e não havia abundância.
Primeiro foi um tempo zero com infinita temperatura.
            Uma centésima de segundo depois do princípio
       (como os cientistas teóricos pensam que foi
       imediatamente depois do princípio)
o universo era tão simples como nunca voltará a ser,
uma massa indiferenciada de matéria e radiação,
todas as partículas chocando rápidas com as outras partículas.


Pelo que, apesar da rápida expansão,
o universo estava num estado de equilíbrio térmico,
            e a temperatura era 1011 oK.
As partículas abundantes eram o electrão com
a sua antipartícula o positrão.
         O calor era demasiado grande para esses electrões e positrões,
por isso eles e os fotões não eram mais que radiação.
         ... Dois gémeos terminaram a criação.
             Ensinaram a produzir fogo, a caçar as focas.
             Ensinaram também os homens a fazer amor.
             Revelaram-lhes os nomes das coisas...
     ... No princípio criou os sexos e juntou-os...
À enorme densidade do início
corresponde uma enorme velocidade de expansão.
O "tempo característico da expansão", assim dizem,
é 100 vezes a extensão do tempo
em que o tamanho do universo aumenta 1 por cento,
a gravitação continuamente travando a expansão,
Há um electrão por cada protão
mas demasiado calor para que se forme um átomo.
Depois não há nada de interesse por 700.000 anos.
Então os electrões e os núcleos formaram átomos.
O universo tornou-se transparente à radiação.
Os átomos recém-formados brilharam com grande luz.
                 Depois
as primeiras estrelas começaram a brilhar nas primeiras galáxias.


Ao desacoplar-se matéria e radiação
a matéria começou a formar-se em galáxias e estrelas,
a gravidade grávida de estrelas,
grávida depois de planetas em redor das estrelas,
e 10.000 milhões de anos depois
Weinberg está contando esta história.
                 Mas antes dos protões e electrões
1 milhão de milhões de milionésimas de segundo depois do princípio
o mundo exista
                               "apenas se poderia chamar-lhe material".
(Na Califórnia): O mundo era invisível.
           Transparente como o céu...
Ele existia, Ta'aroa era o seu nome na imensidade,
não havia terra, não havia céu,
não havia mar, nem Tahití.
Existindo o solo, ele se converteu em universo...


A própria ideia de partícula não teria sentido,
cada partícula teria sido do tamanho do universo observável
e o universo com uma temperatura de mais de
100 milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de graus
a uma décima de milionésima de milionésima de milionésima
de milionésima de milionésima de milionésima de milionésima
de segundo depois do princípio.
                  ... Ele fez a terra de Hawai como uma concha marinha
e a terra começou a dançar...
É pelo menos logicamente possível que tivesse havido um princípio
antes do qual o tempo não teria sentido.
Uma temperatura zero,
pois menos calor que o absoluto não calor não pode haver.
Um tempo zero,
um momento do passado
no qual é impossível que houvesse antes por princípio
nenhuma cadeia de causa e efeito,
nenhum antes.

                  No princípio foi uma explosão,
mas não uma explosão de um centro para fora
mas uma explosão simultânea em todo o lado, enchendo
todo o espaço desde o princípio, toda a partícula
de matéria afastando-se de toda outra partícula.
Uma centésima de segundo depois
a temperatura era de 100.000 milhões de graus centígrados
ainda tão alta que não podia haver moléculas nem átomos
nem núcleos de átomos, apenas partículas elementares;
electrões, positrões
e neutrinos fantasmagóricos sem carga eléctrica e sem massa,
         "o mais próximo do nada que conceberam os físicos".
                   E o universo encheu-se de luz.
... A noite oprimia a terra como selva impenetrável...
      ... Diz-se que quando ainda era noite,
          quando ainda não havia luz,
          quando ainda não amanhecia,
          dizem que se juntaram. Disseram: "Quem fará amanhecer?"
... Quando era noite,
    Estava a luz metida além numa Coisa Grande.
    Começou a amanhecer e a mostrar a luz que em si tinha,
    e principiou a criar naquela primeira luz...

a


No final dos três primeiros minutos
protões e electrões começaram a formar núcleos,
primeiro os núcleos de hidrogénio
                                           de 1 protão e 1 neutrão.
Não havia ainda nem galáxias nem estrelas
mas uma massa indiferenciada e ionizada de matéria e radiação.
Teria que ter havido um tempo
em que a radiação da energia era maior
que a energia da matéria do universo.
E foi a transição da era da radiação, quando
a maioria da energia do universo era em forma de radiação,
para a era presente da matéria, quando a maioria
da energia está nas massas das partículas.
Num princípio vivia entre densas e obscuras neblinas
lá onde se juntam o céu e o mar.
Criou no mar uma ilha muito grande
que encheu de vida perecível...
... Quando o céu lá em cima não tinha sido mencionado
e o nome da terra nem sequer pensado.
Nenhum pântano ainda formado. E não havia Mesopotâmia...
                        ... Quando toda a terra ainda não existia,
                                e por todos os lados era água,
                                                       uma bruma imensa...
A matéria continuou dispersando-se, dispersando-se,
cada vez mais fria e menos densa,
e um pouco depois - umas poucas centenas de milhares de anos -
tinha arrefecido o suficiente para que electrões
unidos a núcleos engendrassem átomos de hidrogénio e hélio,
e este gás pela gravitação foi-se juntando, juntando mais,
e depois apertando-se mais em forma de galáxias e estrelas
do presente universo.
        ... As estrelas são mulheres
                   que pela noite acendem fogos gelados...
... Lá em cima há uma aldeia de mulheres
que de noite tecem as suas molas junto a lâmpadas muito potentes...
... As estrelas fugazes são excrementos dos astros...
Desde então a pressão da matéria, da matéria só,
foi demasiado fraca para se opor
à união apaixonada da matéria nas galáxias
que vemos no céu.
                Os ingredientes das primeiras estrelas
procedem desses três minutos.
Mas as galáxias estariam tão juntas naquele passado
que nem galáxias nem estrelas nem átomos nem núcleos de átomos
tinham uma existência separada.
... Antigamente a nossa terra estava no lugar do céu...
... No princípio foram criadas formas com a matéria das nuvens
mas sem vida.
            Até que depois foi a criação do primeiro casal...
... O Primeiro Mundo era negro como lã negra
sabemo-lo pelos nossos antepassados... (disse o navajo
a Aileen O'Bryan e disse que os navajos
tinham sabido sempre da evolução).


