segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

As "contra-epopeias"

Sumário para situar o blogonauta

1. Big Bang (Sumário)
2. História milenar (Mitos da criação e começo da ciência com os gregos)
3. Modelo geocêntrico e o aperfeiçoamento do Telescópio
4. Teólogos, filósofos, poetas e astrónomos em debate
5. Máquina do Mundo (Lusíadas, Canto X)
6. Descobrimentos e a "ciência" (1)
7. Descobrimentos e a "ciência" (2)
8. Descobrimentos e a "ciência" (3)
9. Os Lusíadas: significado da epopeia
10. As "contra-epopeias"
11. Os avanços a partir de Copérnico (modelo geocêntico) e de Galileu (aperfeiçoamento da "medição")
12. Medição das distâncias astronómicas (Cefeidas)
13. Medição das velocidades das galáxias (Efeito de Doppler)
14. Lei de Hubble, que apresenta provas experimentais da expansão do Universo
15. Modelos teóricos, que partem todos da Teoria da Relatividade
16. Modelo de Einstein
17. Modelo de Friedmann-Lemaître.

Maravilhas do Espaço: uma imagem por post


Neste post vou fazer referência as duas obras publicadas no início do século XVII:
- uma bastante conhecida, mas pouco lida, a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (FMP), à qual darei maior desenvolvimento, servindo-me essencialmente de extractos da sua linguagem viva, sugestiva e até pícara; para isso vou seguir o texto editado pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda em 1983;
- a outra, quase desconhecida, a Lusitânia Transformada de Fernão Álvares do Oriente.
Ambas abordam a sociedade portuguesa saída dos Descobrimentos numa perspectiva muito diferente da de Camões em Os Lusíadas.


Fernão Mendes Pinto: “o pobre de mym”

FMP saíu de Lisboa, foi escravizado e resgatado em Ormuz (antiga cidade no golfo de Adem, ao sul de Yemen), viveu em Malca (A) donde percorreu toda a região incluindo China e Japão

O autor da Peregrinaçam nasceu em Montemor-o-Velho, por volta de 1510, tendo ido aos 12 anos para Lisboa, onde ficou cinco anos. Daí partiu à busca de aventuras e de fortuna no Oriente, no ano de 1537, por onde andou 21 anos. Logo à saída foram atacados e vencidos por um corsário francês. "Banqueteados cada ora de muitos açoites", foram salvos porque o corsário apreendeu "hũa fermosa nao de hum mercador de Villa de Conde… com muytos açucares, e escrauaria”. O pirata francês, quando se viu com toda aquela riqueza, abandonou-os “hũa noite na praya de Melides nús, e descalços, algũs cõ muytas chagas”. Assim “o pobre de my com outros ſeis (seis ſ = s) ou ſete tão deſamparados como eu, fomos ter a Setuuel, onde me cahio em ſorte lãçar mão de mim hum fidalgo do Mere de Santiago por nome Franciſco de Faria, ao qual ſerui quatro annos, em ſatisfação dos quais me deu ao meſmo Mere de Santiago por ſeu moço da Camara, aquem ſerui hum anno e meyo. E porque a moradia (“ordenado” que se pagava aos servidores na casa dos fidalgos) que então era cuume darſe nas caſas dos Principes, me não baaua para minha ſuentação, determiney embarcarme para a lndia, inda que com pouco remedio, ja offerecido a toda ventura ou má ou boa, que me ſoccedeſe” (I, p.15).
Antes de chegar à Índia participou num combate naval no Mar Vermelho, onde foi aprisionado, vendido como escravo a um grego, depois a um judeu que o levou para Ormuz (1*), onde foi comprado pelas autoridades portuguesas. 

   Ormuz in "Civitates Orbis Terrarum" (1572)                              Estreito de Ormuz (actual)

“E ao pobre de mim quiça como menos ditoſo coube em ſorte comprarme hum Grego renegado, de que eu arrenegarey em quanto viuer, porque me tratou de maneyra em ſôs tres meſes que fuy ſeu catiuo, que por ſete ou oito vezes eſtiue tentado para me matar com peçonha ( ſe noſſo Senhor me naõ fizera merce de me ter da ſua mão) para lhe fazer perder o que por mym tinha dado, porque era o mais deshumano, e cruel inimigo que nunca ſe vio no mũdo”. Passados três meses “me vendeo a troco de tamaras por preço de doze mil reis a hum Iudeu, por nome Abrão Muça, natural da cidade do Toro, duas legoas e meya do monte Sinay, o qual em hũa Cafila de mercadores que partio de Babylonia para Cayxem me leuou a Ormuz”, onde o Capitaõa e o Ouvidor Geral, “elles ambos por eſmolas que tirarão pola terra, e polo que tambem derão de ſuas caſas, ajuntarão duzentos pardaos, que derão por mim ao Iudeu; com que ſe elle ouue por muyto bem pago.” (VI, p. 27).
Este foi o começo da longa "peregrinaçam" de um "pobre de mim" a quem aconteceu de tudo.

             Fortaleza de Ormuz (António Bocarro: 1635)                   Malaca é hoje património da humanidade

Fazendo de Malaca o "acampamento-base", percorreu a Índia, as costas da Birmânia, Sião, arquipélago de Sunda, Cambaia, Molucas, Conchichina (actual Hanói, capital do Vietname), “Amaquao” (Macau), China e Japão, regiões que descreveu geográfica e etnograficamente. Da China diz que “he hum processo quasi infinito fallar nella”. E, de entre vários costumes que encontrou no reino de Sião, destacou este: “A gente desta terra tem por Deoses os Elementos e quando morrem a quem creo na agoa deitãono pollo Rio abaxo, a quem cre no fogo queimãono nũa fugeira grande. E a quem adoraua a terra emterrâno e quem cria no ar põino dentro do rio onde são comidos de abutres e de outras aues”, apesar de haver lá sete mesquitas (2*)
Teve uma vida difícil, que ressalta das várias vezes que fala de “o pobre de mym” e que resume, logo na primeira página do seu livro “Peregrinação”, ao apresentar os objectivos com que o escreveu, quase trinta anos depois do seu regresso: mostrar aos filhos o que foi essa sua viagem, animar os desesperados com as dificuldades da vida e dar graças a Deus por lhe ter conservado a vida. 


