domingo, 3 de novembro de 2013

Não é um adeus, é um até já...

Este Blogue terminou porque o seu autor, José Dias da Silva, faleceu em 15/07/2013.

Há mais de 7 anos que o Zé lutava contra um cancro. Apesar de muitas limitações e algum sofrimento foi um tempo extremamente rico de afectos da família e dos amigos.

Foi sempre tratado com grande profissionalismo, por todos os funcionários dos serviços de saúde públicos a que teve de recorrer. Mas sobretudo deve às equipas médicas de enfermagem e de auxiliares de acção médica da UTAL (Unidade de Tumores do Aparelho Locomotor) dos Hospitais da Universidade de Coimbra, que o acompanharam dedicada e empenhadamente nos longos e difíceis dias de tratamento, a grande qualidade de vida de todos estes anos.

Graças a todo este apoio conseguiu escrever nos seus dois blogues com alguma regularidade, quinzenalmente para o jornal diocesano, mensalmente para uma revista missionária e pontualmente para outros jornais e revistas. Ainda colaborou em debates, fez conferências e manteve-se como membro activo das Comissões Justiça e Paz, Nacional e Diocesana de Coimbra.
No entanto, o último ano de vida foi já “pouco produtivo”, como ele dizia. A doença foi-se espalhando e sentia-se sobretudo cansado, mesmo para filosofar com a ajuda do computador.
 
Continuou até ao fim a escutar a palavra de Deus, a acolher e cuidar dos amigos e família, a telefonar diariamente à Mãe, a ouvir informações e lamentações da Fátima, a partilhar alegrias e tristezas com a Nata, o David e a sua irmã Lenita e a todos foi deixando conselhos e consolo.

Resolvemos criar, em memória dele, um outro blogue, uma espécie de “espaço-tempo” em que esteja presente a sua forma de viver e os valores que nos deixou por herança, aberto a todos os que quiserem vir espreitar, partilhar, comentar.
 
 
Fátima, Renata e David

Post inacabado: Crises de crescimento


Nesta história do Universo procuro fazer do Universo alguma coisa de vivo, na tradição da velha teoria da Gaia, que procura analisar os vários acontecimentos como próprios de uma entidade que reage aos desafios que vão surgindo. É como se a Terra fosse um ser vivo que reagisse de um modo geral bem (porque se não já não existiria) aos mais diversos fenómenos: bombardeamento de meteoritos, as grandes extinções de seres vivos, ao efeito de estufa, buraco de ozono. 
O Universo passou por alguns estrangulamentos, mas soube superá-los. Os primeiros podem chamar-se crises de crescimento. Já avisei no último post que esta linguagem não é a mais apropriada do ponto de vista científico, na medida em que insinua que o Universo é um ser com objectivos finais. Não é. O Universo foi-se desenvolvendo de acordo com as várias forças em jogo, as várias aglomerações permitidas pela física e a química e foi obedecendo a estas leis que se foram dando os vários passos e ultrapassando determinadas fases. Mas vou continuar a falar de um modo menos científico por razões pedagógicas: para ver se torno esta história mais acessível a todos.

PRIMEIRA CRISE
Vimos que o Universo dispôs apenas de uma janela temporal entre os 3 e os 15 minutos para formar os primeiros núcleos atómicos: antes, havia uma temperatura excessiva que dissociava protões e neutrões e, depois, a temperatura não era suficiente para a existência de reacções nucleares. A este fenómeno chamou-se a nucleossíntese cosmológica e deu origem a apenas dois núcleos em quantidades significativas: Hidrogénio e Hélio.
Portanto, com o abaixamento da temperatura chegou-se a um impasse: o Universo era incapaz de produzir mais núcleos atómicos. Já falámos da célebre fenda dos 5 nucleões. Havia aqui um fosso que era impossível “saltar” porque o Universo não dispunha de energia média suficiente. Sem capacidade para formar novos núcleos, tudo ficaria “parado”: a evolução não podia continuar porque só havia dois núcleos atómicos e o Universo ficava reduzido a eles e mais nada.
Este impasse foi superado deitando mão a um mecanismo já utilizado pelo Universo, durante a nucleossíntese cosmológica, mas noutras condições. Não podia ser o mesmo mecanismo porque o Universo não podia “voltar atrás”. Mas a solução estava nas reacções nucleares. Faltava, contudo, uma condição sine qua non: temperaturas muito elevadas. Onde poderia o Universo ir buscá-las? Recriando essas condições, essas temperaturas elevadas. Onde? Havia realmente um cantinho onde havia essas temperaturas elevadas: o núcleo das estrelas que atingiam muitos milhões de graus.

