quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Medição das distâncias: Cefeidas como Padrão de Medida

Sumário para o blogonauta 

1. Big Bang (Sumário)
2. História milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos, filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6. Descobrimentos e a "ciência" (1)
7. Descobrimentos e a "ciência" (2)
8. Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os Lusíadas: significado da epopeia
10. As "contra-epopeias"
11. A caminho do modelo heliocêntrico
12. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
12A. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
13. O génio do "modelo experimental" (Galileu) – Descobertas
14. Caso Galileu (1)
15. Caso Galileu (2)
16. A caminho das estrelas
17. Primeiras medições astronómicas
18. Desafio das Nebulosas
19. Medição das distâncias: Descoberta das Cefeidas
20. Medição das distâncias: a Fotografia entra em cena
21. Medição das distâncias: Cefeidas como Padrão de Medida
22. Medição das velocidades das galáxias (Efeito de Doppler)
23. Lei de Hubble, que apresenta provas experimentais da expansão do Universo
24. Modelos teóricos, que partem todos da Teoria da Relatividade
25. Modelo de Einstein
26. Modelo de Friedmann-Lemaître.

Uma imagem por post





CARTOGRAFIA DO CÉU ESTRELADO
Henry Daper, já nosso conhecido, decidiu doar toda a sua fortuna ao Observatório de Harvard para que fossem fotografadas e cartografadas todas as estrelas observáveis.
Em 1877 Edward Ch. Pickering (1846-1919) foi nomeado director do Observatório, lugar que ocupou durante 42 anos. Foi criticada a sua nomeação por se tratar de um físico, mas talvez por isso se tornasse, segundo alguns, o criador de uma “nova astronomia”, ao definir três grandes objectivos: ser um lugar de investigação, desenvolver a dimensão física da astronomia e criar um grupo de trabalho que procedesse aos trabalhos de rotina de determinações fotométricas das estrelas. Em 1906, as estimativas de magnitude no observatório de Harvard ascendiam a mais de 1,5 milhões.
A partir de 1883, realizou, em colaboração com o seu irmão William, as primeiras experiências no domínio da fotografia astronómica, dando logo início ao “Photographic Map of the Entire Sky” (Mapa Fotográfico de Todo o Céu), com o qual pretendia fotografar todas as estrelas visíveis do observatório de Harvard (Hemisfério Norte) e da estação de Arequipa, no Peru (Hemisfério Sul). Este Observatório em Arequipa veio a desempenhar um papel fundamental na “nossa” história.
Pickering conseguiu acumular meio milhão de chapas fotográficas, o que exigiu um enorme esforço para poder analisá-las. Cada chapa podia conter centenas de estrelas e para cada uma delas era necessário medir e registar a luminosidade e a localização. Para este trabalhou criou uma equipa de jovens chamados computers (computadores ou calculadores)

Harém de Pickering
Decepcionado com a pouca eficácia daquele grupo de rapazes, decidiu despedi-los e substitui-los por uma equipa feminina de computadoras, sob a supervisão da sua governanta Williamina Flemming (1857-1911), equipa que ficou conhecida pelo “Harém de Pickering”. As mulheres tinham três vantagens:
- eram mais meticulosas e cuidadosas que os homens;
- tinham mais tempo para “computar”, não faziam observações, porque os telescópios estavam geralmente instalados em locais frios e escuros, considerados “naturalmente” impróprios para o “sexo fraco”; além de que não parecia bem que homens e mulheres trabalhassem  juntos durante a noite sob o manto diáfano de um céu estrelado;
- contentavam-se com ganhar 25 a 30 cêntimos à hora enquanto os homens levavam 50.



A ideia de Pickering era que as mulheres computadores se ficassem pela tarefa de examinar as chapas fotográficas. Tratava-se de um trabalho tão esforçado, enfadonho e rotineiro que é muito difícil para nós hoje imaginar o esforço que era pedido a cada mulher. Olhar uma chapa fotográfica, comparar brilho e posição de cada estrela, tentando aperceber-se de alguma diferença, e anotar esses valores. Depois pegar noutra e repetir; e noutra e repetir; e noutra e repetir; e noutra e repetir.

As imagens seguintes são um caso muito fácil: poucas estrelas e a variação de uma delas vê-se logo à primeira olhadela. Mas esta situação estava muito longe de ser a regra.