“Mas por outra parte quãdo vejo que do meyo de todos eſtes perigos e trabalhos me quis Deos tirar ſempre em ſaluo, e porme em ſeguro, acho que não tenho tanta razão de me queixar por todos os males paſſados, quãta de lhe dar graças por eſte ſó bẽ preſente, pois me quis conſeruar a vida, paraq̃ eu podeſſe fazer eſta rude & toſca eſcritura, que por erança deixo a meus filhos (porq̃ ſó para elles he minha tenção eſcreuella) paraque elles vejão nella eſtes meus trabalhos, e perigos da vida q̃ paſſei no diſcurſo de vinte e hũ ãnos em q̃ fuy treze vezes catiuo, e dezaſſete vendido, nas partes da India, Etiopia, Arabia felix, China, Tartaria, Macaſſar, Samatra, e outras muitas prouincias daquelle oriental arcipelago, dos confins da Aſia, a q̃ os eſcritores Chins, Siames, Gueos, Elequios nomeão nas ſuas geografias por peſtana do mũdo, como ao diante eſpero tratar muito particular, e muito diffuſamente, e daqui por hũa parte tomem os homẽs motiuo de ſe não deſanimarem cos trabalhos da vida para deixarem de fazer o q̃ deuem, porque não ha nenhũs, por grandes que ſejão, com q̃ não poſſa a natureza humana, ajudada do fauor diuino e por outra me ajudem a dar graças ao Senhor omnipotente por vſar comigo da ſua infinita miſericordia, a peſar de todos meus peccados, porq̃ eu entendo e cõfeſſo que delles me nacerão todos os males q̃ por mim paſſarão, e della as forças, e o animo para os poder paſſar, e eſcapar delles com vida” (I, pp. 13-14).
Foi embaixador, mercador, pirata. Conheceu “o mestre padre Francisco de Xavier”, que chegara a Malaca com a fama de santo: “Ate chegarmos a Malaca, onde achamos o padre mestre Francisco Xauier Reitor uniuersal da cõpanhia de Iesu nas partes da India, q̃ auia poucos dias, que chegara de Maluco, com grande nome de santo na voz de todo o pouo por milagres que lhe là viraõ fazer, ou, por mais acertado, que Deos nosso Senhor por elle fizera” (CCIII, p. 628).


Tornou-se seu amigo e acompanhou-o em várias viagens. Pode dizer-se que ambos lucravam com essa amizade: Francisco Xavier recebia dinheiro e informações; FMP ganahva categoria social dado o modo como os Jesuítas eram considerados. Foi FMP quem emprestou a Francisco Xavier o dinheiro para construir a primeira igreja no Japão.
Na Carta atrás referida, lamenta-se da sorte madrasta que teve no Oriente: “Eu ha xviii annos q̃ uim desse reyno a india, que há xvii que ando nas partes da China e do Japão e sempre me occupei em ajuntar bẽis da terra que erão os que eu pretendia. Somente em Japão todalas uezes que la fuy ou mandei asertei sempre perder. E estando sempre penando nisto queixandome quão pouco ditoso fora naqella terra determinei de nũca tornar a ella pois q̃ de todo me socedia tão mal. E estando nisto comesei a cuidar q̃ se la tornasse q̃ me podia restaurar, acordandome pera confirmação do q̃ me podia Deos aiudar pois com o dinheiro q̃ eu tinha em Japão emprestado ao Padre Mestre Frc.º se ouue feito a primeira igreia e casa da Comp.ª e forão estes pensamentos tão contínuos que determinei de todo tornar la” (3*).
O desejo ou a necessidade de juntar fortuna ou mesmo a busca de uma melhoria de vida e até de satisfazer as suas necessidades básicas levava-o a aceitar qualquer coisa, até o alistar-se na guerra: “Elle (Antonio de Faria) aceitou entaõ de ſeus amigos eſtes oſſerecimentos que lhe fizerão, e com a mayor breuidade que pode ſe fez preſtes, e dentro de dezoito dias ajuntou cinquenta e cinco ſoldados. Neſta yda foy tambem neceſſario yr o pobre de mim, por me ver ſem hum ſó vintem de meu, nẽ quem mo deſſe nem empreſtaſſe, e deuer em Malaca mais de quinhentos cruzados que algũs amigos me tinhaõ empreſtado, os quais, cõ mais outros tantos que tinha de meu, todos por meus peccados o perro me leuou na volta dos outros de q̃ tenho contado, ſem ſaluar de tudo quanto tinha de meu mais que a pobre peſſoa, cõ tresz argunchadas, e hũa pedrada na cabeça, de que eſtiue á morte por tres ou quatro vezes, e ainda aquy em Patane me tiraraõ hũ oſſo antes que acabaſſe de ſarar della. E Chriſtouão Borralho meu cõpanheyro eſteue ainda muyto pior que eu, de outras tantas feridas que tambẽ lhe deraõ em pago de dous mil e quinhentos cruzados q̃ na volta dos outros aly lhe roubaraõ.” (XXXVIII, p. 106).


Pela grande admiração pelo “padre Frãcisco santo” e por muitas outras razões que descreve na Carta converteu-se a “irmão” da Companhia de Jesus que abandonou por razões não bem explicadas.
Com a morte de Francisco Xavier não pode recuperar o empréstimo que lhe fez e que seriam os ganhos das suas incríveis aventuras, assim regressando a Portugal, em 1558, tão pobre como partira. Ainda conseguiu documentação comprovativa dos serviços prestados ao país, que lhe deram direito a uma tença. Como nunca mais a recebia, retirou-se, desiludido, para o Pragal, em Almada, onde escreveu, entre 1570 e 1578, a Peregrinação, que só foi publicada 20 anos após a morte do autor (1614), tendo, possivelmente, o original sofrido alterações por parte dos Jesuítas. 

Dessa falta de consideração e recompensa se lamenta no final do seu livro, com uma fina subtileza:
“E vendo eu quão pouco me fundiaõ assi os trabalhos e seruiços passados como o requerimento presente, determiney de me recolher cõ essa miseria que trouxera comigo, adquirida por meyo de muytos trabalhos e infortúnios, e que era o resto do que tinha gastado em seruiço deste reyno, e deixar o feito á justiça diuina, o qual logo pus por obra, pesandome ainda porque o não fizera mais cedo, porque se assi o fizera quiçá que poupara nisso hum bom pedaço de fazenda. E nisto vieraõ a parar meus seruiços de vinte e hum annos, nos quais fuy treze vezes catiuo, e dezasseis vendido, por causa dos desauẽturados successos que atras no discurso desta minha tão longa peregrinação largamente deixo contados. Mas inda que isto assi seja, não deixo de entender que ficar eu sem a satisfaçaõ que pretendia por tantos trabalhos e por tantos seruiços procedeo mais da prouidencia diuina que o permitio assi por meus peccados, que de descuydo ou falta algũa que ouuesse em quem por ordem do ceo tinha a seu cargo satisfazerme, porque como eu em todos os Reys deste reyno (que saõ a fonte limpa donde manão as satisfaçoẽs, inda que âs vezes por canos mais affeiçoados que arrezoados) enxerguey sempre hum zelo santo e agradecido, e hum desejo larguissimo e grandioso, não somente para galardoar a quem os serue, mas tambẽ para fazer muytas merces ainda a quem os não serue, daquy se entende claramente que se eu e os outros tão desemparados como eu ficamos sem a satisfaçaõ dos nossos seruiços, foy somente por culpa dos canos e não da fonte, ou antes foy ordem da justiça diuina, em que não pode auer erro, a qual dispoem todas as cousas como lhe milhor parece, e como a nós mais nos cumpre. Pelo qual eu dou muytas graças ao Rey do Ceo que quis que por esta via se cumprisse em mim a sua diuina vontade, e não me queixo dos Reys da terra pois eu não merecy mais por meus grandes peccados." (CCXXVI, p. 717).
Foi, mesmo no fim da sua vida, que Filipe I lhe concedeu uma tença anual, vinte e cinco anos (1583) depois de a ter solicitada: a “esmola” de dois moios (cerca de 1 600 litros) de trigo, por ano, enquanto fosse vivo. Morreu nesse ano, a 8 de Julho.


