sexta-feira, 1 de julho de 2011

A caminho das Estrelas: Desafio das Nebulosas

Sumário para o blogonauta 

1. Big Bang (Sumário)
2. História milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos, filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6. Descobrimentos e a "ciência" (1)
7. Descobrimentos e a "ciência" (2)
8. Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os Lusíadas: significado da epopeia
10. As "contra-epopeias"
11. A caminho do modelo heliocêntrico
12. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
12A. O génio do "método experimental" (Tycho Brahe e Kepler)
13. O génio do "modelo experimental" (Galileu) – Descobertas
14. Caso Galileu (1)
15. Caso Galileu (2)
16. A caminho das estrelas
17. Primeiras medições astronómicas
18. Desafio das Nebulosas
19. Medição das distâncias astronómicas (Cefeidas)
21. Medição das velocidades das galáxias (Efeito de Doppler)
22. Lei de Hubble, que apresenta provas experimentais da expansão do Universo
23. Modelos teóricos, que partem todos da Teoria da Relatividade
24. Modelo de Einstein
25. Modelo de Friedmann-Lemaître.

Imagem por post

 Uma montagem de várias Nebulosas Planetárias fotografadas pelo Telescópio Hubble.

1. NEBULOSAS
Depois de ter sido medida a distância real a uma estrela pelo método de paralaxe, o próximo alvo foram as Nebulosas, que, na altura, apareciam como borrões de luz muito diferentes dos pontos luminosos que eram as estrelas. O seu nome vem do latim Nebula, “nuvem”, pois parecem uma nuvem composta por gás e partículas de poeira. Antigamente, porque eram geralmente objectos ténues e nenhum deles era é visível a olho nu, englobavam vários tipos de objectos, pelo que algumas foram mudando de natureza, como a Andrómeda que “passou” de nebulosa a galáxia.
- as difusas, que podem ter gás e poeira suficientes para gerar umas 100.000 estrelas semelhantes ao Sol: a mais famosa é conhecida por “Pilares da Criação”, devido a esta fotografia espectacular difundida pela NASA;

Os gigantescos pilares tem anos-luz (1*) de comprimento e são tão densos que, no seu interior, o gás se contrai por acção da gravidade, dando origem a novas estrelas.

 - as planetárias, que iremos aqui agora abordar.

Cerca de 95% de todas as estrelas, que vemos em nossa Galáxia, a Via Láctea, acabará por se tornar uma "nebulosa planetária", incluindo o Sol.
Apresentam uma forma esférica em torno de uma estrela, por vezes quase invisível. Para os primeiros observadores com telescópios de baixa resolução, a sua aparência lembrava os planetas Úrano e Neptuno, com os seus ‘bordos’ lisos e arredondados como os de um planeta. O primeiro a aperceber-se disso foi A. Doquier (1718-1802), o descobridor da nebulosa do Anel, M 57 (NGC 6720). Contudo, foi W. Herschell quem, em 1784, lhe deu o nome de "nebulosa planetária", embora realmente nada tenham a ver com os planetas, pois têm origem na estrela que está no seu centro, quando esta entra numa fase terminal da sua vida, começando a colapsar e a expelir as camadas externas da sua atmosfera. Mais tarde voltaremos ao ciclo de vida das estrelas.


As duas imagens seguintes exemplificam essa expulsão de matéria estelar:
- na imagem da esquerda, na nebulosa Helix (NGC 7293) podem ver-se finos filamentos, como aros de bicicleta, entre o azul e vermelho dos anéis de gás que envolvem a estrela em agonia;
- na imagem da direita, a nebulosa Olho do Gato (NGC 6543) tem um formato mais complexo, parecendo formada por 11 anéis concêntricos de gás, como ondas que se afastam do centro.