Apesar disso, algumas delas acabaram por se tornar verdadeiras cientistas.
Por exemplo, a própria Williamina, em nove anos catalogou mais de 10 000 estrelas, descobriu 59 nebulosas, mais de 300 estrelas variáveis e 10 “novae”.
Outra que ficou famosa foi Annie Jump Cannon (1863-1941), não só por ter catalogado mais de 5000 estrelas, entre 1911 e 1915, calculando a localização, o brilho (1*) e a cor de cada uma, mas também porque a sua catalogação foi fundamental para a actual classificação estelar, baseada em características espectrais e outras. As sete categorias são facilmente memorizáveis com uma mnemónica em inglês: "Oh Be A Fine Girl, Kiss Me" (Oh, sê uma simpática rapariga, beija-me”) (2*).
Foi a primeira mulher a receber um doutoramento honoris causae e outras distinções análogas. Também ela tivera escarlatina em miúda e ficara quase surda.

Henrietta Swan LEAVITT (1868-1921)


Mas a mais famosa de todas foi Henrietta Leavitt, que também era surda profunda. Depois de terminar a sua graduação em 1892, foi contratada por Pickering para, com outras, trabalhar no catálogo fotográfico do Observatório, medindo os brilhos de estrelas. Aproveitando ao máximo as tecnologias emergentes (telescópios mais potentes e aplicação da fotografia à astronomia), apaixonou-se especialmente pelas Cefeidas, procurando-as nas duas Nuvens de Magalhães. Estas duas galáxias só são visíveis no Hemisfério Sul, pelo que todas as suas chapas fotográficas foram tiradas no Observatório de Arequipa. Leavitt catalogou 1777 estrelas variáveis, das quais 47 eram Cefeidas, conforme artigo, publicado nos Annals of Harvard College Observatory, Vol. LX, nº IV.



Durante meses e meses a medir e a catalogar, decidiu tentar descobrir o mecanismo subjacente. Começou por centrar a sua atenção nas duas grandezas que “tinha à mão”: o período de variação e o brilho. Numa primeira fase não conseguiu detectar qualquer relação, até porque duas dessas estrelas podiam estar muito afastadas uma da outra. Todos sabiam que apenas era possível detectar o brilho aparente (aquele que nós vemos) e não o brilho real ou absoluto (aquele que era próprio da estrela).
O problema parecia insolúvel, mas a “fanática das estrelas variáveis”, como lhe chamou Charles Young, não desistiu. Concentrou-se na Pequena Nuvem de Magalhães (PNM) e conseguiu identificar aí 25 Cefeidas.

Galáxia Pequena Nuvem de Magalhães
Em ambas se podem ver dois aglomerados globulares: o NGC 362 (do lado direito da galáxia) e, em baixo, o espectacular 47 Tucanae que está apenas a 13 000 anos-luz de nós.

Para lá da sua variação do brilho no característico “dente de serra, haveria ali alguma “mina” para explorar? Ela acreditava que sim. E tanto porfiou que alcançou. E acabou por ter duas ideias brilhantes: 1) Relação Brilho-Período das Cefeidas; 2) Do Brilho aparente ao Brilho absoluto (real).

1) Relação Brilho-Período das Cefeidas
Em 1908 notou que havia uma correlação entre o período de sua variabilidade e sua luminosidade. Embora essa descoberta tenha um grande potencial para a determinação precisa de distâncias a objectos celestes Leavitt não a desenvolveu. Foi proibida de fazê-lo pelo seu director, Pickering, sob a alegação de que a tarefa para a qual fora contratada era coligir dados e não analisá-los.
Contudo, ela construiu um gráfico que mostrava claramente essa correlação entre o brilho (luminosidade) aparente versus o período de variação e concluiu que havia uma relação fundamental: quanto maior era o brilho, maior era o período de variação desse brilho

Gráficos de Leavitt com as 25 Cefeidas da PNM (Harvard Circular 173)
O eixo vertical regista os brilhos aparentes e o eixo horizontal os períodos.
As duas curva/recta correspondem aos máximos e aos mínimos de brilho aparente. 
Enquanto o gráfico da esquerda dá os valores obtidos, 
o da direita utiliza no eixo horizontal não o número de dias mas o seu logaritmo
 para poder converter as curvas do lado esquerdo em rectas no lado direito.
  