PEREGRINAÇAM
Ainda me lembro de, há largos anos, ter lido a Peregrinação e me saltar de chofre o profundo contraste entre o herói de Os Lusíadas e o “pobre de mim” do FMP. De um lado, o herói, seguro, conquistador, divinizado na Ilha dos Amores. Do outro, o pobre emigrante que se vê obrigado a socorrer-se de tudo para poder sobreviver, que tem sucessos mas muito mais insucessos, que sai pobre e pobre regressa.

Título completo. "Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto em que da conta de muytas e muyto estranhas cousas que vio e ouvio no reyno da China, no da Tartaria, no de Sornau, que vulgarmente se chama de Sião, no de Calaminhan, no do Pegù, no de Martauão, e em outros muytos reynos e senhorios das partes Orientais, de que nestas nossas do Occidente ha muyto pouca ou nenhua noticia. E também da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a elle como a outras muytas pessoas. E no fim della trata brevemente de alguas cousas, e da morte do Santo Padre Francisco Xavier, unica luz e resplandor daquellas partes do Oriente, e reitor nellas universal da Companhia de Iesus"

Por isso, me pareceu que a Peregrinação era a face oposta de Os Lusíadas, a “contra-epopeia” em confronto com a epopeia. Através dos seus 226 capítulos, o que ressalta é mais o lado obscuro ou até imoral dos Descobrimentos portugueses, uma visão sombria da Expansão, num “desfiar ininterrupto de naufrágios, batalhas, piratarias, martírios, glórias e vergonhas, em que a existência é uma perpétua passagem do poder à humilhação, da liberdade à escravidão, em que o aventureiro bafejado pela sorte passa de súbito à condição de misérrimo cativo e em que, com muita ou pouca verdade, nos dá de forma incomparável o romance da aventura portuguesa de quinhentos” (4*).
Mas antes de concluir ou deixar ao leitor a decisão sobre se se trata ou não de uma contra-epopeia, vamos ver algumas diferenças entre estes dos notáveis livros (5*).

1. ESTILO
Camões insere-se perfeitamente no contexto literário do seu tempo, o Renascimento: imita os modelos clássicos, mas superando-os com a afirmação de novos valores. Devido à sua genialidade, o género epopeia sofre alguns ajustes “impostos” não só pelo novo contexto histórico, mas também porque assenta numa realidade histórica, que realmente existiu (a viagem de Vasco da Gama, que mudou o Mundo e a História) e no novo saber experiencial, certo e seguro (o “vi claramente visto” ou “o saber de experiência feito”) que assenta no primado do verdadeiro sobre o fingido e o ficcionado dos modelos imitados.
FMP não teve uma educação como a dos autores seus contemporâneos nem tinha conhecimento da cultura clássica nem da estética do Renascimento. Apenas contava com o seu conhecimento experiencial e a sua inteligência que lhe permitiram criar uma obra fascinante e duradoura. Por isso o seu estilo é mais flutuante e difícil de enquadrar: narrativa documental, relato cronístico, obra de ficção apoiada na memória, mas a memória é um mecanismo psíquico de reconstituição do passado que, para lá de ter uma fialibilidade que diminui com o tempo, é muito permeável à imaginação criadora. Pode talvez classificá-la como uma autobiografia romanceada que acontece à margem da literariedade canónica, embora não lhe escape de todo. Aí reside a sua originalidade.
O autor prescinde de componentes eruditas e de quaisquer fontes clássicas ou outras, para compor, com uma originalidade e criatividade, o “romance” da aventura dos Descobrimentos, mas onde os protagonistas não são (só) os santos ou os heróis mas a arraia miúda, com as suas virtudes e os seus defeitos, a sua ganância e a sua cobiça, a sua bondade e a sua crueldade, numa mistura harmoniosa do real com o imaginário, da experiência com a fantasia. Por isso alguns querem ver nele o “precursor do exotismo”. Contudo ele é apenas “um homem do seu tempo, imerso no seu tempo, capaz de olhar e ver o seu tempo como nenhum outro homem. Mas, e isso é o que mais importa, olha e vê como homem do seu tempo, sem o que o seu espanto que a tudo toca e encobre perderia muito da sua genuína espontaneidade… Tudo, em todo o canto e lugar o atrai, o comove, o espanta. Nada fica imune ao seu olhar ávido de decifração.” (6*)


2. MARAVILHOSO E EXÓTICO
Camões gaba-se de ter criado uma epopeia superior às epopeias clássicas pela natureza experiencial, verídica, realista e histórica do seu poema, mas mantém o universo da mitologia, o maravilhoso e o fantasioso: por exemplo, a luta com o Adamastor serve para demonstrar a superioridade dos heróis portugueses frente à superstição, ao medo do desconhecido que inibiu outros homens do mar em ir para lá dos limites conhecidos.
Na Peregrinação, a verdade factual e a ficção surgem entrelaçadas numa teia inextricável: nem tudo é verdade, nem, tudo é mentira, mas “quem é quem”? Para se tornar credível, sem deixar de dar asas à imaginação, aproveitou-se do gosto dos leitores coevos pela descrição de lugares, povos e costumes exóticos. Recorreu a uma “imaginética” muito rica, muito forte e muito fantasiosa, capaz de prender a atenção dos leitores, embora tivesse consciência de que o que conta é tão estranho que muitos poderão ficar na dúvida. Transcrevo dois exemplos, um relativo a animais e o outro a pessoas:
“Nauegando por elle quatro dias com tempos bonanças, foy ſurgir num rio pequeno de ſete braças de fundo, que ſe dizia Guateamgim, pelo qual vellejou ſeis ou ſete legoas adiante, vendo por entre o aruoredo do mato muyto grande quantidade de cobras, e; de bichos de tão admiraueis grandezas e feiçoẽs, que he muyto para ſe arrecear contalo, ao menos a gente q̃ vio pouco do mũdo, porque eſta como vio pouco, tambem cuſtuma a dar pouco credito ao muyto q̃ outros viraõ. Em todo eſte rio, que não era muyto largo, auia muyta quantidade de lagartos, aos quais com mais proprio nome pudera chamar ſerpentes, por ſerem algũs do tamanho de hũa boa almadia, cõchados por cima do lombo, com as bocas de mais de dous palmos, e tão ſoltos e atreuidos no cometer, ſegũdo aquy nos afirmaraõ os naturaes da terra, que muytas vezes arremetião a hũa almadia quando não leuaua mais que tres quatro negros, e açoçobrauão co rabo, e hum e hũ os comião a todos, e ſem os eſpedaçarem os engulião inteyros. Vimos aquy tambem hũa muyto noua maneyra, e eſtranha feyção de bichos, aque os naturaes da terra chamão Caqueſſeitão, do tamanho de hũa grande pata, muyto pretos, conchados pelas coſtas, com hũa ordem de eſpinhos pelo fio do lombo do comprimento de hũa penna de eſcreuer, e com azas da feição das do morcego, co peſcoço de cobra, e hũa vnha, a modo de eſporaõ de gallo na teſta, co rabo muyto comprido pintado de verde e preto, como ſaõ os lagartos deſta terra. Eſtes bichos de voo, a modo de ſalto, cação os bugios, e bichos por cima das aruores, dos quais ſe mantem. Vimos tambem aquy grande ſoma de cobras de capello, da groſſura da coxa de hum homem, e tão peçonhentas em tanto eſtremo, que dizião os negros que ſe chegauão com a baba da boca a qualquer couſa viua, logo em prouiſo cahia morta em terra, ſem auer contrapeçonha, nem remedio algum que lhe aproueitaſſe. Vimos mais outras cobras que não ſaõ de capello, nem tão peçonhentas como eſtas, mas muyto mais compridas e groſſas, e com as cabeças do tamanho de hũa vitella, eſtas nos dizião elles, que caçauão tãbem de rapina no chaõ, por eſta maneyra ſobenſe encima das aruores ſilueſtres, de que toda a terra he aſſaz pouoada, e enroſcando a ponta do rabo em hum ramo ſe decem abaixo, deixando ſempre a preſa feita em cima, e poſta a cabeça no mato, e com orelha por eſcuta pregada no chaõ, ſentem com a calada da noite toda a couſa que bolle, e em prepaſſando o boy, o porco, o veado, ou qualquer outro animal, o ferraõ com a boca, e como ja tem feita a preſa co rabo là encima no ramo, em nenhũa couſa pregaõ que a não tragão a ſy, de maneyra que couſa viua Ihe não eſcapa” (XIV, pp.44-45).