Tudo no Universo estava em aparente sossego. A temperatura era já demasiado baixa para que houvesse radiações nucleares. Os átomos andavam dispersos pelo espaço. Como não estavam distribuídos uniformemente, a força de gravidade fez sentir os seus efeitos. As zonas mais densas começaram a atrair mais massa. Mais massa significa uma maior força de gravidade, isto é, maior atracção sobre a matéria vizinha. E assim surgiram, no espaço, zonas mais densas que originaram as proto-estrelas, que continuaram a aumentar de volume. Quanto maior eram, maior era a força da gravidade. A gravidade não só atraía mais matéria como concentrava, comprimia, a matéria já aglomerada. A concentração fazia aumentar a temperatura, especialmente no núcleo da proto-estrela (só se pode falar de estrela quando houver reacções nucleares que irradiam luz e calor).   
A temperatura, quando atingiu milhões de graus, tornou-se semelhante à que existia no Universo no momento em que ocorreu a nucleossíntese cosmológica. Isto quer dizer que também nas estrelas era possível haver reacções nucleares e a formação de novos elementos. Estamos assim no período da nucleossíntese, agora chamada estelar, com as mesmas potencialidades da nucleossíntese cosmológica. Mas com uma diferença significativa: enquanto o Universo estava sempre a arrefecer, dispondo apenas de escassos minutos para formar novos elementos, nas estrelas a temperatura mantinha-se por milhões de anos, dando tempo suficiente para formar novos elementos.
Assim foi encontrada a solução para a primeira crise de crescimento

Vida e morte de uma estrela
A formação das estrelas foi inicialmente assegurada pelo colapso gravítico (compressão crescente da matéria): o aumento da força da gravidade tem tendência para “esmagar” toda a matéria concentrada, colapsando-a. O colapso final só foi travado pela força ou pressão da radiação resultante das reacções nucleares. Assim, a dinâmica da estrela consiste no confronto destas duas forças: a da gravidade que tende a comprimir e a da radiação que tende a expandir. Enquanto estas duas forças se mantiverem, a estrela subsiste: não colapsa porque a força da radiação o impede; não se espalha pelo espaço porque a gravidade não o permite.
Esquema Dinâmica estelar



Um parâmetro fulcral, como se vê, é a massa da estrela: ela determina as reacções nucleares possíveis mas também os fenómenos que acompanham a morte da estrela.
Enquanto na nucleossíntese cosmológica só foi possível formar Hélio, agora na nucleossíntese estelar é possível, pela adição de protões e neutrões, obter os elementos até ao Ferro. Cada reacção exige maiores temperaturas, pelo que a estrela vai ficando com camadas de novos elementos como uma cebola.
Esquema em Cebola
Estrelaemcamadade cebola_star_fusion_shells



                               http://en.wikipedia.org/wiki/Type_Ib_and_Ic_supernovae

Quando já não tiver combustível ou não for possível novas reacções, a estrela explode, espalhando os novos elementos pelo espaço interestelar, servindo para a formação de uma nova geração de estrelas, muito mas rica de elementos. Nisto consiste o contributo destas estrelas, chamadas de primeira geração. E assim, o Universo “resolveu” a sua primeira crise crescimento, passando a dispor de muitos elementos químicos para continuar a evolução.

Depende também da sua massa o tipo de “morte” que a estrela vai sofrer. Ao chegar ao estado final, a estrela transforma-se em gigante ou supergigante vermelha, despe-se do seu invólucro, seguindo vários caminhos, conforme a sua massa inicial.
Esquema da Vida da estrela



Resumindo: Na evolução da sua vida, há dois aspectos a considerar:
                - o invólucro que se torna numa nebulosa planetária, depois de passar pela fase gigante vermelha ou supergigante vermelha conforme a massa inicial;
Esquema nebulosa do caranguejo ou outra com vários anéis concêntricos.

                - o núcleo que, também conforme a massa da estrela, pode ser uma anã branca, uma estrela de neutrões ou um buraco negro.

Estrela Anã Branca
É o núcleo a que se reduz uma estrela do tamanho do nosso sol, quando as reacções nucleares cessam porque não tem já mais nada para “arder”. Então a gravidade passa a predominar, mas, devido a limitações quânticas dos electrões, comprime-se “apenas” até ao raio da Terra. Estas limitações resultam do célebre princípio de exclusão de Pauli, que afirma que nenhum electrão pode ter as quatro coordenadas, ou números, quânticos de outro electrão. É esta limitação que impede a estrela anã de ter um raio inferior ao da Terra.
Daqui a 5 Ganos, o sol tornar-se-á numa anã “branca”, porque estará ainda muito quente e só lhe resta ir arrefecendo até se converter em anã preta.