O primeiro gráfico mostra a relação original que ela detectou, apresentando uma curva cónica. Mas, pela sua forma, Leavitt, como qualquer um que tenha alguns conhecimentos matemáticos, logo percebeu que podia obter uma recta, como se vê no segundo gráfico: bastava marcar não o Período mas o logaritmo do Período.
Com esta sua relação, obteve finalmente uma relação matemática, isto é, quantitativa, entre o brilho aparente e o período, como escreveu no seu famoso artigo publicado em 1912: “Uma linha recta pode ser traçada para cada uma das duas séries de pontos correspondentes aos máximos e aos mínimos (de cada cefeida), mostrando assim que existe uma relação simples entre o brilho das (estrelas) variáveis e os seus períodos. O logaritmo do período aumenta cerca de 0,48 por cada aumento de uma magnitude no brilho”.

Este artigo, ou antes uma comunicação com apenas três páginas, conhecida por Harvard Circular 173 e datada de 3.Março.1912, está assinada apenas por E. Pickering, embora no SAO/NASA ADS Astronomy Abstract Service, que faz a referência aos artigos e fornece um resumo (abstract), apareça também o nome de Leavitt, Henrietta S., nos seguintes termos:

Title:
Periods of 25 Variable Stars in the Small Magellanic Cloud.
Authors:
Publication:
Harvard College Observatory Circular, vol. 173, pp.1-3
Publication Date:
03/1912.
Não devemos, no entanto, esquecer que, em 1924, o matemático sueco  Gösta Mittag-Leffler ficou tão impressionado com a sua descoberta que quis propô-la para o Nobel. No entanto, como ela já tinha falecido três anos antes com cancro, não podia ser nomeada.
De qualquer modo, esta desconsideração, esquecimento ou até má vontade contra as mulheres aconteceu e ainda acontece em todos os campos, nomeadamente na ciência (3*).

Esperemos que rapidamente desapareça. Entretanto, vou aqui deixar um exemplo relativamente recente.
A revista Nature, ao celebrar os 50 anos da descoberta da Dupla Hélice do DNA, recordou que 1953 foi um annus mirabilis para a ciência e apresentou cinco artigos clássicos que descreveram e fundamentaram a dupla hélice como a estrutura do DNA. O primeiro deles, saído a 25.Abril.1953, é de Watson J.D. and Crick F.H.C., A Structure for Deoxyribose Nucleic Acid, Nature 171 (1953) 737-738. Esta descoberta foi, sem dúvida, mais uma aventura fantástica, mas com alguma sacanice pelo meio. É que esses famosos Watson e Crick só conseguiram descobrir o seu modelo de dupla hélice servindo-se das últimas imagens de difracção de raios X do DNA feitas por Rosalind Franklin (1920-1958), a que tiveram acesso de modo pouco transparente e sobretudo sem conhecimento da autora. Entre elas estava a célebre “Fotografia 51. O único comentário destes laureados, depois da sua descoberta, foi chamar-lhe burra:  "E pensar que Rosie teve todas aquelas imagens em 3D por nove meses e não viu uma hélice. Cristo". 
Aqui lhe presto a minha homenagem e nela a todas as mulheres que os homens consideram o “sexo fraco”.

Rosalind Franklin e a sua famosa Photo 51 que lhe foi "roubada"


2) Do Brilho aparente ao Brilho absoluto (real)
Se a PNM está muito afastada, as suas Cefeidas também têm de estar. Então, mesmo que a distância entre elas seja significativa, será sempre relativamente insignificante vista da Terra. Isto é, Leavitt partindo deste pressuposto - e esta foi a sua grande intuição -, considerou que as Cefeidas da PNM estavam todas à mesma distância da Terra.
Então, se as Cefeidas estão todas praticamente à mesma distância, a sua relação Brilho aparente-Período deve ser também a sua relação Brilho real-Período. É que o que diferencia os brilhos aparentes das estrelas é a distância. Portanto, se temos um grupo de estrelas à mesma distância da Terra, a relação entre os brilhos aparentes é a mesma que a dos brilhos absolutos. O problema está apenas nas distâncias.


O que podemos deduzir da Relação de Leavitt?