“Segũdo o q̃ aquy nos cotarão algũs mercadores, os quais nos disserão q̃ erão de hũa prouincia que se chamua Friucaranjaa, alem da qual habitauão huns pouos com quem tinhão continua guerra que se chamauão Calogẽs, e Fungaos, gentes baças e muyto grades frecheyros, que tem as patas dos peis redondas como bois, mas cõ dedos e vnhas, e tudo o mais como os outros homens, tirando as mãos, que as teem muyto cabelludas. Os homens saõ de natureza crueyeis e mal inclinados, e nas costas embaixo quasi na reigada dos lobos tem hũ lobinho com dous punhos… E alẽ destes pouos auia outros q̃ … se sustentauão de animais siluestres q̃ caaçauão, e os comião crus, e de toda a diversidade de animais immũdos como saõ lagartos, bichos, e cobras q̃ auia na terra, e q̃ esta caça de animais siluestres fazião caualgados em outros animais do tamanho de cauallos, q̃ tem três cornos ou pontas no meyo da testa, e os pesis e as mãos muyto curtos e grossos, e no meyo do lobo tem hũa ordem de espinhos com q̃ ferião quãdo se assanhauão, e todo o mais corpo he conchado da cor de hũ sardão, no pescoço em lugar de coma, tẽ outros espinhos muyto mais cõpridos e grossos q̃ os do lobo, e nos encontros dos hombros tẽ hũas asas curtas como perpetanas de peixe, cõ q̃ dizem q̃ voão a maneyra de saltos 25. e 30. passos, os quais animais dezião q̃ se chamauão banazas” (CLXVI, pp. 507-508).


Esta “monstrificação do real” não é exclusiva de FMP: “A cartografia e a literatura portuguesa de viagens do século XVI estão cheias de exemplos daquilo a que chamo de escrita dos monstros, escrita essa que se torna, por vezes, no despertar dos monstros da escrita, como acontece na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, em que a descrição seja do humano (“gente disforme” e de “fala desentoada”), do natural (o caso do bicho “caquesseitão”) ou do religioso (as figuras medonhas do religioso chinês), não raras vezes descamba na monstrificação do real, como se as palavras tivessem esse poder mágico e perverso.” (7*).

3. “HERÓI”
Em Os Lusíadas, temos um herói colectivo, embora haja também um herói individual, Vasco da Gama, numa perspectiva muito mais virgiliana (o herói está ao serviço de um sistema de valores) do que na homérica (sobreposição da narrativa em que sobressai o herói individual).
Serve-se do herói para desempenhar um papel pedagógico, que não deixa de envolver um aspecto crítico, implícito na sua intenção de recuperar o equilíbrio humanista entre a fé e a experiência, o espírito e a matéria, o apetite e a razão, as armas e as letras, numa nova ordem que não cabia “num mundo em desconcerto”.
Na comparação que faz com outros povos, Os Lusíadas sempre engrandece os portugueses, com base no preconceito do grande amor próprio nacional.
Na Peregrinação, temos um “anti-poema, narrativa fantástica e picaresca na primeira pessoa do anti-herói-indivíduo” ou mesmo um não-herói, uma espécie de grau zero do heroísmo: Fernão-personagem não age; é, sobretudo, co-agido pelas forças do destino que, dos píncaros momentâneos do sucesso, o atiram para o fundo do abismo mais negro (8*).


Mas, para lá disso, os Portugueses saem muito mal tratados na Peregrinação, através de uma crítica do tipo “crítica de espelho”: é feita, “camufladamente, com referências ao exótico, através da descrição de práticas estranhas ou estúpidas dos orientais, equivalentes de alguma maneira às de seus compatriotas, preocupados em “comprar” a salvação eterna. Esse elemento exótico funciona ironicamente no texto como espelho da civilização do autor para criticar seus erros e absurdos ou para fantasiar modelos perfeitos que, pela apresentação espelhada do diferente, evidenciam seus aspectos negativos” (9*). Por outro lado ao descrever a China como modelo, utopia para nós, realidade para ele, está indirectamente a criticar a Europa e os Portugueses.

António Faria
Mas para lá dessa crítica camuflada que possivelmente enganou os censores do livro permitindo a sua publicação, há também críticas directas através de um dos principais personagens: António de Faria, cujas façanhas ocupam 44 capítulos (do XXXXVI ao LXXIX), é uma espécie de contraponto a Vasco da Gama. É um chefe de aventureiros piratas dominado pela cobiça e pelo saque. A sua apresentação é simples e clara: “era naturalmente muyto curioso, e não lhe faltaua tambem cubiça” (LXX, p.199), isto é, a sua curiosidade era apenas motivada pela cobiça e pela ganância.
FMP critica-o asperamente servindo-se sempre das palavras dos “pagãos” daquelas terras:
- um mouro da ilha de Ainão (10*): Depois de apanhar uns nativos “e desejando saber que gente era, e donde vinhão, mandou meter hũs quatro delles a tormento, dos quais os dous se deixarão morrer emperradamente, sem quererem confessar nenhũa cousa. E tomando hum moço pequeno para lhe fazerem o mesmo, hum velho que jazia ahy deitado q̃ era seu pay, bradou rijo chorando que o ouuissem antes que fizessem mal aquelle moço, Antonio de Faria mandou então parar os ministros da execução, e lhe disse que dissesse o que quisesse, mas que fosse verdade, porque se lhe mintisse, soubesse certo que a elle e ao filho auia de mandar lançar viuos ao mar, e se lhe fallasse verdade lhe prometia de os mandar pór a ambos em terra liuremente, cõ toda a fazenda que por seu juramẽto dissesse que era sua. A que o Mouro respondeo, aceito senhor essa promessa sobre tua palaura, inda que este officio em que agora andas, não he muyto conforme â ley Christam q̃ no bautismo professaste, de que Antonio de Faria ficou tão atalhado q̃ não soube q̃ lhe respondesse, e mandandoo chegar para junto de sy o inquirio com brandura e afabilidade, e sem nenhum ameaço” (XXXXII, pp.117-118);