                   Nebulosa Planetária Hélix                                       Nebulosa Planetária Olho de Gato

Charles Messier (1730-1817), conhecido como o “Furão de Cometas”, foi o primeiro a tentar catalogar as nebulosas, pois sentia uma irritante frustração. Realmente era fácil confundir nebulosas e cometas, já que ambos se apresentavam como pequenas manchas no céu, embora houvesse uma característica específica: os cometas deslocavam-se. Por isso, Messier queria um catálogo para não perder tempo à espera de verificar se a “mancha” se movia ou não. Em 1781, publicava a “primeira edição” do seu catálogo (2*), que continha 103 nebulosas. A versão final continha 110.


Destas a mais famosa foi a M 31 (NGC 224), mais tarde confirmada como galáxia (e não nebulosa) da Andrómeda, como já referi, e que Messier desenhou deste modo.

Desenho de Andrómeda feita por Messier
Fonte: Big Bang, p. 205

Contudo, a primeira nebulosa a ser descoberta foi a Nebulosa do Haltere, a 12.Julho.1764, por Messier, que a incluiu no seu Catálogo como M 27 (NGC 6853). O nome foi-lhe dado posteriormente por John Herschell por lhe parecer semelhante a um haltere.
Quando W. Herschell obteve uma cópia deste Catálogo, resolveu continuar essa pesquisa com os seus “potentes” telescópios, o que lhe permitiu chegar ao inconcebível número de 2 500. É famosa a sua nebulosa Omega ou Ferradura, catalogada como M 17 (NGC 6618), que fora descoberta por Loys de Chéseau. 

Compare-se o primeiro desenho de Herschell com a foto actual reduzida no canto inferior esquerdo 

Natureza das Nebulosas
As nebulosas colocavam duas questões fundamentais: a sua natureza, que dependia de uma observação mais exacta da sua distância, e a sua composição. Mas esta última não preocupava ainda os astrónomos pois não dispunham de meios adequados para o resolver: o “espectro luminoso (electromagnétcio)”, que será referido mais à frente.
Herschell considerava que se tratava de grandes nuvens de gás e poeira, no meio das quais conseguia distinguir algumas estrelas isoladas. Por isso, pensava que as nebulosas eram estrelas jovens rodeadas de poeira a partir da qual se estariam a formar planetas. Isto é, seriam estrelas muito jovens, em começo de vida.
Mas o mais importante é que todas elas faziam parte da nossa Via Láctea. Por isso lhes chamava “estrelas galáxias”.
Opinião contrária tinha o filósofo I. Kant (1724-1804), que as classificava de “universos-ilhas”: pelo menos algumas dessas nebulosas eram aglomerados independentes de estrelas, com dimensões semelhantes às da nossa Galáxia, mas muito mais afastadas. Os seus argumentos podem resumir-se em dois:
- “astronómico”: a maior parte das nebulosas tinha uma forma elíptica, como se supunha que a Via Láctea também era;
- teológico: se Deus é infinito, parece absurdo supor que a sua criação se reduza à nossa Galáxia: “A eternidade não é suficiente para abarcar as manifestações do Ser Supremo se não a combinarmos com a infinitude do espaço” (3*).
Aliás Kant poderá ter sido influenciado pela concepção de Thomas Wright (1711-1786), que acreditava que as nebulosas se compunham de sistemas estelares semelhantes à Via Láctea. O seu modelo, sem qualquer base científica, baseava-se apenas em pressupostos religiosos, pois acreditava que a estrutura esférica era a mais lógica para uma obra de Deus.

TENTATIVA DE RESOLUÇÃO
Estava, pois, lançado o “Grande Debate” que iria acontecer em 1920.
A solução só poderia surgir através de uma medição cada vez mais rigorosa das distâncias a que se encontravam as nebulosas. E esta nova fase iniciou-se, em meados do século XIX, com a construção de novos telescópios.

