Nesta história do Universo
procuro fazer do Universo alguma coisa de vivo, na tradição da velha teoria da
Gaia, que procura analisar os vários acontecimentos como próprios de uma
entidade que reage aos desafios que vão surgindo. É como se a Terra fosse um
ser vivo que reagisse de um modo geral bem (porque se não já não existiria) aos
mais diversos fenómenos: bombardeamento de meteoritos, as grandes extinções de
seres vivos, ao efeito de estufa, buraco de ozono.
O Universo passou por alguns estrangulamentos, mas soube superá-los.
Os primeiros podem chamar-se crises de crescimento. Já avisei no último post que esta linguagem não é a mais
apropriada do ponto de vista científico, na medida em que insinua que o
Universo é um ser com objectivos finais. Não é. O Universo foi-se desenvolvendo
de acordo com as várias forças em jogo, as várias aglomerações permitidas pela
física e a química e foi obedecendo a estas leis que se foram dando os vários
passos e ultrapassando determinadas fases. Mas vou continuar a falar de um modo
menos científico por razões pedagógicas: para ver se torno esta história mais
acessível a todos.
PRIMEIRA CRISE
Vimos que o Universo dispôs apenas de uma janela temporal entre os 3 e
os 15 minutos para formar os primeiros núcleos atómicos: antes, havia uma temperatura
excessiva que dissociava protões e neutrões e, depois, a temperatura não era
suficiente para a existência de reacções nucleares. A este fenómeno chamou-se a
nucleossíntese cosmológica e deu origem a apenas dois núcleos em quantidades
significativas: Hidrogénio e Hélio.
Portanto, com o abaixamento da temperatura chegou-se a um impasse: o
Universo era incapaz de produzir mais núcleos atómicos. Já falámos da célebre
fenda dos 5 nucleões. Havia aqui um fosso que era impossível “saltar” porque o
Universo não dispunha de energia média suficiente. Sem capacidade para formar
novos núcleos, tudo ficaria “parado”: a evolução não podia continuar porque só
havia dois núcleos atómicos e o Universo ficava reduzido a eles e mais nada.
Este impasse foi superado deitando mão a um mecanismo já utilizado
pelo Universo, durante a nucleossíntese cosmológica, mas noutras condições. Não
podia ser o mesmo mecanismo porque o Universo não podia “voltar atrás”. Mas a
solução estava nas reacções nucleares. Faltava, contudo, uma condição sine qua
non: temperaturas muito elevadas. Onde poderia o Universo ir buscá-las?
Recriando essas condições, essas temperaturas elevadas. Onde? Havia realmente um
cantinho onde havia essas temperaturas elevadas: o núcleo das estrelas que
atingiam muitos milhões de graus.
Tudo no Universo estava em aparente sossego. A temperatura era já
demasiado baixa para que houvesse radiações nucleares. Os átomos andavam
dispersos pelo espaço. Como não estavam distribuídos uniformemente, a força de
gravidade fez sentir os seus efeitos. As zonas mais densas começaram a atrair
mais massa. Mais massa significa uma maior força de gravidade, isto é, maior
atracção sobre a matéria vizinha. E assim surgiram, no espaço, zonas mais
densas que originaram as proto-estrelas, que continuaram a aumentar de volume.
Quanto maior eram, maior era a força da gravidade. A gravidade não só atraía
mais matéria como concentrava, comprimia, a matéria já aglomerada. A
concentração fazia aumentar a temperatura, especialmente no núcleo da
proto-estrela (só se pode falar de estrela quando houver reacções nucleares que
irradiam luz e calor).
A temperatura, quando atingiu milhões de graus, tornou-se semelhante à
que existia no Universo no momento em que ocorreu a nucleossíntese cosmológica.
Isto quer dizer que também nas estrelas era possível haver reacções nucleares e
a formação de novos elementos. Estamos assim no período da nucleossíntese,
agora chamada estelar, com as mesmas potencialidades da nucleossíntese
cosmológica. Mas com uma diferença significativa: enquanto o Universo estava
sempre a arrefecer, dispondo apenas de escassos minutos para formar novos
elementos, nas estrelas a temperatura mantinha-se por milhões de anos, dando
tempo suficiente para formar novos elementos.
Assim foi encontrada a solução para a primeira crise de crescimento
Vida e morte de uma estrela
A formação das estrelas foi inicialmente assegurada pelo colapso
gravítico (compressão crescente da matéria): o aumento da força da gravidade
tem tendência para “esmagar” toda a matéria concentrada, colapsando-a. O
colapso final só foi travado pela força ou pressão da radiação resultante das
reacções nucleares. Assim, a dinâmica da estrela consiste no confronto destas
duas forças: a da gravidade que tende a comprimir e a da radiação que tende a
expandir. Enquanto estas duas forças se mantiverem, a estrela subsiste: não
colapsa porque a força da radiação o impede; não se espalha pelo espaço porque
a gravidade não o permite.