Já sabemos, de três posts atrás, que a estrela Delta Cephei (DC) tem um período de 5,4 dias e o brilho aparente mínimo de 4,3. O que acontece com uma Cefeida da Pequena Nuvem de Magalhães (PNM) que tenha o mesmo Período de 5,4 dias?
Vamos ao gráfico de Leavitt, que, como sabemos, foi obtido a partir das Cefeidas da PNM:
- marcamos o ponto 0,73 (logaritmo do período 5,4 dias) no eixo X (horizontal);
- traçamos uma linha vertical até encontrar a recta do gráfico;
- a partir deste ponto uma linha horizontal vai dar-nos no eixo Y (vertical) um ponto: 15,4.
Este é o brilho aparente que uma Cefeida da PNM, que tenha o mesmo Período que a DC, isto é, 5,4 dias. 








Daqui tiramos duas conclusões:

- uma Cefeida da PNM, com o mesmo período da DC, tem um brilho aparente de 15,4, enquanto o da DC é de 4,3; isto é, há uma diferença de magnitude de 11,1 (15,4 - 4,3);
- sabemos, pela relação de Leavitt, que estas duas estrelas são “gémeas”, isto é, têm o mesmo Brilho absoluto, pois têm o mesmo Período; se as vemos com brilhos diferentes é porque estão a diferentes distâncias.



E que informação podemos tirar daqui?
Esta diferença de brilho aparente de 11,1 significa que a estrela na PNM tem um brilho aparente 27 556 (2,51211,1, de acordo com a equação explicada na Nota 1*). Aplicando a lei do inverso do quadrado, segundo a qual o fluxo de luz decresce com o quadrado da distância, concluímos que a Cefeida da PNM está 166 (a raiz quadrada de 27 556) vezes mais distante que a DC. 

Esta é a informação que posso obter do gráfico de Leavitt: só posso ter uma relação entre distância, não as distâncias reais. Para isso, temos de conhecer a distância real de uma Cefeida. A partir daí podemos determinar a distância de qualquer Cefeida.
Hoje, sabemos que a partir de medições por paralaxe do Telescópio Hubble que DC está a 891 anos-luz de distância. Portanto é muito fácil saber a distância real da Cefeida da PNM. Tem de ser 166 vezes maior: 148 000 anos-luz (891 anos-luz x 166, o factor de distância). O facto de este valor se afastar do valor real (200 000 anos-luz) indica que a curva de Leavitt precisava de ser refinada com outras Cefeidas.

Tudo simples! Só que em 1912 não se sabia a distância real da DC nem de qualquer outra Cefeida.
Este exercício foi uma adaptação de outra maneira de explicar a importância da descoberta de Leavitt, mas está com város erros.

Portanto, o passo seguinte tinha de ser a medição da distância real de uma Cefeida, pois sem esta espécie de "calibração da curva", não se podia avançar. É que só depois de ter a curva "calibrada" é que se pode determinar com rigor a distância real de todas as outras Cefeidas, em apenas três passos:
- medir o brilho absoluto da estrela através do seu período (relação de Leavitt);
- medir o seu brilho aparente, o que é visível da Terra;
- calcular a sua distância a partir da lei do inverso dos quadrados: a luz diminui com o quadrado da distância.
Este método é muito poderoso, porque as Cefeidas são estrelas (super)gigantes amarelas, o que significa que possuem luminosidades intrínsecas ou absolutas milhares de vezes maiores que a do Sol. E assim podem ser observadas mesmo quando se localizam a distâncias muito grandes.



MEDIÇÃO DA DISTÂNCIA DE UMA CEFEIDA
1. Ejnar Hertzprung mede a distância das primeiras Cefeidas
Como Pickering dissuadira (proibira, não?) Leavitt de explorar a sua relação Brilho-Período, o dinamarquês Ejnar Hertzsprung (1873-1966), em 1913, foi o primeiro a utilizá-la para medir as distâncias de Cefeidas conhecidas na nossa Galáxia. Para isso desenvolveu o método de Leavitt, introduzindo técnicas mais complexas, incluindo a paralaxe estatística, que assenta no estudo estatístico do movimento próprio de grande número de estrelas. Embora não fossem tão precisas como a paralaxe trigonométrica, conseguiu medir grosseiramente as distâncias de 13 Cefeidas.
Nesse mesmo ano, procurou, com as mesmas técnicas, determinar as distâncias de várias Cefeidas na Pequena Nuvem de Magalhães (PNM). Mas dada a incerteza das técnicas usadas e possivelmente algum lapso de escrita acabou pôr obter distâncias dez vezes mais próximas, com a consequente repercussão na distância da PNM, que estaria “apenas” a 30 000 anos-luz (realmente está a 170 000).
Apesar de ter subestimado tanto a distância da PNM, 30 mil anos-luz de distância era muita distância, o que provocou um grande choque psicológico. Afinal o Universo era mesmo muito grande. E ainda ninguém suspeitava do que aí vinha!