William Parsons (Lord Rosse) (1800-1867)
Tendo casado com uma herdeira rica e herdado o castelo de Birr, na Irlanda, quis construir o maior telescópio do mundo. Foi construindo telescópios cada vez maiores, introduzindo o espelho metálico parabólico e polido: começou com 15 polegadas (38 cm) de diâmetro; 61 cm; 91 cm. E finalmente, o maior daquele tempo, com 1,8 m.
Só para moldar o espelho foram necessários 80 m3 de turfa para fundir três toneladas do material necessário para construir um espelho com aquele diâmetro. Depois de três anos e de um milhão de libras do seu dinheiro, aí estava o monstro com 16,5 m de comprimento. Era tão descomunal que ficou conhecido pelo Leviatã de Parsonstown (antigo nome de Birr). Para o construir teve que inventar várias técnicas devido ao seu grande tamanho, mas também porque os construtores que o precederam guardavam os seus segredos ciosamente.
Entretanto surgiu a grande fome da Irlanda. Foi um período terrível de miséria e doenças que obrigou a uma emigração em massa, entre 1845 e 1849, e que reduziu num quarto a população irlandesa: um milhão de mortos e um milhão de emigrantes.


A causa imediata foi uma espécie de fungo (míldio) que destruiu quase toda a produção de batata. A catástrofe surgiu porque os irlandeses pobres só semeavam batatas para si, pois a maior parte do tempo era para os seus senhores e não dispunham de terreno suficiente para outras culturas.
Contudo as circunstâncias em que os rendeiros viviam eram quase insuportáveis conforme descreve este perfil de um rendeiro da época.

O inquilino vivia à mercê do senhorio. A sua casa tinha apenas uma divisão, uma chaminé e um buraco no telhado. As paredes eram de lama ou torrões com grama. As janelas raramente eram envidraçadas e não protegiam das intempéries. Os principais apetrechos eram um pote de batata e um balde de água. Com o pai, a mãe e os filhos, viviam ainda os avós nestas condições miseráveis. Dormiam na palha ou deitados no chão. O porco, um bem muito precioso, quando o havia, era criado também em casa.  


Casa típica do rendeiro: apenas com palha no chão para dormir; à esquerda é uma pilha de turfa para o fogo; ao lado, a fumarada que saía pelo buraco no telhado. Esta casa pertencia à família Mullins, perto Schull em County Kerry, e apareceu no The Illustrated London News de 20.Fev.1847.

A maioria dos inquilinos eram "inquilinos de boa vontade", isto é, podiam ser despejados por "vontade" do proprietário. Alguns tinham um contrato de arrendamento para a vida do pai e do filho mais velho, o que os punha a salvo de um despejo repentino, desde que pagassem o aluguer. Havia a tradição de passar uma parte da terra do pai para cada um dos filhos, que teriam de construir uma casa cada vez mais pequena. Esta parcela era depois dividida pelos filhos do novo lar. Este ciclo obrigava muitas famílias a sobreviver em lotes muito pequenos de terra onde cultivavam batatas para todo o ano.
Embora a batata fosse o prato forte da sua dieta, havia, raramente, arenques, aveia, leite e, em casos excepcionais, uma vaca. As batatas eram, assim, obrigatoriamente a base da alimentação de Setembro até ao final da Primavera. Mas no Verão a fome e as privações grassavam, multiplicando os pobres, enquanto aguardavam a colheita do Outono. Nestes meses, as pessoas comiam tudo o que encontravam: nabos, couves, frutos silvestres e mesmo grama e urtigas. Os que viviam perto do mar apanhavam algas que espalhavam nas suas terras como forma de estrume. Tudo isto fazia aumentar o número de pobres.


Retrato de Bridget O'Donnell e das suas duas filhas
             

Além da renda paga ao senhorio, havia muitas outras taxas. Um dos impostos mais onerosos era o dízimo, correspondente a um décimo do valor de tudo o que era vendável. Servia para sustentar a Igreja da Irlanda, os Bispos e os Pastores  protestantes e para a construção e manutenção das suas igrejas. O problema é que a grande maioria das pessoas, obrigadas a pagar eram católicas, apoiando algo que era contrário às suas crenças.