Até hoje não se detectou nenhuma anã preta não só porque ficaria fria para se poder ver, mas também porque, de acordo com os modelos actuais, a passagem da anã branca a anã preta demora muito mais que 100 mil milhões de anos. Ora o Universo actual tem menos de 15 mil milhões de anos.
Esta é a trajectória prevista para a grande maioria das estrelas.

Estrela de neutrões
Para estrelas um pouco mais maciças, a força gravitacional é ainda determinante, mas dada a sua maior massa, a força da gravidade é tal que “esmaga” os protões e electrões formando neutrões. Também aqui se aplica um princípio de exclusão, agora aplicado a neutrões e não a electrões que “desaparecem” no aperto. Devido a estas limitações quânticas, a estrela pode ser comprimida até um raio da ordem dos 10 km. Este colapso gravitacional termina com uma grande explosão (supernova) deixando uma nebulosa com os seus restos: essa nebulosa vai-se expandindo ao longo do tempo, ficando o seu núcleo transformado numa estrela de neutrões



As estranhas formas do invólucro da Supernova1987AAPOD26.Fev.2012


Estranhas formas

A estrela de neutrões tem uma particularidade: emite enormes quantidades de radiação não em toda a superfície, mas apenas em determinadas direcções. Daí o outro nome por que é também conhecida: pulsar, palavra formada de pulsating star, “estrela pulsante”. Como geralmente rodam a elevadas velocidades, as ondas que chegam à Terra parecem intermitentes, como no caso de um farol marítimo.
EstrelaNeutrõesCaranguejoMEU
EstrelaNeutrõesCaranguejoAPOD25Dez2011
                               http://apod.nasa.gov/apod/ap111225.html
EstrelaNeutrõesCaranguejo


Buraco Negro
Para as estrelas mais maciças, nem as limitações quânticas conseguem opor-se à força da gravidade. A sua enorme massa contrai-se para um volume muito pequeno: é como comprimir a Terra para o tamanho de uma bola de bilhar. Esta compressão proporciona uma força da gravidade tal que nas suas proximidades tudo é retido. Daí o seu nome, buraco negro: é como se tudo caísse num buraco negro. A própria luz é incapaz de se escapar a esta armadilha; também ela fica retida.
Então, como se sabe que existe o buraco negro? Porque há um ponto no espaço para o qual converge toda a massa vizinha, porque toda ela é atraída.
BuracoNegroEstelarRech427


Portanto o Universo “dá-nos uma lição”: a de explorar ao máximo os bons modelos fazendo as necessárias adaptações.

Segunda crise do crescimento
Contudo, o Universo precisava de mais átomos; digamos dos 92 que fazem parte da Tabela Periódica
Tabela Periódica

O Universo adaptara uma solução anterior para chegar até ao Ferro, que ocupa o lugar (número atómico) 26 na Tabela Periódica. Para obter os elementos seguintes ao Ferro, socorre-se das estrelas, com núcleos muito quentes, mas agora inventou novas formas de reacções nucleares.
Esquema de Burbidge powerpont 165

Assim ficava completa a colecção de elementos (92) hoje existentes e o Universo vencia mais uma crise de crescimento.

Terceira crise do crescimento
Mas os problemas ainda não tinham acabado, se o Universo quisesse criar vida (CUDADO: o Universo não quer nada!) como viria a acontecer mais tarde.
Como era possível a partir dos átomos formar moléculas cada vez mais complexas? A matéria prima já existia: eram aqueles 92 elementos. Mas como fazê-los reagir entre si? Nas estrelas não era possível, porque havia temperatura a mais que destruía qualquer ligação química. No espaço exterior, também não era possível porque havia frio a mais. E os átomos lá andavam perdidos naquele imenso espaço frio e com luzes a aparecerem em diversos pontos. Não era a era das Trevas, mas era um tempo de solidão.
O Universo “olhou” à volta e não parecia ser fácil. Mas… é claro. Se fora capaz de inventar uma estrela, talvez aí estivesse uma sugestão: por que não uma estrela mas fria, isto é um planeta, um desses corpos celestes que não têm nenhum fogo inteiro ou o que têm é muito débil para chegar a estrela. Pois é. O planeta satisfazia aos requisitos para permitir o avanço da evolução, desde que estivesse numa “zona habitável”, Chama-se assim às posições que um planeta satélite de uma estrela pode ocupar de modo a que nele possa florescer a vida, isto é, a uma distância tal que a temperatura não seja muito superior a 100º C nem muito inferior a 0º C, a “janela” da água líquida.
Os planetas que estão próximos das estrelas têm temperatura adequada, água líquida, terrenos suficientemente sólidos e impermeáveis para formar pequenos lagos que juntam átomos e moléculas e os podem fazer reagir. O caso mais conhecido e até agora único é a nossa Terra.
terraFormação powerpoint180 legenda