- uma criança chinesa que ele raptou na Ilha dos Ladrões (11*): “Antonio de Faria lhe disse que não chorasse, e o afagou quanto pode, prometendolhe que o trataria como filho, porque nessa conta o tinha, e o teria sempre, a q̃ o moco, olhando para elle, respondeo com hũ sorriso, a modo de escarneo; não cuydes de mim inda que me vejas minino, que sou tão paruo que possa cuydar de ty que roubandome meu pay me ajas a mym de tratar como filho, e se es esse q̃ dizes, eu te peço muyto muyto muyto por amor do teu Deos q̃ me deixes botar a nado a essa triste terra, onde fica quem me gerou, porq̃ esse he o meu pay verdadeyro, com o qual quero antes morrer aly naquelle mato, onde o vejo estarme chorando, que viuer entre gente tão mà como vos outros sois; algos dos q̃ aly estauão o reprenderaõ, e lhe disseraõ q̃ não dissesse aquillo, porque não era bem dito, a que elle respondeo, sabeis porque volo digo, porq̃ vos vy louuar a Deos despois de fartos com as mãos aleuantadas, e cos beiços vntados, como homẽs que lhes parece que basta arreganhar os dentes ao Ceo sem satisſazer o que tẽ roubado, pois, entendey que o Senhor da mão poderosa não nos obriga tanto a bolir cos beiços, quãto nos defende tomar o alheyo, quanto mais roubar e matar, que saõ dous peccados taõ graues, quãto despois de mortos conhecereis no riguroso castigo de sua diuina juſtiça. Espantado Antonio de Faria…” (LV, pp. 153-154). Rosa Mendes aponta esta passagem como uma “mensagem de erasmismo críptico, que não ousa confessar o seu nome e que se pronuncia pela boca ingénua de um menino chinês (12*);


- o rei dos Léquios (13*), que habitavam numa ilha do actual arquipélago Ryu-Kyu, pertencente ao Japão (14*), recusa-se a recebê-lo: “E quanto a verem minha pessoa antes de sua partida o ey por escusado, assi pelo trabalho que nisso podem leuar, como por não me ser dado, por ter o officio de Rey, ver gente que conhecendo muyto de Deos, vsa pouco da sua ley, tendo por costume tomar o alheyo” (CXLII, p. 421);


- o rei dos Tártaros, em Pequim, acompanhado de “quatorze Reys” quando soube que “essa gente do cabo do mundo”, tinha vindo de tão longe: de “Portugal, cujo Rey era muyto grande, poderoso, e rico, e que della a aquella cidade do Pequim aueria distancia de quasi tres annos de caminho, de que elle fez hum grande espanto como homem que não tinha esta maquina do mundo por tamanha, e batendo tres vezes na coxa com hũa varinha que tinha na mão, e os olhos postos no Ceo como quem daua graças a Deos, disse alto q̃ todos o ouuiram, Julicauão julicauão minaydotoreu pismão himacor dauulquitaroo xinapoco nifando hoperau vuxido vultanitirau companoo foragrem hupuchiday purpuponi hincau, o que quer dizer ò criador, ò criador de todas as cousas qual de nós outros pobres formigas da terra poderá compreender as marauilhas da tua grandeza? fuxiquidane, fuxiquidane, Venham cá, venhão cà, e acenando com a mão nos fez chegar até os primeyros degraos da tribuna onde os quatorze Reys estauão assentados, e nos tornou a perguntar como homẽ espantado do que tinha ouuido, pucau, pucau? que quer dizer quanto? quanto? a que respondemos o mesmo de antes, que quasi tres annos de caminho, a que elle tornou a dizer, que porque não vinhamos antes por terra que auenturarmonos aos trabalhos do mar? a que se respondeo que por a terra ser muyto grande, e auer nella Reys de diuersas naçoẽs que o não consentirião, a que elle tornou, que he o que vindes buscar a essoutra, por q̃ vos auenturais a tamanhos trabalhos? e declarandolhe então a razão disto pelas melhores e melhor enfeitadas palauras que então ocorrerão, esteue hum pouco suspenso, e bulindo tres ou quatro vezes com a cabeça disse, para hũ homem velho q̃ estaua junto delle, conquistar esta gẽte terra tão alongada da sua patria, dâ claramente a entender que deve de auer entre elles muyta cubiça e pouca justiça, a que o velho, que se chamaua Raja Benão, respondeo, assi parece que deue ser, porque homẽs que por industria e engenho voão por cima das agoas todas, por aquirirem o que Deos lhes não deu, ou a pobreza nelles he tanta que de todo lhes faz esquecer a sua patria, ou a vaydade,e a cegueyra que lhes causa a sua cobiça he tamanha que por ella negão a Deus, e a seus pays” (CXXII, pp. 357-358).

Só mais um exemplo, agora, um pequeno relato do modo como os Portugueses se comportavam:
“Os nossos tanto que ouuerão vista delles, deraõ fogo ao falcão e aos berços, e desparando vinte espingardas arremeterão a elles, que já neste tempo hião fugindo, quasi todos feridos, e sem ordem nenhũa, e os seguiraõ cõ tanta pressa que os alcançarão emcima no viso de hũ outeyro, onde em menos de dous credos foraõ todos mortos, sem escaparem mais que sós três a que se deu vida por dizerem que eraõ Christãos” (CXLVI, p. 432).


Francisco Xavier
Contudo, convém não esquecer que, de facto, ao lado do anti-herói, também temos o herói, um herói-santo, "o padre mestre Francisco Xavier", ao qual dedica 17 capítulos (cap. CCIII a CCXIX). Destaco três aspectos, entre muitos outros, que fazem de Francisco Xavier um herói da Peregrinação.

Dom da visão profética
“E a hum domingo seis dias de Dezembro do mesmo anno, pregando este bemauenturado padre â Missa do dia como sempre costumaua, indo jâ no cabo do sermão se virou para o Crucifixo que estaua emcima no arco da capella, e fallando com elle com hũas deuotissimas palauras, enuoltas em muytas lagrimas, de que todos os ouuintes estauão pasmados, propôs por figuras toda a batalha dos nossos como passaua, e lhe pedio com grande efficacia que se lembrasse dos seus, porque ainda que eraõ peccadores, e muito peccadores, todauia professavaõ, como fieis q̃ eraõ, seu santo nome, com protestação continua de viuerem e morrerẽ na sua santa fé Catholica, e em muitos passos apertando os punhos das maõs, com hum feruor impetuoso e o rosto aabrasiado dezia, o Iesu Christo amores de my alma, pelas dores da tia sagrada paixão que nos naõ desẽpares, e a este modo outras muytas palauras de que não sou bem lẽbrado, em fim das quais inclinando a cabeça sobre o pulpito como que descançaua daquelle trabalho, esteue quedo obra de dous ou três credos, e tornandoa a levantar, com rosto alegre e bem assõbrado, disse aos que estauão presentes, dizey hum Pater noster, e hũa Aue Maria pela vitoria que Deos nosso Senhor agora deu a os nossos contra os inimigos da sua santa fé, com que em toda a igreija ouue muyto rumor de deuoção e de lágrimas. E daly a seis dias que foy logo a sesta feira seguinte já quasi sol posto,chegou hum balão que fora dos inimigos muyto bem equipado, em que vinha hum soldado por nome Manoel Godinho a pedir aluissaras ao capitaõ desta vitoria, o qual relatando em publico todo o discurso e o sucesso della, disse que fora o domingo dantes âs dez horas do dia, que pela conta se achou que fora na própria hora que o padre o disse no púlpito, pelo que sem duuida tiueraõ todos para sy, e o confessaraõ publicamente, que Deos nosso Senhor lho reuelara em espírito” (CCVII , p. 646).