Não admira que, neste contexto verdadeiramente esclavagista, a dependência obrigatória quase exclusivamente da batata de tão grande parte da população como sua única fonte de alimento, acabasse por desencadear a Grande Fome.

Perante tal catástrofe, Lord Rosse dedicou não só o seu tempo e os seus dinheiros na ajuda aos necessitados, mas também procurou desenvolver novas práticas agrícolas contra aquele praga do míldio da batateira. Além disso, recusou-se aceitar as rendas agrícolas, tal era a miséria que ela via.


Alguns anos mais tardes, voltou às estrelas.
O seu enorme telescópio, contudo, deparava-se com dois problemas.
Era tão grande que exigia cinco operários só para manobrar roldanas e manivelas de modo a apontá-lo e poder acompanhar suavemente o movimento da estrela.
A outra dificuldade tinha a ver com o tempo invernoso da Irlanda, que deixava muito poucas noites “limpas” para observações estelares. Como dizia o ditado: “ou está a chover ou está para chover”
Apesar destas limitações e dificuldades, realizou estudos astronómicos pioneiros, tendo descoberto um longo conjunto de galáxias. Desenhou com tanto pormenor a “sua” primeira galáxia, a M 51 (NGC 5194), que os seus desenhos são muito semelhantes às fotografias actuais.

Deste tipo de estrutura concluiu que era muito improvável que um sistema com aquela configuração não fosse animado de movimento interno.
Começou também a aperceber-se que algumas nebulosas eram constituídas por muitas estrelas. Ele supunha que os planetas e as estrelas eram formados por acção da gravidade actuando sobre nebulosas gasosas. Portanto, não acreditava que as nebulosas fossem mesmo gasosas. Deviam ser formadas por tal quantidade de estrelas que os seus telescópios “ainda” não conseguiam distingui-las individualmente. O que ele não diria se visse, hoje, este aglomerado Omega Centauri ou NGC 5139, a nossa já velha conhecida nebulosa Omega de Herschell, fotografada pelo ESO (4*), com 10 milhões de estrelas mais velhas que o Sol e que terão resultado da fusão de uma pequena galáxia com a nossa?
Começava a tornar-se claro que, pelo menos, algumas nebulosas eram formadas por conjuntos de estrelas. Mas nada disso servia para resolver o grande problema: pertencem à nossa Galáxia ou são galáxias longínquas?
A solução estava na determinação das distâncias, mas a paralaxe já não conseguia ir mais longe com este tipo de telescópios.
Vimos no último post como finalmente foram obtidas as primeiras determinações de distâncias astronómicas absolutas pelo método da paralaxe: a estrela 61 do Cisne, que está "muito próxima", a cerca de 10 anos-luz, distância que corresponde a 0,31 segundos de grau (”). Foi preciso inventar novas gerações de telescópios. Por exemplo, o actual telescópio Hipparcos, da ESA (Agência Espacial Europeia), lançado para cartografar o Universo, pode medir paralaxes de 0,002”, o que, se não me enganei nos cálculos, permite ver um moscardo a mil quilómetros.

George Ellery Hale (1868-1938)
Por isso, os astrónomos investiam em telescópios cada vez mais potentes e sobretudo bem localizados: em lugares bastante elevados, com climas pouco nublados e longe das cidades que começavam a ser iluminadas.
O grande construtor que se seguiu foi Hale, doentiamente obcecado pela construção do maior telescópio do mundo. Para tal, serviu-se do seu especial jeito para “fazer de ceguinho”: conseguia obter os subsídios necessários, por avultados que fossem.
Viveu em Chicago, que era o maior entreposto mundial de madeiras, onde assistiu ao grande incêndio de 1871, que destruiu dezoito mil edifícios.
Este incêndio originou uma revolução na arquitectura, criando condições para uma verdadeira revolução urbana com o aparecimento dos primeiros arranha-céus. A primazia pertenceu ao banco Home Insurances: inicialmente tinha “apenas” 10 andares e a altura de 42 m; mas, em 1890, foram acrescentados dois novos andares.