Esquema Dinâmica estelar
Um parâmetro fulcral, como se vê, é a massa da estrela: ela determina
as reacções nucleares possíveis mas também os fenómenos que acompanham a morte
da estrela.
Enquanto na nucleossíntese cosmológica só foi possível formar Hélio,
agora na nucleossíntese estelar é possível, pela adição de protões e neutrões,
obter os elementos até ao Ferro. Cada reacção exige maiores temperaturas, pelo
que a estrela vai ficando com camadas de novos elementos como uma cebola.
Esquema em Cebola
Estrelaemcamadade
cebola_star_fusion_shells
Quando já não tiver combustível ou não for possível novas reacções, a
estrela explode, espalhando os novos elementos pelo espaço interestelar,
servindo para a formação de uma nova geração de estrelas, muito mas rica de
elementos. Nisto consiste o contributo destas estrelas, chamadas de primeira
geração. E assim, o Universo “resolveu” a sua primeira crise crescimento,
passando a dispor de muitos elementos químicos para continuar a evolução.
Depende também da sua massa o tipo de “morte” que a estrela vai sofrer.
Ao chegar ao estado final, a estrela transforma-se em gigante ou supergigante
vermelha, despe-se do seu invólucro, seguindo vários caminhos, conforme a sua
massa inicial.
Esquema da Vida da estrela
Resumindo: Na evolução da sua vida, há dois aspectos a considerar:
- o invólucro que
se torna numa nebulosa planetária, depois de passar pela fase gigante vermelha
ou supergigante vermelha conforme a massa inicial;
Esquema nebulosa do caranguejo
ou outra com vários anéis concêntricos.
- o núcleo que, também
conforme a massa da estrela, pode ser uma anã branca, uma estrela de neutrões
ou um buraco negro.
Estrela Anã Branca
É o núcleo a que se reduz uma estrela do tamanho do nosso sol, quando
as reacções nucleares cessam porque não tem já mais nada para “arder”. Então a
gravidade passa a predominar, mas, devido a limitações quânticas dos electrões,
comprime-se “apenas” até ao raio da Terra. Estas limitações resultam do célebre
princípio de exclusão de Pauli, que afirma que nenhum electrão pode ter as quatro
coordenadas, ou números, quânticos de outro electrão. É esta limitação que
impede a estrela anã de ter um raio inferior ao da Terra.
Daqui a 5 Ganos, o sol tornar-se-á numa anã “branca”, porque estará
ainda muito quente e só lhe resta ir arrefecendo até se converter em anã preta.
Até hoje não se detectou nenhuma anã preta não só porque ficaria fria
para se poder ver, mas também porque, de acordo com os modelos actuais, a
passagem da anã branca a anã preta demora muito mais que 100 mil milhões de
anos. Ora o Universo actual tem menos de 15 mil milhões de anos.
Esta é a trajectória prevista para a grande maioria das estrelas.
Estrela de neutrões
Para estrelas um pouco mais maciças, a força gravitacional é ainda
determinante, mas dada a sua maior massa, a força da gravidade é tal que
“esmaga” os protões e electrões formando neutrões. Também aqui se aplica um
princípio de exclusão, agora aplicado a neutrões e não a electrões que
“desaparecem” no aperto. Devido a estas limitações quânticas, a estrela pode
ser comprimida até um raio da ordem dos 10 km. Este colapso gravitacional
termina com uma grande explosão (supernova) deixando uma nebulosa com os seus
restos: essa nebulosa vai-se expandindo ao longo do tempo, ficando o seu núcleo
transformado numa estrela de neutrões
As estranhas formas do invólucro da Supernova1987AAPOD26.Fev.2012
Estranhas formas
A estrela de neutrões tem uma particularidade: emite enormes
quantidades de radiação não em toda a superfície, mas apenas em determinadas
direcções. Daí o outro nome por que é também conhecida: pulsar, palavra formada
de pulsating star, “estrela pulsante”. Como geralmente rodam a
elevadas velocidades, as ondas que chegam à Terra parecem intermitentes, como
no caso de um farol marítimo.
EstrelaNeutrõesCaranguejoMEU
EstrelaNeutrõesCaranguejoAPOD25Dez2011
EstrelaNeutrõesCaranguejo
Buraco Negro
Para as estrelas mais maciças, nem as limitações quânticas conseguem
opor-se à força da gravidade. A sua enorme massa contrai-se para um volume
muito pequeno: é como comprimir a Terra para o tamanho de uma bola de bilhar.
Esta compressão proporciona uma força da gravidade tal que nas suas
proximidades tudo é retido. Daí o seu nome, buraco negro: é como se tudo caísse
num buraco negro. A própria luz é incapaz de se escapar a esta armadilha;
também ela fica retida.
Então, como se sabe que existe o buraco negro? Porque há um ponto no
espaço para o qual converge toda a massa vizinha, porque toda ela é atraída.
BuracoNegroEstelarRech427
Portanto o Universo “dá-nos uma lição”: a de explorar ao máximo os
bons modelos fazendo as necessárias adaptações.