2. Harlow Shapley mede o tamanho da Via Láctea
Shapley (1885-1972) tornou-se astrónomo por acaso. O que desejava era ser jornalista, mas a Escola para onde devia ir ainda estava em construção. Então, inscreveu-se em astronomia. Alguns anos mais tarde era astrónomo no célebre Observatório de Monte Wilson. A 13.Ag.1914 apresentou uma comunicação sobre “a natureza e causa da variação da Cefeida”.
A partir de 1915, seguindo o método de HertZprung começou a localizar as Cefeidas mais próximas para calibrar a curva de Levitt e partir daí determinar o tamanho e a forma da Via Láctea, bem como a localização do Sol dentro dela.

Começou por estudar 150 aglomerados estelares e neles 230 estrelas com períodos variando de 100 dias a 5 horas. Foi um trabalho exaustivo e doloroso, como se lamentava numa carta de 8.Jan.1918 dirigida a Eddington: “A medição das grandezas necessárias para a determinação das distâncias e distribuição espacial dos aglomerados levou uma quantidade estúpida de trabalho muito doloroso (“a painful amount of stupid labor”), mas não posso esquecer que agora temos as paralaxes de cada um deles  (aglomerados estelares) “ E concluía: “A lei luminosidade - período de variação das Cefeidas, um dos pressupostos fundamentais neste trabalho, está agora muito bem definida (very prettily defined)”.

Gráfico de Shapley publicado no artigo do Astrophys. J. 48(1918) na página 104.
Repare-se que Shapley coloca os tempos de um modo diferente do que temos visto: 
os maiores ficam do lado esquerdo.

Uma vez dispondo deste instrumento, ele pode localizar os vários aglomerados estelares. E, com surpresa, descobriu que se concentravam apenas de um dos lados do Sol, na direcção da constelação Sagitário.

O Sol está localizado no centro dos eixos e o centro da Via Láctea está marcado com um X vermelho

Então concluiu que o centro da nossa Galáxia estaria no meio deste aglomerado e teria cerca de 100 000 anos-luz de “comprimento”. Ter encontrado valores tão elevados foi mais um dos argumentos que o convenceu de que o Universo se reduzia à nossa Galáxia. Como já vimos, ele defendeu esta "teoria da Galáxia única" o Grande Debate de 1920 sobre as nebulosas.
E mais psicologicamente dramática era a audaciosa afirmação que estava subjacente: o nosso Sol não se encontrava no centro da Via Láctea, mas sim a 30 000 anos-luz do centro.
Referi o aspecto psicológico porque deve ter sido traumático mais um ataque ao nosso já tão ferido orgulho o de tirar a centralidade ao Sol e de o atirar para um qualquer canto anónimo como uma qualquer reles estrela.


Dificuldades
Como seria de esperar, pois estávamos no início da caminhada, houve várias dificuldades a atrapalhar a medição correcta das distâncias na Via Láctea. Refiro apenas duas.


1) Algumas das estrelas variáveis não eram Cefeidas, mas RR Lyrae.


Comparação dos gráficos Brilho-Período da Cefeida DC e da estrela VX Her, que é uma RR Lyrae

As estrelas  RR Lyrae são também, como as Cefeidas, muito boas "velas padrão". Mas apresentam três diferenças significativas:
- as magnitudes absolutas são a mesma para todas (cerca de 0,5);
- têm períodos de variação de brilho da ordem de horas;
- são gigantes vermelhas, isto é, muito pequenas e fracas pelo que não podem ser vistas a grandes distâncias.
Podem ser utilizadas para distâncias até 2 milhões de anos-luz, enquanto as Cefeidas podem ai até aos 80 milhões. Portanto são utilizadas essencialmente para medir distâncias na Via Láctea e em nebulosas próximas.