A Parábola dos Cegos (P. BRUEGHEL, o VELHO; 1568)

Milagre no meio da tempestade
“Sendo já quasi meya noite, os quinze que hiaõ no batel deraõ hũa grande grita de Senhor Deos misericordioso, e acodindo toda a gente da nao a saber o que aquilo era, viraõ ao orizonte do mar o batel yr atrauessado, porque lhe quebraraõ os bragueyros ambos com que estaua amarrado. O capitão com a dor daquelle desastre, sem consideração algũa, nem atentar o que fazia, mandou arribar a nao pela esteyra do batel, parecendolhe que o poderia saluar, mas como ella era mâ de gouerno, e acudia deuagar ao leme, por causa da pouca vella de que era ajudada, ficou atrauessada entre duas vagas, onde a encapellou hũa grande serra por cima da popa, e lhe lançou no conués tamanho peso dagoa, que de todo a teue çoçobrada, a q̃ a gente com hũa grande grita que rompia o àr chamou com muyta instãcia por nossa Senhora que lhe valesse. A isto acudio o padre muyto depressa, que neste teempo estaua posto de joelhos debruçado sobre hũa caixa na câmara do capitão, e vendo a nao da maneyra que estaua, e nos pelas amuradas hũs sobre os outros, escalaurados os mais delles das capoeyras do conués, leuantando as mãos ao Ceo, disse alto: ó Iesu Christo amores de my alma, valenos Senhor pelas cinco chagas que pró nòs padeceste na aruore da vera Cruz, e logo naquelle breue instante milagrosamente a nao tornou a surdir sobre a vaga do mar e acudindo logo com muyta pressa a marear a moneta q̃ hia guarnecida por papafigo ao pé do traquete, prouue a nosso Senhor que ficou direyta, e logo mareada em popa, e o batel desapareceo de todo pela esteyra da nao, de que todos ficaraõ chorando, e rezãdo pelas almas dos que hião nelle.” (CCXIIII, p. 676).



Discussão com os bonzos
“Desejoso o bonzo de se lhe não yr das mãos a presa que tinha por muyto certa, cõfiado no seu saber, porque tinha grao de tundo nos collegios de Fiancina onde se dezia que elle estiuera trinta annos por lente de prima em hũa faculdade que elles entre sy tem por suprema como entre nos a sagrada Theologia, chegando ao paço a este tempo que digo, mandou dizer a el Rey por hum dos bonzos q̃ vinhaõ com elle estaua aly o Fucarandono, porque assi se chamaua elle, de q̃ el Rey ficou carregado, e com semblante triste, por lhe parecer que pela sua muyta sciencia podia embaraçar o padre com que ficasse perdendo a honra que tinha ganho com os outros… Ora pois, lhe tornou o padre, se tu não és de mais de cinquenta e dous annos, como he possiuel auer mil e quinhentos annos que foste mercador, e me compraste fazenda? e se tambem Iapão não ha mais de seiscentos annos que he pouoado, como pode ser auer mil e quinhentos annos q̃ eras mercador? Dirtoei, disse o bonzo… Has de saber, pois o não sabes, que o mundo nunca teue pricipio, nem os homens que nelle nacerão, poderaõ ter fim, mais que somente acabarem estes corpos em q̃ andamos, no derradeyro biocejo, para nelles a natureza nos passar de nouo a outros milhores, como se ve claro quando tornamos a nacer de nossas mays ora em machos, ora em femeas, segundo a conjunção da lũa em que nos parem, e depois que somos cà nacidos no mundo, fazemos por vários successos estas mudanças, a que a morte nos tẽ sojeitos por parte da natureza fraca de que somos compostos, e quem tẽ boa memoria, sempre lhe fica lembrado o que fez e passou nos outros espaços da vida primeyra. O padre respondendolhe a este seu falso argumento, lho desfez por trez vezes com palauras e razões taõ claras e euidentes, e por comparaçoẽs tão proprias e naturais que o bonzo ficou cõfuso, as quais aquy não ponho por escusar proluxidade, mas principalmente porque não cabem no estreito vaso do meu engenho” (CCXI, pp. 662-664).



 
ECUMENISMO
Apesar da falta de uma educação formal, do seu afastamento da cultura dominante e das suas raízes humildes, a sua obra não apresenta sinais de preconceitos em relação às novas culturas descobertas pelos Portugueses, tornando-se um testemunho vivo dos seus hábitos, atitude e estilos de vida.

Possivelmente influenciado por Erasmo, defendeu uma espécie de ecumenismo, de uma humanidade única, sentimento que nasce do estudo e da avaliação que fez dos costumes e crenças de outras culturas e povos orientais e que o levou à conclusão de que se comportam como se tivessem a luz da fé e o conhecimento da santa lei cristã: “a q̃ elle e a mulher responderão cõ hũas palauras tão bem arrezoadas, e tanto para notar, q̃ nòs todos estauamos como pasmados de vermos o modo com que atribuyão suas cousas â causa principal de todos os beẽs, como se elles tiuerão lume de fé, ou conhecimento da nossa santa ley Christam” (CIIII, p. 300).
Propõe mesmo ao rei, através de S. Francisco Xavier, que introduza os bons costumes que ele encontrou na China, “hũa tão noua, tão espantosa, e quasi increiuel marauilha” (XCVII, p. 275): “Tambem he razão que se saiba a grandíssima ordem e marauilhoso gouerno que tem este Chim Rey gentio em prouer o seu reyno de mantimentos, para que a gente pobre não padeça necessidades, e para isso direy o que disto se trata nas suas chronicas em que algũas vezes ouuy ler escritas em letra de forma ao seu modo, que aos reynos e republicas Christãs pode ser exemplo, assi de caridade como de bom gouerno… Assi que em todas as cousas há neste reyno hum taõ excellente gouerno, e hũa tão prompta execução nas cousas delle, que entendendo bem isto no tempo que là andou aquelle bemauenturado padre mestre Francisco Xavier, lume no seu tempo de todo o Oriente, cuja virtude e santidade o fizerão taõ conhecido no mundo, que por isso escusarey por agora tratar mais delle, espãtado, assi destas cousas, como doutras muytas excellencias que nesta terra vio, dezia, que se Deos algũa hora o trouxesse a este reyno, auia de pedir de esmolla a el Rey nosso Senhor q̃ quisesse ver as ordenações, e os estatutos da guerra e da fazenda, porque esta gẽte se gouernaua, porque tinha por sem duuvida que eraõ muyto milhores que os dos Romanos no tempo de sua felicidade, e que os de todas as outras naçoens de gentes de que todos os escritores antiguos tratarão” (CXIII, pp. 327-328).
Uma outra prova dessa sua perspectiva ecuménica pode ver-se na forma como o livro está organizado. Ele pode dividir-se em seis partes, que se dispõem em forma quiástica:

A estrutura quiasmática ou inclusão semítica (em termos bíblicos) é um processo literário em que uma ideia idêntica é expressa por fórmulas semelhantes no princípio e no final de um ou vários textos, definindo uma unidade temática. No caso da Peregrinação temos 3 grupos “paralelos”: I Parte e VI Parte, paralelas centradas no “Eu”; II Parte e V Parte, antitéticas, centradas nos piratas e nos evangelizadores; III Parte e IV Parte centrado nos “Nós”, a terceira envolvendo apenas os Portugueses e a quarta na humanidade inteira. Ora uma das características desta estrutura é que a ideia que o autor deseja destacar ocupa a parte central. Neste caso, temos o “Nós” que começam por envolver apenas os nacionais e depois se alarga a todos os outros. Mas é bem possível que FMP não tivesse pensado nisto!!!