Exoplanetas
Estava encontrada a solução para a terceira crise de crescimento. E certamente que nos milhares de milhões de sistemas solares haverá biliões de planetas, dos quais alguns são favoráveis ao aparecimento da vida e até ao aparecimento de inteligências altamente desenvolvidas.
A procura da vida extraterrestre só agora começou e já se encontraram centenas de exoplanetas, com se chamam, alguns aparentemente dentro das zonas habitáveis do respectivo sol. Há muitos mecanismos propostas para os detectarmos, mas ainda está tudo na meninice.
ExoplanetasDetecçãoRechDos21p42

Um dos primeiros a ser utilizado foi o aproveitamento da passagem do planeta em frente de uma estrela. Deu origem a dois métodos. O de trânsito: quando o satélite passa pela frente da estrela diminui ligeiramente o seu brilho. O da lente gravitacional: quando uma estrela que tem um planeta passa em frente de outra, o seu efeito de lente aumenta brilho desta; se no decaimento do brilho surgir um pico, este indica a existência de um (exo)planeta da estrela-lente.
ExoplanetasDetecçãoMEU
                ExoplanetasDetecçãoRechDos21p39 e
                ExoplanetasDetecçãoRechDos21p40
Lado esquerdo: método de trânsito. Sempre que um planeta passa em frente da sua estrela provoca uma diminuição do brilho da estrela que permite determinar algumas das características do planeta.
Lado direito: Método da lente gravitacional. Quando uma estrela passa em frente de outra aumenta muito o seu brilho, de acordo com as previsões da teoria da relatividade: funciona como se fosse uma lente. Se a estrela-lente tiver um planeta, surge um pico no decaimento do brilho da estrela devida ao efeito gravitacional do planeta. Assim se fica a saber da existência de um planeta em torno da estrela-lente.


De uma coisa estamos certos: há pelo menos um planeta onde as coisas funcionaram. O da nossa Terra. Como? Porquê? Não sabemos. Só podemos imaginar, cada um ao seu modo.

Acaba de ser anunciado a descoberta de seis planetas em torno da estrela Gliese 667C, três dos quais na zona habitável. É a primeira vez que se encontram três planetas na zona de habitablidade de uma estrela.

ExoplanetasGliese667C




Este texto não foi publicado pelo Zé Dias mas encontrava-se na sua conta do blogspot, em forma de rascunho, na altura da sua morte. Não está completo, nomeadamente faltam esquemas e imagens e provavelmente faltará alguma revisão do texto em si e alguma conclusão, mas optamos por manter tudo tal qual como estava.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Universo e as suas "libertações"


Vou agora procurar contar a história do Universo de um modo diferente. Vou supor que o Universo é um ser vivo que alcança libertações, sofre crises, vai respondendo aos desafios que lhe aparecem pelo caminho. Pode parecer que há uma evolução teleológica (com um objectivo determinado), mas esta posição não é científica; é muito mais de tipo religioso. Portanto, o leitor fica avisado que esta maneira de contar as coisas tem pouco de científico, enquanto parece apresentar uma finalidade para a evolução, que seria o aparecimento do homem. Contudo o que se diz tudo isso aconteceu. Por exemplo, quando falar da primeira crise de crescimento, dou conta de um facto; o nome é que não é muito apropriado; quando falo da solução dessa crise, ela realmente existiu, mas não foi planeada pelo Universo a regra e esquadro. Trata-se pois de uma linguagem, muito antropomórfica, que pode induzir em erro, mas que permite apresentar os vários desafios com que foi confrontando o Universo e a evolução de um modo, que penso ser mais didáctico.
Acompanharei as primeiras secções citando E. Cardenal, no seu Cântico Cósmico (Trotta, Madrid 1992, 410 pp.) para quebrar a monotonia do meu relato e para os que gostam de relatos poéticos, cheios de criatividade, mas também de alguma física quântica. Quem não gostar de poesia pode saltar.