Uma observação minha"meio idiota" 
Analisando a curva calibrada de Shapley, já se poderia ter suspeitado (“digo eu de que”, sentadinho à mesa teclando num computador: ovos de Colombo há muitos como os chapéus e chicos espertinhos, como eu agora estou a ser, ainda há mais!). Mas cá vai a minha “descoberta”:

Repare-se que a curva de Shapley atrás apresentada é a "soma" de Cefeidas (recta laranja) com RR Lyrae (recta azul). Para perceber melhor compare-se com o gráfico da direita, apesar de estar "invertido". É que Shapley é um brincalhão e resolveu ordenar os Períodos colocando do lado esquerdo os maiores (100 dias) e do lado direito os mais curtos (5 horas). Portanto ou torce o pescoço ou utiliza um espelho ou, o que ainda é melhor, puxe um bocadinho pela cabeça.


2) Além disso, não há só um tipo de Cefeidas, como se veio a descobrir muito mais tarde. Foi Walter Baade quem, em meados do século passado (há datas para todos os gostos: 1944, 1945 ou 1952), verificou que existiam dois tipos de Cefeidas (mas até há mais): as de Tipo I (Clássicas) e as de Tipo II (W Viginis). A luminosidade destas últimas é, em média, menos 1,5 de magnitude, mas são mais brilhante que as RR Lyrae.









Neste gráfico vê-se bem as diferenças entre Cefeidas e RR Lyrae


Esta misturada complicou a determinação inicial das distâncias tornando-as mais pequenas, qualquer coisa como um quarto do valor real. Por isso, quando Baade anunciou os seus resultados, os defensores do Big Bang respiraram de alívio. É que o modelo indicava que o Universo tinha a idade de 2 mil milhões de anos, enquanto a idade da Terra era mais do dobro. Ora já se viu a filha ser mais velha que a mãe? Mas lá chegaremos…

3. Edwin Hubble “encontra” uma galáxia fora da nossa
No Inverno de 1923/1924, Hubble começou a utilizar o Telescópio Hooke de 2,5 metros, para medir as distâncias de galáxias (nebulosas) vizinhas. Este telescópio permitiu-lhe distinguir estrelas individuais, algumas das quais eram Cefeidas.
Começou pela galáxia de Barnard (NGC 6822). Identificou algumas Cefeidas, aplicou a relação de Leavitt e deduziu a sua distância na nebulosa, mediu os períodos, e daí deduziu os brilhos absolutos. Mediu então os brilhos aparentes de cada variável nas fotografias que obteve, e, finalmente, deduziu as distâncias até as variáveis, e portanto, até a galáxia. O resultado foi dramático: a nebulosa estava localizada a uma distância que era muito maior que o tamanho de nossa própria Via Láctea: cerca em 700 mil anos-luz. A conclusão era definitiva: NGC 6822 não estava confinada aos limites da Via Láctea! Era um sistema estelar localizado fora de nossa galáxia! Era uma outra galáxia! Foi uma das maiores descobertas da astronomia, e inaugurava-se uma nova era na pesquisa astronómica, a era da "astrofísica extragaláctica".Depois apontou para a nebulosa M31 (Andrómeda).

Na noite de 4.Out.1923, apesar das más condições atmosféricas, conseguiu fazer uma exposição de 40 minutos da Andrómeda. Quando a revelou, no dia seguinte, notou uma nova mancha que pensou tratar-se de uma imperfeição da chapa ou de uma Nova (4*). Na noite seguinte, com bom tempo, repetiu a exposição, mas agora de 45 m, para poder comprovar se era ou não uma Nova. E a mancha lá estava acompanhada de mais duas. Entretanto, o seu tempo de telescópio acabara, e ele aproveitou para ir ao arquivo das chapas fotográfica para poder comparar. E confirmou que duas das manchas eram mesmo Novae, mas uma delas aparecia numas chapas e noutras não. Tratava-se, possivelmente de uma Cefeida. É por isso que, como se vê na foto abaixo, traçou o N do canto direito superior e substituiu-o por VAR (“Variable”). Chamou-lhe V1 e podemos dizer, com Dave Soderblom, que “esta é a estrela mais importante na história da cosmologia”. E com toda a razão e fundamento já que veio revolucionar tudo o que pensávamos do Universo.

Descoberta a Cefeida V1("Variable Nº 1"), traçou o seu gráfico Brilho-Período.