O pai de Hale, previdente, pediu um empréstimo para montar a primeira empresa de elevadores. Foi ele que montou o elevador da Tour Eiffel. E assim acabou por ganhar a sua fortuna.

Entretanto, Hale percorria a costa oeste dos Estados Unidos à procura de lentes abandonadas por astrónomos que foram desistindo: a sua ambição era incorporar essas lentes num telescópio de refracção (os telescópios de espelho são de reflexão) de 1 m de diâmetro.
Para isso, precisava de ajuda e resolveu pedi-la ao milionário de transportes, Charles Tyson Yerkes, que obtivera a sua riqueza de modo duvidoso, pelo que era mal visto na sociedade. Então ele apelou a essa sua ambição de estatuto social e conseguiu sacar-lhe meio milhão de dólares. Assim surgiu, em 1897, o “telescópio Yerkes”, situado a 120 km a norte de Chicago. Tinha 20 m de comprimento e pesava 6 toneladas. O mecanismo para o sincronizar com o movimento das estrelas durante a rotação da Terra pesava 20 toneladas. 



Mas Hale queria mais e mais.
Seguiu-se um outro de 1,5 m no Monte Wilson (Pasadena, Califórinia). Mas, desta vez, introduziu uma novidade: em vez de uma lente usou um espelho, já que uma lente daquele tamanho não aguentaria o seu próprio peso.
A obsessão acabou por marcá-lo psicologicamente (ou vice-versa) e era insaciável. Agora o objectivo era um telescópio de 2,5 m (100 polegadas), que foi construído no Monte Wilson, perto de Los Angeles, em 1917, financiado por John Hooker. Mas surgiram dificuldades inesperadas. O disco de vidro de cinco toneladas transportado de França continha pequenas bolhas de ar, que causavam uma distorção da imagem, o que deixou Hale em estado de pânico.
Afinal, bastou deixar arrefecer o vidro, fechando a cúpula durante o dia. Com o frio da noite o defeito desapareceu.


Em 1928, teve mais uma visão ou, melhor, uma alucinação. Deste vez os “elfos” que ele “via” regularmente, incitavam-no a construir o maior telescópio do mundo no Monte Palomar, com 5 m. Financiado pela Fundação Rockefeller, só foi concluído vinte amos depois (1948), com nova tecnologia. O espelho principal é feito de vidro pirex, resistente ao calor e aos produtos químicos. Para prevenir que rachasse, ficou um ano inteiro a arrefecer antes de ser polido até adquirir a curvatura exacta. Foi o maior telescópio refractor do mundo até 1974, quando a então União Soviética construiu um com 6 metros.

O trabalho de Hale foi fundamental para o avanço da astronomia nos anos 20, pois permitiu observações, sobretudo a Shapley e a Hubble, que estiveram na origem dos grandes avanços relativos à expansão do Universo.
O problema consistia, se bem se lembram, em saber se as nebulosas eram objectos da Via Láctea ou galáxias longínquas. A dificuldade estava em que ninguém conseguia determinar a sua distância por meio da paralaxe, com os telescópios do início do século XX. Foi preciso descobrir outros meios para determinar a sua distância. É que nem o Grande Debate de 1920, entre dois grandes astrónomos conseguiu resolver o problema (ver abaixo). A solução foi encontrada por Hubble ao determinar que a galáxia Andrómeda estava para lá da Via Láctea. A observação foi feita no telescópio de 100 polegadas de Hale.
Mas antes há ainda muito para contar.