Segundo as últimas informações (sonda Planck), o Universo tem cerca de 13,8 x 109 anos de idade, isto é, 13 800 000 0000 ou 13,8 Ganos (giga anos). A maior parte dos acontecimentos marcantes deste Universo aconteceu nestes primeiros segundos, no quarto de hora inicial. Este pequeníssimo intervalo de tempo foi “vivido” com tal intensidade que o Universo, partindo de uma situação caótica, “conseguiu” formar átomos que, depois, actuados pela força da gravidade vão conduzir-nos a este espectáculo único que é uma noite límpida de céu estrelado.


Vou contar esta história a partir das libertações de situações difíceis, da superação de crises de crescimento; depois, das crises que afectaram a vida e o seu desenvolvimento e, finalmente, das libertações somáticas que conduziram ao homem.

           Lá em cima chamam as estrelas
           convidando-nos a despertar, a evoluir,
                sair dos cosmos.
          Elas engendradas pela pressão e pelo calor.
                               Como alegres quarteirões iluminados
                               Ou povoações vistas de noite de um avião.
                O amor: que acendeu as estrelas…
          O universo está feito de união.
                               O universo é condensação.
          Condensação é união, e é calor (Amor.)
          O universo é amor.
                               Um electrão nunca quer estar só.
          Condensação, união, isso são as estrelas.
          A Lei da Gravidade
                               che muove il sole e l’altre stelle (1*)
         é uma atracção entre os corpos, e a atracção
         se acelera quando se aproximam os corpos.
         A força de atracção da matéria caótica.
                                           Cada molécula
        atrai qualquer outra molécula do universo.
                A linha mais recta é a curva.
                                                         Só o amor é revolucionário.
                                                         O ódio é sempre reaccionário.
        O calor é um movimento (agitação) das moléculas,
        como o amor é movimento (e como o amor é calor).
                   Um electrão procura pertencer a um grupo completo ou um subgrupo.
                                 Toda a matéria é atracção.
Cantiga 8, p. 57

VOLTO A AVISAR: não sei se a evolução tinha ou não intenção de fazer aparecer o homem. Dá-me jeito adoptar esta perspectiva para, ao contar uma história, não ser obrigado a usar os palavrões técnicos nem a descrever mecanismos, alguns deles bem complexos.

LIBERTAÇÕES
Foram várias as “libertações” que permitiram ao Universo continuar a sua evolução.

Neste esquema da evolução do Universo podem ver-se os tempos e as temperaturas em cada momento. Vemos o instante do Big Bang, a Inflação, os domínios da Radiação (azul a avermelhado) e o da Matéria (a azul).
Verifica-se que os principais acontecimentos do Universo se desenrolaram nos primeiros minutos. No resto do tempo houve de notável o aparecimento das estruturas (galáxias e estrelas), a aceleração da expansão (indicada pla espécie de sino deitado), o aparecimento da Terra, da Vida e do Homem.

a) Libertação do Caos
No princípio dos princípios, tudo seria caos, confusão. Violentas explosões de energia produzindo partículas muito massivas que não teremos nunca possibilidade de ver em laboratório. Não se sabe nada hoje porque não há modelos nem teorias físicas que permitam “olhar” este inferno inicial. Várias tentativas matemáticas podem vir a abrir janelas, mas por enquanto não vemos nada.
Nada se sabe. Por isso fala-se de flutuações quânticas, palavrões que nada dizem e só servem para camuflar a nossa ignorância.
Talvez se possa imaginar como qualquer coisa parecida com esta fotografia composta do Sol.

Esta imagem quase dantesca do nosso Sol é uma composição de 25 fotografias feitas em luz UV (ultra violeta) pelo SDO (Solar Dynamics Observatory) durante um ano.

                No princípio não havia nada
                               nem espaço
                                               nem tempo.
                                                               O universo inteiro concentrado
                no espaço do núcleo de um átomo,
                e antes ainda menos, muito menor que um protão
                e ainda menos ainda, um infinitamente denso ponto matemático.
                                                                              E foi o Big Bang.
                A Grande Explosão.
                O universo submetido a relações de incerteza,
                O seu raio de curvatura indeterminado,                             
                                               a sua geometria imprecisa
                com o princípio de incerteza da Mecânica Quântica,
                geometria esférica no seu conjunto mas não no seu detalhe,
                como qualquer pasta ou papa indecisamente redonda
                imprecisa mas mudando constantemente de imprecisão
                tudo numa louca agitação,
                era a era quântica do universo,
                                               período no qual nada era seguro
                nem as “constantes” da natureza flutuantes indeterminadas
                               isto é
                                               verdadeiras conjecturas do domínio do possível
Cantiga 1, p. 9