Mas apesar desta minha opinião, não quero deixar de reproduzir a posição contrária de Andrade de Carvalho: “A China seria perfeita (ou quase) se fosse cristã. A entusiástica adesão e descentramento de Fernão Mendes Pinto não é, pois, inocente. Visa, por acção da ideologia religiosa, uma estratégia “imperialista” de redução do Outro ao Mesmo-Cristão-Católico. É, aliás, aquela falta/falha religiosa do Outro-Chinês que o leva a ser estigmatizado como bárbaro, idólatra, infiel, desatinado e diabólico/satânico. A religião do Chinês surge, ainda, aos olhos de Fernão Mendes Pinto, como algo de radicalmente exuberante e como lugar do monstruoso (uma prega rugosa na lisura da utopia chinesa)… Contudo, o monstruoso também surge desligado da religiosidade do Chinês, manifestando-se, no plano do humano, como animalização/bestialização desse mesmo Outro. É o caso da “gente disforme” e de “fala desentoada” que Fernão Mendes Pinto, ainda na companhia de António de Faria, encontra dias antes de chegarem à enseada de Nanquim. Aqui a construção do Outro como monstro passa pela sua inferiorização enquanto animal não racional e selvagem, perceptível pelo seu habitat inóspito e improdutivo (mato, floresta e serranias), pelos comportamentos agressivos e animalescos (não são mamíferos; uivam e saltam; são carnívoros), pelas marcas anatómicas (disformidade do corpo) e vestuário rústico, e, finalmente, pela anomalia linguística (irracionalismo), em que o Outro é dotado quando muito de uma infra-linguagem gestual. (cf. Cap. LXXIII)” (16*).


LEGADO
As suas aventuras eram tão estranhas que deram origem a trocadilho bem conhecido: “Fernão mentes? Minto”. Além disso, pesavam contra a obra o grande distanciamento temporal e as drásticas mudanças no cenário oriental que FMP presenciara devido às fortes presenças dos ingleses e holandeses na região. Acresce que havia uma grande concorrência de autores mais eruditos, como João de Barros, Camões ou Castanheda. A Peregrinação deixara de tratar de um assunto de momento para se tornar a descrição de um tempo passado. Além disso, o facto de as suas críticas não terem sido percebidas na altura, como já referi, possibilitou a sua divulgação.
Fosse como fosse, o que é certo é que, contrariando as expectativas, a obra tornou-se um sucesso, conseguindo 19 edições em seis línguas.


“Assim como Camões teve os seus Os Lusíadas imitados em outros textos, Fernão Mendes Pinto parece ter tido a sua Peregrinação usada como modelo para narrativas irónicas do século XVIII: exemplos seriam as Lettres Persannes, de Montesquieu, em que um persa em Paris critica, com espanto ingénuo, a cultura francesa da época, ou o Candide, de Voltaire, cujo herói percorre o mundo, ora encontrando estupidez profunda, ora exemplos de sabedoria em restos de civilizações. Trata-se de iluministas que tiveram em Fernão Mendes Pinto um precursor-modelo para a crítica da irracionalidade humana. Além disso, a Peregrinação estará talvez mais presente que Os Lusíadas na literatura portuguesa contemporânea, em que numerosos textos retomam de forma ironicamente crítica as viagens e os descobrimentos. Como exemplos poder-se-iam citar O bosque harmonioso, de Augusto Abelaira, Cantata para dois clarins e Peregrinação de um Barnabé das Índias, de Mário Cláudio, ou As naus, de António Lobo Antunes, que retomam a síntese artística de fundo picaresco realizada pela Peregrinação, a qual se marca, por exemplo, através de personagens/testemunhas ingénuas e/ou narradores com imagens de criaturas aparvalhadas e sem talento, ou com frequente descarte da responsabilidade da narração feita” (17*).

HOMENAGEM
FMP foi homenageado pela UAI (União Astronómica Internacional), que deu o seu nume a uma das crateras do planeta Mercúrio: 69,3 S 17,8 W; 214 km de diâmetro.

 Algures por ali estão as três crateras com nomes portugueses 

A UAI determinou que as crateras de Mercúrio devem ter nomes de "artistas, músicos, pintores e autores que tenham feito contribuições notáveis ou fundamentais para o seu campo, e que tenham sido reconhecidos como figuras de importância histórica durante mais de 50 anos".
Assim, além de FMP temos, para já, mais dois outros portugueses homenageados:
Camoes (Camões): 70,6 S 69,9 W; 70 km de diâmetro;
Vincente (Gil Vicente): 56,8 S 142,49 W; 98 km de diâmetro.


LUSITÂNIA TRANSFORMADA (1607)

De autoria de Fernão Álvares do Oriente (1530-1600), trata-se de uma novela pastoril, um subgénero narrativo épico surgido no Renascimento. É um texto em prosa e verso, dividido em três “libros”. Teve mais duas edições: em 1791 e em 1985. É a primeira novela pastoril que tem por cenário todo o império português do século XVI. Nela se descrevem a fauna e a flora das regiões orientais, o que a diferencia do cenário topológico da literatura bucólica de tradição greco-romana.

Trata-se de uma obra de imaginário messiânico sobre a decadência do Portugal no final de Quinhentos e sobre a superação transcendente dessa decadência, que nos ajuda a compreender o processo histórico e metafísico que antecedeu e que se seguiu à perda da Independência Nacional, em 1580.
Por isso tem como cenário principal a Natureza, que permite fugir de um mundo corrupto, de mentira, de egoísmo e de ambição para um mundo puro, de verdade, de altruísmo e de dádiva pessoal. Este desejo de regresso ao mundo da infância e da inocência manifesta-se com a presença de três crianças. Sob este cenário principal, há um outro mais secundário, o do império português da época, que se transforma no palco da novela.


 É profundamente simbólica, um simbolismo cuja expressão mais explícita está no nome que atribui aos seus personagens, até porque no quadro do neoplatonismo então em voga, os nomes traduzem não só o carácter da pessoa mas também o papel que desempenham na novela: Flumínio, associado a rio, simboliza a écloga piscatória; Liriano, associado ao lírio do campo, a écloga campestre; Jacinto, nome  de flor, a pureza; Urbano, associado à cidade, o cortesão feito pastor; Rurânio, associado ao campo, o homem rústico; Sílvia, associada ao bosque, a pastora que recusa o casamento para viver no templo de Diana, deusa da caça e, metaforicamente, na Lusitânia Transformada, patrona das pastoras que abraçam a vida da perfeição, num convento; Célia, associada ao céu, a pastora que troca as agruras do mundo pelas delícias do paraíso.