O Período era de 31,415 dias. Feitos os cálculos, concluiu que o brilho real era 7 mil vezes maior que o do Sol. E comparando o brilho real com o aparente e aplicando, como já vimos, a lei do inverso dos quadrados, deduziu que a estrela e, portanto, Andrómeda estavam à distância de 285 000 parsecs (5*), ou seja, 930 000 anos-luz (6*). Ficou tão impressionado e incrédulo que resolveu não publicar o seu trabalho sem ter mais provas; até porque, no seu Observatório de Monte Wilson, quase todos eram partidários da teoria da galáxia única. Por isso, continuou à procura de mais Cefeidas. Até finais de 1924, tinha encontrado ao todo 12 Cefeidas que confirmavam o valor "inaceitável". Foi então que deu a conhecer a sua descoberta numa comunicação à American Atronomical Society intitulada Cepheds in Spiral Nebulae e publicada, em Maio.1925, no The Observatory 48(1925) 139-142.
Entretanto escreveu a Shapley: "Você ficará interessado em saber que encontrei uma Cefeida na nebulosa de Andrómeda" e que esta fica a 930 000 anos-luz. Shapley, ao ler a carta, comentou para um colega: "Here is the letter that has destroyed my universe." ("Aqui está a carta que destruiu o meu universo."). Podia ter disto o "nosso" (da época) Universo. Como pode uma frase tão pequena conter uma revolução tão grande!
Era a confirmação de que a nossa Galáxia não era única.

Assim se punha um ponto final no Grande Debate sobre o estatuto das nebulosas. Depois foi confirmando esta descoberta sensacional noutras galáxias vizinhas.

Afinal eram galáxias como a nossa, que não passava de uma no meio de uma infinidade de outras. Ficávamos a ficar cada vez mais insignificantes e perdidos num Universo enorme!


Andrómeda é o fim do nosso mundo visível sem próteses científicas, a olho nu. O seu primeiro registo conhecido é do ano 905 dC, feito pelo astrónomo persa Abd Al-Rahman Al Sufi (903-986)



Andrómeda a olhu nu e a sua localização no céu



E A PARTIR DAQUI, COMO SE PODIA AVANÇAR? 
Bem, hoje há já muitos métodos que podem ir até ao “fim do Mundo”. 



Mais adiante falarei de alguns deles.


Resumindo este post
Procurei desenvolver três ideias:
1) Explicitar a relação Brilho-Período das Cefeidas de H. Leavitt, que permite saber o brilho absoluto de uma estrela;
2) Acompanhar o esforço que foi feito para, a partir desta relação, calcular as distâncias das estrelas e de nebulosas: Hertzprung mediu a distância da primeira Cefeida; Shapley determinou o tamanho da Via Láctea e a posição do Sol;
3) Destacar a descoberta de Hubbley de que a nossa Galáxia não é a única, ao determinar que a galáxia Andrómeda estava quase um milhão de anos-luz de nós.



ALÉM DO INFINITO

Quero alcançar os sonhos,
Ultrapassar limites,
Ir ao fim do mundo
Num mergulhar profundo...
E, se o inatingível me permite,
Cruzar a linha do horizonte,
Atravessar a ponte
Que une o infinito
Aonde o sol se esconde...
Quero vestir toda a magia,
Fazer estripulia
Abusar da fantasia...
E num vôo inusitado
Ver versos espelhados
Na luz que traz o dia...
Quero, durante o anoitecer,
Em nuvem azul-marinho
Poemas em dourado, tecer...
E soprá-los de mansinho
Feito poeira cósmica
Ver o céu resplandecer...
Quero ser a própria poesia
E toda a alegoria
Que validam o viver
E depois dos versos derramados,
Entusiasmos explorados,
Quero renascer!