  
b) Libertação da Força unificada
No princípio havia uma única força que manietava tudo e da mesma maneira. Nada escapava à sua violência e omnipresença. Linhas de força muito intensas sujeitavam tudo, indiscriminadamente, à ditadura dessa força única. As quatro forças fundamentais não tinham identidade própria. Formavam uma “quimera”, entrançadas numa única entidade que exercia um efeito catastrófico sobre tudo o que existia.
O Universo libertou-se desse espartilho aproveitando a descida de temperatura. A força omnipotente começou a destrançar-se nas suas componentes, adquirindo cada uma a sua identidade própria e permitindo que tudo entrasse na “normalidade”. A partir de dada altura, cada força ficou no seu domínio sem “oprimir” os outros, apenas pondo ordem em tudo o que fora desordenado. Agora tudo estava no seu lugar; não se vivia na anarquia pois cada força controlava a anarquia que havia inicialmente e introduzia alguma ordem num Universo tão rebelde. 

Estas são as forças que regulam todos os fenómenos do nosso Universo:
- a força da gravidade determina a estabilidade de galáxias, estrelas, planetas e seres vivos e não vivos; têm um alcance infinito, tal como a força electromagnética, mas nos domínios dos maiores espaços domina absolutamente;
- a força forte permite a existência dos núcleos atómicos, sobrepondo-se à força electromagnética que faz com que objectos do mesmo sinal eléctrico não se afastem e sejam estáveis juntos;
- a força fraca preside aos decaimentos radioactivos dos elementos instáveis;
- a força electromagnética é responsável por toda a arquitectura estável de nós próprios e dos objectos à nossa volta; regula toda as ligações químicas sob duas formas: atracção, se as cargas eléctricas são de sinal oposto (positivas e negativas); repulsão se são ambas do mesmo sinal (positivas-positivas; negativas-negativas).
Como se vê a força electromagnética tem um predomínio nas coisas do "dia-a-dia": nas grandes distâncias é vencida pela força da gravidade; nas pequeníssimas distâncias, do tamanho de um núcleo atómico, é vencida pela força forte.
       
            No princípio foi o caos.
            O caos foi apenas o primeiro instante da Grande Explosão.
            Depois tudo foi lei no universo.
            A sua criação foi a suspensão momentânea das leis físicas.
           Um caos em que algo apareceu do nada.
                               No princípio era o caos                
                                                                              (Génese assírio-babilónico)                      
                               quando os céus ainda não tinham nome.
           Como é que um universo caótico se converteu em estruturado?
                               Através dos telescópios e
                               dos aceleradores de partículas
                                                                              vemos uma mesma realidade.
           O átomo não só canta mas canta em uníssono com as estrelas
           E a singeleza e simplicidade do universo:
                               99% de hidrogénio e hélio
                               e o resto impurezas.
           Hidrogénio e hélio, os dois átomos mais simples.
           E como sementes num campo recém-lavrado
           as moléculas básicas, diz-se, estão regadas
                               por toda a negrura do espaço.
Cantiga 37, p. 323.
                                                                                             

c) Libertação da Aniquilação
Quando uma partícula encontrava a sua antipartícula, aniquilavam-se, transformando-se em energia. Por sua vez essa energia ia dar origem ao aparecimento de uma par partícula-antipartícula. A aniquilação, ao destruir todas as partículas, impedia a formação estável de estruturas consistentes, subsistindo um mar de energia. Tudo parecia resumir-se a um eterno jogo de ping-pong. O Universo parecia uma arena de fratricidas: um universo só de Caims sem haver nenhum Abel. As partículas andavam numa roda louca. Pouco a pouco, a temperatura foi baixando de tal modo que mais nenhuma partícula se podia materializar. E as partículas existentes foram-se destruindo mutuamente.
O Universo parecia condenado a ficar um mar de fogo sem perspectivas futuras. Foi então que, não se sabe donde nem a que propósito, surgiu um mecanismo ou uma qualquer mão invisível que fez com que o número de partículas fosse ligeiramente maior que o número de antipartículas. Assim ao desaparecerem todas as antipartículas (porque chocavam com as respectivas partículas), sobrou um ligeiro excesso de matéria, permitindo que a evolução continuasse.