            Porém se a expansão aumenta e aumenta
aumentará a distância das partículas
até que o universo inteiro pareça
um espaço vazio.
As reacções termonucleares pouco a pouco acabando-se
em todas as estrelas, deixando apenas um cinza
de estrelas negras anãs, estrelas de neutrões e buracos negros,
os planetas girando cada vez mais devagar,
sem nunca chegar a parar num tempo finito.
                  A morte por entropia.
          O céu por fim totalmente negro.
Já não haverá distinção entre estrelas brilhantes e espaço negro.
Ou a matéria converter-se-á novamente em radiação
e tudo voltará a ser luz.
O universo começará de novo a concentrar-se lentamente.
          A concentração será uma expansão ao contrário.
Como se rebobinassem outra vez a película
diante dos espectadores ainda sentados na sala de cinema,
          o cow-boy no seu cavalo branco cavalgado para trás,
          a bala disparada contra a pistola,
          as bocas separadas voltando ao lento beijo.
Dentro de dez mil milhões de anos os astrónomos
verão começar a deslocar-se
do vermelho para o azul as longínquas galáxias.
               O colapso gravitacional do universo.
Quando o universo for uma centésima do seu tamanho actual
o ruído de fundo da radiação dominará o céu.
O céu nocturno tão quente como o dia no presente.
Setenta milhões de anos depois será mais brilhante que o sol.
As moléculas nos planetas e nas estrelas e no espaço interestelar
ir-se-ão decompondo em átomos
e os átomos em electrões e núcleos atómicos.
Depois de outros 700.000 anos
a temperatura será de dez milhões de graus,
estrelas e planetas liquefeitos num cocktail cósmico
           de electrões e núcleos e radiação.
A temperatura subirá a dez mil milhões de graus
nos seguintes 22 dias.
Os núcleos quebrar-se-ão em protões e neutrões.
Muito rapidamente então electrões e positrões surgirão em grande número
das colisões de fotões com fotões
e os fantasmagóricos neutrinos com os seus antineutrinos
farão de todo o cosmos uma comunhão térmica.
                  Até aos últimos três minutos.
É então que se para o tempo, nos últimos três minutos?
E mais além só há a temperatura infinita e a densidade infinita?
        Mais além da última centésima de segundo não sabemos mais
        como não sabemos antes da primeira centésima de segundo
        diz-nos o autor do livro dos primeiros três minutos.
O universo teria então outra vez
100 milhões de milhões de milhões de milhões de graus
mas talvez a bola do cosmos acabe por ressaltar
e começará a expandir-se de novo
e a sua expansão chegará outra vez a bater na parede
e a voltar para trás de novo e assim
a ressaltar outra vez
                  e assim outra vez e outra vez
e assim para sempre.

Foz-Côa                            Cromeleque dos Almendres                               Fratel
E nós o quê: Consciência do Universo ou Universo consciente?

E nós o quê?
             Ciclo sem fim de expansão e concentração
repetido e repetido em infinto passado
                     que não teve começo.
Um infinito ressaltar entre infinitos infinitos.

E qual é a importância de nós?
Nenhum monumento - pedra ou metal - do presente universo.
Vós ser humano olhando na tua janela as estrelas.
                     Nelas também choram!
Morte em acidente de viação ou eleição para presidente.
Qual é a importância de nós próprios?
Um que diz: amanhã é segunda, há que ir ao trabalho.
         A esperança naquele que foi ao lugar donde não se volta
         e voltou.
Que se chamou a si mesmo um processo electromagnético.
Depois de tudo, a vida é um processo.


Tudo é um processo,
depois de tudo.
E por que nos foi dado conhecê-lo
e pô-lo todo coerente numa lousa negra
com uns números de giz, e uns cálculos?
                E se o universo inteiro tende a ser
um só ser universal?
                        E a última etapa da evolução
o superorganismo universal?
Repetindo-se por trás de cada Big Bang este universo
para ser melhor cada vez
até chegar a ser o cosmos perfeito,
presentes nele todos os tempos passados,
recapitulados todos os seres.
Einstein por mais que calculava,
fracassava, as suas equações davam-lhe sempre um modelo não estático
de universo.

Fim de citação

Homenagem ao meu maior amigo e à sua maior amiga.
Homenagem mais pequenina também a Cardenal que, nesta Cantiga, insinua este Oratório de Haydn.

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