Referências

(1*) Apesar de por razões de simplicidade me referir geralmente ao brilho e não à magnitude de uma estrela, convém fazer um rápido esclarecimento. O brilho aparente é o fluxo luminoso (F) medido na Terra e, normalmente, é expresso em termos da magnitude aparente (m), que por definição é dada por m = -2,5 log F + C (constante).  
Mas por que é que o brilho de um astro é medido em magnitudes?
Foi o grego Hiparco (160-125 a.C.) quem dividiu as estrelas visíveis a olho nu de acordo com seu brilho aparente, atribuindo a magnitude 1 às mais brilhantes e 6 às mais fracas. Na sua definição, as estrelas de magnitude 1 eram as vinte primeiras estrelas que aparecem após o pôr-do-sol.
Em 1856, N. R. Pogson propôs que o sistema de magnitudes, baseado na percepção do brilho pelo olho humano, é logarítmico. Entretanto, foram desenvolvidas técnicas mais apuradas para medir a energia luminosa emitida por uma estrela e que chegava até nós (brilho aparente). Assim foi possível definir a escala de magnitudes de um modo mais preciso. As medições de brilho aparente realizadas mostravam que uma estrela de magnitude 1 é cerca de 100 vezes mais brilhante do que uma de magnitude 6. Isto significa que precisaríamos de juntar 100 estrelas de magnitude aparente 6 para obter a mesma quantidade de energia luminosa emitida por uma única estrela de magnitude aparente 1. Baseado nisso, a escala de magnitudes foi redefinida de modo que uma diferença de magnitude igual a 1 corresponde a um factor 2,512 de diferença na energia luminosa emitida. Por exemplo, a diferença de magnitudes visíveis, entre 6 (das mais fracas) e 1 (das mais brilhantes) é 5. Esta diferença (5) corresponde exactamente a um factor de 100 na quantidade de energia luminosa recebida na Terra, uma vez que 2,512 x 2,512 x 2,512 x 2,512 x 2,512 = 2,5125 = 100. Em termos mais sintéticos, a diferença de brilho é dada por 2,512 elevado à diferença de magnitude:


(diferença de brilho) = 2,512 (diferença de magnitude).

Por isso, o fluxo luminoso correspondente a uma estrela de magnitude 1 é 100 vezes mais brilhante que o de uma de magnitude 6. Isto é, o olho humano, porque vê segundo uma escala logarítmica como propôs Pogson, consegue ver objectos luminosos 100 vezes mais fracos do que os mais brilhantes.
(2*) Há também uma versão para as meninas: "Oh Be A Fine Guy, Kiss Me" (Oh, sê um bom rapaz, beija-me”).
(3*) Por exemplo, LUCÍA TOSI, Mulher e Ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna, in cadernos pagu 10(1998) 369-397. 
(4*) As Novae (plural de Nova, latim) são estrelas variáveis, normalmente estrelas anãs, que sofrem uma erupção repentina de brilho (da ordem de 7 a 16 magnitudes) num intervalo de 1 a 100 dias. Após isso, o brilho começa a decrescer, podendo levar anos para atingir novamente um brilho semelhante ao inicial.

(5*) O parsec corresponde à distância a que se encontra um objecto cuja paralaxe é de um segundo de arco. Daí o seu nome, do inglês paralax e second. Dito por outras palavras, é a distância a que deveria situar-se um observador para ver uma UA (Unidade Astronómica), isto é, a distância da Terra ao Sol, sob o ângulo de um segundo de arco. Corresponde a 3,26 anos-luz.
(6*) As medições actuais indicam uma distância de 2 milhões de anos-luz. 




PONTO DE SITUAÇÃO


Com este post terminei o primeiro subcapítulo, o da Medição das distâncias astronómicas. 
Segue-se um segundo, que vai tratar do Movimento e da Velocidade das Galáxias.
Para terminar com a Lei de Hubble, pedra basilar para o lançamento do modelo Big Bang.


Passaremos depois aos modelos teóricos, baseados na Teoria da Relatividade: os de Einstein, Friedmann e Lemaître. 
Ainda não sei como vou descalçar esta bota, pois vamos entrar num mundo novo, cheio de conceitos que nada têm a ver com os que temos na cabeça e com os que vemos no dia a dia. Mas o que interessa é divertirmo-nos. Portanto, vamos ido passo a passo e logo se vê o que irá acontecendo
E assim se completará o I Capítulo, que termina na década de 20!

2 comentários:

Anónimo disse...

"...indicava que o Universo tinha a idade de 2 milhões de anos, enquanto a idade da Terra..."

o correto seria 2 bilhões.

Zé Dias disse...

Caro anónimo,

Obrigada pelo alerta, já foi corrigida a idade, com a ressalva que "2 bilhões" não é o correto em Portugal mas sim "2 mil milhões".

Renata Silva
(filha do Zé Dias)