            Aproxima-te desta rocha junto ao mar e olha:
            é quase inteiramente espaço vazio
                                                               (olha-a electronicamente)
            é evanescente espuma toda ela
           como a espuma do mar que das rochas nasce e nas rochas se desfaz.
           Efémeras partículas que não estão nem aqui nem ali,
           indo e vindo ao acaso das ondas de um mar vazio.
           Partículas que surgem do nada e voltam ao esquecimento.
                               Viajam do vazio ao vazio.
          "A palavra realidade não é utilizável para as partículas.”
                No princípio não havia o vazio absoluto.
                Ou o vazio absoluto em todos os sentidos.
          O electrão pode não ter saído de parte nenhuma
          porém deixou algo do nada donde saiu,
          uma espécie de oco no vazio, ou uma invisível borbulha de nada.
                               “A posição de uma partícula no espaço
                               é dependente da sua posição no tempo.”
          A gravidade é o espaço-tempo curvado, enrevesado.
          E ao mesmo tempo o espaço-tempo tem estrutura de espuma
                               e desvanece-se como espuma na areia.
         Caótico mar onde mesmo a noção comum de lugar desaparece!
          E onde o próprio espaço pode mudar e mover-se
          (e fazer-se espuma).
          Vivemos num mundo de electrões indeterminados
          intercambiando fotões de posição confusa, fotões
          perdidos na neblina da incerteza quântica.
         Que são como a quase invisível bola de ténis
         que caprichosamente faz movimentar-se a dois jogadores
         com movimentos indeterminados mas também bem determinados.
                               Um mundo que não é senão um nada estruturado.
        As fantasmagóricas semiformas do vazio
        no agitado mar de quanta virtuais que são todo o espaço.
        Partículas elementares que não parecem possuir estrutura interna
        e juntas constituem todas as formas conhecidas da matéria.
                Partículas fantasmas indo e vindo, aparecendo
                               e desaparecendo.
        Partículas que bailam um louco rock num salão de engalanado nada.
                Não são
        exactamente electrões fantasmas os das equações quânticas
        mas realidades fantasmas, mundos fantasmas
        que apenas existem quando são observados.
                                               Einstein não o aceitou em toda a sua vida.
       A incerteza como propriedades inerente à matéria.
                Esta intangível qualidade das partículas quânticas…
     “Ninguém entende a física quântica”
                                                                Disse Feynmann
Cantiga 29, pp. 239-240.


d) Libertação do Uniformismo
Tudo era uniforme: radiação com partículas que se tornavam radiação. Já há componentes da matéria, os núcleos atómicos, mas devido às elevadas temperaturas, não conseguem associar-se com os electrões e formar os átomos, os “tijolos” das estrelas e galáxias.
A energia tudo destrói, tudo uniformiza. Existe um plasma onde se cruzam quarks e gluões e, mais tarde, núcleos atómicos e electrões. Tudo uniforme, alinhadinho; nada de estruturas consistentes.
De novo é o abaixamento da temperatura que vai permitir que os electrões se unam aos núcleos para formar os átomos. Embora haja poucos tipos de átomos, a composição do Universo já não é uniforme: 75% de hidrogénio e 24% de Hélio. A diversidade começa a impor-se. O problema é que a diversidade não avança e o Universo parece preso na armadilha da primeira crise de crescimento, que veremos mais abaixo.

Quando a temperatura baixar o suficiente, o plasma quarks-gluões dissocia-se nos seus componentes: quarks (uma das partículas elementares da matéria) e gluões (uma das "partículas" mediadoras da força forte). Como os quarks não podem "viver" isolados associam-se para formar as partículas de matéria, nomeadamente os protões e os neutrões.

Os protões e os neutrões, logo que a energia ambiente o permita, associam-se formando os primeiros núcleos atómicos: dois protões e sois neutrões formam o núcleo atómico do Hélio.

Mais tarde, os núcleos atómicos, ao associarem-se, forma os primeiros átomos (nucleossíntese cosmológica): Hidrogénio e Hélio. Os protões, apesar de terem a mesma carga eléctrica (positiva) não se repelem por causa da força forte que os une estavelmente.
Assim, todo o uniformismo presente no plasma quarks-gluões desaparece para dar origem aos primeiros individualizados diferentes.


e) Libertação da Opacidade
Tudo era um nevoeiro cerradíssimo. Não se via “um palmo à frente do nariz”. A luz perdia-se logo no meio daquele smog mais intenso que o de qualquer cidade poluída.
Quando a temperatura baixa e se formam os primeiros átomos, não é só a uniformidade que vai acabar; também a opacidade.
Os fotões interagem com os electrões. Como os electrões ficaram aprisionados pelos núcleos atómicos, os fotões libertam-se das suas ligações com eles. Antes, os fotões formavam um emaranhado de trajectórias: estavam continuamente a mudar direcção por causa dos contínuos choques com os electrões. Agora, livres, passam a deslocar-se em trajectórias lineares, permitindo o aparecimento dos raios luminosos. O Universo ficava transparente à luz.