Segunda crise do crescimento
Contudo, o Universo precisava de mais átomos; digamos dos 92 que fazem
parte da Tabela Periódica
Tabela Periódica
O Universo adaptara uma solução anterior para chegar até ao Ferro, que
ocupa o lugar (número atómico) 26 na Tabela Periódica. Para obter os elementos
seguintes ao Ferro, socorre-se das estrelas, com núcleos muito quentes, mas
agora inventou novas formas de reacções nucleares.
Esquema de Burbidge powerpont
165
Assim ficava completa a colecção de elementos (92) hoje existentes e o
Universo vencia mais uma crise de crescimento.
Terceira crise do crescimento
Mas os problemas ainda não tinham acabado, se o Universo quisesse
criar vida (CUDADO: o Universo não quer nada!) como viria a acontecer mais
tarde.
Como era possível a partir dos átomos formar moléculas cada vez mais
complexas? A matéria prima já existia: eram aqueles 92 elementos. Mas como
fazê-los reagir entre si? Nas estrelas não era possível, porque havia
temperatura a mais que destruía qualquer ligação química. No espaço exterior,
também não era possível porque havia frio a mais. E os átomos lá andavam
perdidos naquele imenso espaço frio e com luzes a aparecerem em diversos
pontos. Não era a era das Trevas, mas era um tempo de solidão.
O Universo “olhou” à volta e não parecia ser fácil. Mas… é claro. Se
fora capaz de inventar uma estrela, talvez aí estivesse uma sugestão: por que
não uma estrela mas fria, isto é um planeta, um desses corpos celestes que não
têm nenhum fogo inteiro ou o que têm é muito débil para chegar a estrela. Pois
é. O planeta satisfazia aos requisitos para permitir o avanço da evolução, desde
que estivesse numa “zona habitável”, Chama-se assim às posições que um planeta satélite
de uma estrela pode ocupar de modo a que nele possa florescer a vida, isto é, a
uma distância tal que a temperatura não seja muito superior a 100º C nem muito
inferior a 0º C, a “janela” da água líquida.
Os planetas que estão próximos das estrelas têm temperatura adequada,
água líquida, terrenos suficientemente sólidos e impermeáveis para formar
pequenos lagos que juntam átomos e moléculas e os podem fazer reagir. O caso
mais conhecido e até agora único é a nossa Terra.
terraFormação powerpoint180
legenda
Exoplanetas
Estava encontrada a solução para a terceira crise de crescimento. E
certamente que nos milhares de milhões de sistemas solares haverá biliões de
planetas, dos quais alguns são favoráveis ao aparecimento da vida e até ao
aparecimento de inteligências altamente desenvolvidas.
A procura da vida extraterrestre só agora começou e já se encontraram centenas
de exoplanetas, com se chamam, alguns aparentemente dentro das zonas habitáveis
do respectivo sol. Há muitos mecanismos propostas para os detectarmos, mas
ainda está tudo na meninice.
ExoplanetasDetecçãoRechDos21p42
Um dos primeiros a ser utilizado foi o aproveitamento da passagem do
planeta em frente de uma estrela. Deu origem a dois métodos. O de trânsito:
quando o satélite passa pela frente da estrela diminui ligeiramente o seu
brilho. O da lente gravitacional: quando uma estrela que tem um planeta passa
em frente de outra, o seu efeito de lente aumenta brilho desta; se no
decaimento do brilho surgir um pico, este indica a existência de um
(exo)planeta da estrela-lente.
ExoplanetasDetecçãoMEU
ExoplanetasDetecçãoRechDos21p39
e
ExoplanetasDetecçãoRechDos21p40
Lado esquerdo: método de trânsito. Sempre que um
planeta passa em frente da sua estrela provoca uma diminuição do brilho da
estrela que permite determinar algumas das características do planeta.
Lado direito: Método da lente gravitacional. Quando
uma estrela passa em frente de outra aumenta muito o seu brilho, de acordo com as
previsões da teoria da relatividade: funciona como se fosse uma lente. Se a
estrela-lente tiver um planeta, surge um pico no decaimento do brilho da
estrela devida ao efeito gravitacional do planeta. Assim se fica a saber da
existência de um planeta em torno da estrela-lente.
De uma coisa estamos certos: há pelo menos um planeta onde as coisas
funcionaram. O da nossa Terra. Como? Porquê? Não sabemos. Só podemos imaginar,
cada um ao seu modo.
Acaba de ser anunciado a descoberta de seis planetas em torno da
estrela Gliese 667C, três dos quais na zona habitável. É a primeira vez que se
encontram três planetas na zona de habitablidade de uma estrela.
ExoplanetasGliese667C
Este texto não foi publicado pelo Zé Dias mas encontrava-se na sua conta do blogspot, em forma de rascunho, na altura da sua morte. Não está completo, nomeadamente faltam esquemas e imagens e provavelmente faltará alguma revisão do texto em si e alguma conclusão, mas optamos por manter tudo tal qual como estava.