Queria terminar, referindo uma das descobertas de Hale. Na década de 1910, ao estudar as manchas solares, acabou por detectar o campo magnético do Sol. Uma série suplementar de fotografias, tiradas em Set.1916, não só confirmaram os resultados anteriores, como, combinadas com observações mais antigas, forneceram o valor de 31,4 dias para o período de revolução do eixo do campo magnético em torno do eixo de rotação do Sol (5*).
Com instrumentos apropriados, descobriu que algumas linhas magnéticas, produzidas nas proximidades das manchas solares, eram duplas e até mesmo triplas, fenómeno, que então já era conhecido como “efeito Zeeman. Este facto ocorre quando a fonte emissora de luz está submetida a um campo magnético. Assim pôde calcular o valor do campo magnético junto das manchas solares, como sendo de 5 000 G (6*) e ainda conseguiu provar que o campo magnético geral do Sol é da ordem de 1 a 2 G.
GRANDE DEBATE
Nem o Grande Debate de 26. Abril.1920, de que já falei num dos primeiros posts, entre dois grandes astrónomos conseguiu resolver o problema das nebulosas: Hurlow Shapley, do Observatório de Monte Wilson, defendia a hipótese local e Heber Curtis, do Observatório Lick, era de opinião contrária.
O primeiro a falar foi Shapley, nervoso e marcado pela solenidade do acto, fez uma apresentação pouco técnica, dirigida a cientistas doutras disciplinas, utilizando dois argumentos:
- a posição das nebulosas apenas acima e abaixo do plano da Via Láctea e raramente no próprio plano, onde havia uma “zona de exclusão”, era incompatível com um modelo que defendesse uma distribuição de nebulosas por todo o Universo;
- o brilho da “nova” surgida em 1885 na nebulosa de Andrómeda tinha um décimo do brilho de toda a nebulosa o que implicava que a sua localização ou era muito próxima da Via Láctea ou então seria tão brilhante como centenas de milhões de estrelas.
Curtis, mais seguro e técnico, rebateu os argumentos de Shapley:
- a zona de exclusão explicava-se pela grande quantidade de estrelas e poeiras no plano da Via Láctea que não permitia ver nada através dela;
- quanto à “nova” tratar-se-ia de uma situação anormal, pois já tinham sido observadas outras "novae" de brilho tão fraco que deveriam estar a distâncias enormes da nossa Galáxia.


No final, ninguém convenceu ninguém.
A solução foi encontrada, três anos depois, por Hubble que concluiu que a galáxia Andrómeda estava para lá da Via Láctea. A observação foi feita no telescópio de 100 polegadas de Hale.


Mas antes, como já recordei atrás, temos ainda uma larga história para andar.


Referências

SIMON SINGH, BIG BANG.

(1*) Ano-luz, como unidade de comprimento, é o espaço percorrido pela luz durante um ano. Feitos os cálculos obtém-se um valor aproximado de 10 000 000 000 000 km ou 10 x 1012 km.
(2*) Actualmente há uma variedade grande de Catálogos astronómicos. De qualquer modo, os mais citados são o M (Catálogo de Messier) e o NGC (New General Catalogue: Novo Catálogo Geral) seguido de um número. Repare-se que todas as do Catálogo de Messier foram incluídas no NGC, pelo que podem ser identificadas pelas duas notações.
(3*) ARMANDO LOPES DE OLIVEIRA, Ensaio crítico sobre a primeira e a segunda antinomias de Kant, in Síntese (Rev. de Filosofia) (Belo Horizonte) 28 (2001), 169-187.
(4*) O ESO é o "Observatório Europeu do Sul", com sede na Alemanha e quatro observatórios no Chile.
(5*) WALTER S. ADAMS, Biographical Memoir of George Ellery Hale 1868-1938, apresentada à National Academy of Sciences of the United States of America, pp. 205ss.
(6*) G, de Gauss, é a unidade de intensidade de um campo magnético.


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