Livres da interacção com os electrões (que ficaram presos aos nucleões para formar átomos), os fotões deslocam-se segundo trajectórias rectilíneas. Antes, chocavam continuamente com os electrões e era impossível seguir a sua trajectória. Agora, partem à aventura.


f) Libertação das Trevas
O silêncio, o frio e a escuridão caíram sobre o Universo: os átomos que existiam já estavam demasiado separados para se encontrarem e, quando se encontravam, seguiam não dando origem a nada. Eram apenas ressaltos num bailado de cegos onde poucos chocavam com poucos. A temperatura era muito baixa para iniciar reacções.
Tudo estava mergulhado numa escuridão total. Tudo parecia terminado. Mas não. Sob essas condições adversas, havia zonas de matéria mais densas que outras. Ligeiramente, mas o suficiente, para servirem de núcleos de futuras estrelas e galáxias. Até que passados muitos milhões de anos, começaram a surgir os primeiros pontos luminosos, pequenas luzes a ulcerar as trevas. Então, pouco a pouco, as trevas começam a desaparecer, os pontos brilhantes aumentavam e o céu, antes tão tétrico, tornou-se num belo espectáculo.

Na era das trevas nem sequer se via uma luz ao fundo do túnel.

Como se viu, a maior parte destas libertações ocorreu porque a temperatura ia baixando. Mas, quando ela baixou demasiado, o Universo teve de fazer apelo a um outro mecanismo para resolver este estrangulamento. No caso da Escuridão, o abaixamento de temperatura já não era capaz de eliminar as trevas.
Entrou em campo a força da gravidade, até agora desparecida. Como o Universo não era totalmente homogéneo, havia algumas zonas um pouco mais densas em matéria e outras menos. Aquelas tinham uma força de gravidade um pouco maior e começaram a atrair mais massa. A massa atraída aumentava a massa. O aumento de massa aumentava a força de gravidade. E assim sucessivamente chegou-se a um momento em que a massa condensada era tal que no seu centro a temperatura atingiu o valor de milhões de graus. Esta era uma energia suficiente para fazer desencadear reacções nucleares e acender os luzeiros no céu.

Vincent van Gogh (1888)

             A matéria é movimento.
                               O universo, transformação.
                                               As velocidades dentro dos átomos
                                                                                              são como as do céu.
                               Em contínua dança a matéria.
            As nuvens de hidrogénio em rotação
                               Engendrando estrelas em rotação,
           e as galáxias em discos, esferas ou espirais       
                                                                              também girando.
                               Expandindo-se tudo (além do mais)
                                                                                              ao mesmo ritmo.
         E qual é a sua razão de ser?
         Como foi a sua criação?
                E nós por que estamos?
                E quem somos?
                Terá o universo uma alma
                e somos nós essa alma
                com todo o cosmos por corpo,
         mesmo os gases mais distantes, o nosso corpo?
        Assim o cosmos conhece-se a si mesmo por nós.
                “Conhece-te a ti mesmo”.
       
        A gravidade que é o amor, dizíamos, por quem os beijos são dados.
        A gravidade é consequência do espaço-tempo curvo.
        A gravidade e todos nós.
        Também o mesmo Paul Davies disse:
                               Tempo e espaço essas duas ideias aproximadas…
        (Talvez uma teoria do futuro
        nem sequer use as noções de espaço e tempo.)
                               Passado, presente e futuro, é linguística
                Porém o último que prevalecerá será
                a segunda lei da termodinâmica?
        Só buracos negros e buracos negros e buracos negros
        nos quais tudo será submerso no esquecimento. São Paulo disse
        que o último inimigo vencido será a morte, será             
        a segunda lei da termodinâmica.
        Talvez outra vez a matéria, como no princípio,
        reduzida a uma densidade infinita.
        O Apocalipse segundo Davies.
Cantiga 5, pp. 35-36 e
Cantiga 9, pp. 66-67.


Assim chegámos a uma nova etapa. Liberto dos muitos empecilhos, o Universo vai agora debater-se com algumas crises. Veja o  próximo episódio.


Notas

(1*) Últimas palavras da Divina Comédia de Dante (Paraíso, canto XXXIII,146). Dante aplica-a ao "amor que move o céu e as outras estrelas" (l'amor che move il sole e l'altre stelle). Aqui Cardenal aplica-a à gravidade, da qual diz, na Cantiga 9, "a gravidade que é amor" (citada mais abaixo)