É uma obra pessimista perante uma crise cultural, política, social e religiosa que marcou uma das épocas mais tristes e trágicas da nossa História: a corrupção dos responsáveis pela manutenção do grande império ultramarino português, a catástrofe de Alcácer Quibir, o drama da dominação espanhola: "Tudo está em crise. Em crise está a Nação, em crise está o patriotismo, em crise está a austeridade de princípios, em crise está a poesia, em crise está a religião oficialmente instituída, em crise está a santidade dos costumes, em crise está a sociedade familiar, em crise está o amor entre o homem e a mulher, em crise está a própria vida". Por isso, põe Lusmano a protestar contra a dominação estrangeira; no heróico D. Miguel de Meneses, critica a falta de patriotismo; à cobiça dos ambiciosos opõe a vida frugal e simples dos pastores; à corrupção da hierarquia da Igreja contrapõe o padre Ribeiro. 


É também uma obra moralista que critica o espírito demasiado mercantilista dos portugueses, representado por Petrário (do latim petra, “pedra”) que, viaja apenas para granjear riquezas e pedras preciosas, enquanto o seu companheiro Olívio (o próprio autor) aproveita para obter mais conhecimentos, ver como os outros povos vivem. Apesar de prestar homenagem a Camões em várias ocasiões, não deixa de condenar a visão pagã que atribuiu ao episódio da Ilha dos Amores, transformando-a, como lugar de repouso, na Ilha de Santa Helena, mais um nome simbólico:
“Entraua o Sol na casa do namorado bruto de Pasiphae (Constelação do Touro) cezão aos nauegantes como aos pastores, fauorauel, quando chegamos ao porto de longe jà tam desejado, daquella ilha graciosa, que a mày do grande Constantino no seu dia descobrio por beneficio daquelles, q̃ en tão comprida viagem entregassem a vida aos perigos e descontos do mar salgado. Aqui achamos mil motiuos para nos refazermos dos enfadamentos do caminho com recreações varias, q̃ offerece terra tam bem afortunada” (LT, p. 208v).


Esta ilha é muito diferentes das da Ilha dos Amores, pois duas ninfas, Clemene e Ephire, choram a perda de virgindade nas brincadeiras com os navegadores portugueses (LT, pp. 211ss). Efectivamente trata-se de uma
Ilha suaue amena e deleitosa,
Por dom de Deus, entre ondas moradora (LT, p. 209).

Nessa ilha, verdadeiro templo da Fama, “liamos pollos troncos das aruores nomes feitos de varões ilustres que, como por tropheo de suas façanhas, deixauam alli à memoria consagrados, escreuendo nas cortiças seluaticas o, que em taboas douro com pontas de diamante tem a fama escrito pellas paredes do sue templo” (LT, p. 209).
Mas Lizarte também lá encontra talhados no tronco de uma árvore as causas que levaram Portugal à decadência e à perda da própria independência:
Cubiça, que assi se engrossa,
Ambição, que tanto alcança,
Derão principio â mudança,
O gente, da gloria vossa,

E fim â vossa esperança (LT, p. 215)

Esta é a teoria de Fernão Álvares sobre a decadência de Portugal.
SERÁ QUE ESTAVA A PENSAR NO PORTUGAL DE HOJE?



Referências bibliográficas

(1*) Era uma antiga cidade na ilha e estreito de Ormuz, à entrada do Golfo Pérsico. Por ela eram escoados os géneros exóticos transportados pelas caravanas de Bassorá ou Alepo que se dirigiam ao mar Mediterrâneo, para chegar à Europa.
(2*) Carta de 4 de Dezembro de 1554 aos “padres e irmãos da Companhia em Portugal” in Peregrinação, pp. 728.727.
(3*) ID., p. 722.
(4*) A. CASAIS MONTEIRO, in Peregrinação, pp. 755-756.
(5*) Vou utilizar algumas das ideias de LÉLIA PARREIRA DUARTE, Os Lusíadas, de Camões, e a Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto: perspectivas das viagens portuguesas (LPD) e J. C. F. ANDRADE DE CARVALHO, Luís de Camões e Fernão Mendes Pinto: dois contributos complementares para a construção do imaginário português de quinhentos.(JCFAC)
(6*) FRANCISCO FFRREIRA DE LIMA, De Caminha a Mendes Pinto: Brasil, Extremo Oriente e outras maravilhas, p. 92
(7*) J.C.F. ANDRADE DE CARVALHO, Retórica, Poética e Simbólica nas fronteiras entre a Arte e a Ciência, p. 3 (219).
(8*) JCFAC, p. 50.
(9*) LPD, p. 264.
(10*) Uma grande ilha entre o golfo de Tonquim e o mar da China meridional, em frente ao actual Vietname. É referida por Camões, em Os Lusíadas X, 129,4. O seu nome provém de dois ideogramas chineses: 海 Hǎi, “oceano” e 南 nan, “Sul”; portanto “Mar do Sul”.
(11*) Ilha, pertencente ao arquipélago de Guam, que faz parte das Ilhas Marinas, no Pacífico, foi descoberta por Fernão de Magalhães, a 6 de Março de 1521. Os Chamorros, população indígena do Guam, foram os primeiros a habitar a Ilha aproximadamente há 4000 anos.
(12*) A. ROSA MENDES, “A vida cultural”, in J.MATTOSO (Coord.), História de Portugal III Volume, pp. 418-421 (Círculo dos Leitores, 1993).
(13*) “Daqui (da China) a Dozentas e cinquoenta legoas estão os liquios cem legoas antes de chegar a Japão” (Carta de 4.Dez.1555, pp. 728-729
(14*) Os Léquios ou Gores, habitantes das ilhas do arquipélago Ryu-Kyu que actualmente integra o Japão, eram um povo navegador e activo, que comerciava os produtos chineses com o império nipónico e com outros portos do Extremo Oriente."Dizem os malaios à gente de Malaca que entre os portugueses e os léquios não há diferença, somente que os portugueses compram mulheres, o que os Léquios não fazem"- lê-se na "Suma Oriental" de Tomé Pires. Ocupavam os Léquios, antes de os Portugueses terem aportado a Malaca e explorado a costa malaia, o espaço comercial desta vasta região geográfica, trazendo a Malaca ouro, cobre, sedas, almíscar, porcelanas, damascos, além de legumes e cebolas. Todos os anos visitavam Malaca para fazer veniaga (negócio) com os Portugueses levando, em troca das suas mercadorias, de um a três juncos com muita roupa de Bengala.
(15*) Período que vai da chegada dos primeiros europeus (oriundos de Portugal), em 1543, até sua exclusão quase total em 1641, com a promulgação do Sakoku, “o Édito de Exclusão”. Nanban (南蛮 literalmente: “bárbaros do sul”) é uma palavra sino-japonesa que originalmente designava as pessoas do sul e sueste asiáticos. No Japão, a palavra passou a designar os europeus com a chegada dos Portugueses.
(16*) JCFAC, pp. 53-54.
(17*) LPD, pp. 266-267.

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